Caro leitor, vou dar-me o direito de usar este espaço para uma certa divagação.
Deus criou o homem e viu que era muito bom. Por ter sido criado à Sua imagem e semelhança, mas não ontologicamente igual, o homem confundiu-se e achou que ele é que havia criado Deus. O dito homem concluiu que isso não era muito bom, então matou Deus. Colocou-se a si mesmo no trono e consagrou-se Super-homem. Oficialmente, o Deus morto não deixou herança, já que isso seria uma heresia na nova cosmogonia. Poderíamos colocar aqui um ponto final se a História realmente tivesse um fim, como pretendem os advogados do Super-homem. Acontece que esta narrativa tem uma reviravolta: Deus não morreu e a realidade não mudou.
O homem é o mesmo, em essência, em qualquer ponto do tempo e em qualquer parte do mundo. É por essa razão que ainda nos servem as obras de Platão e Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, a Bíblia. As obras que fundamentaram estruturas que funcionam e sobrevivem aos perigos da passagem do tempo são sempre actuais. Não na sua totalidade, é claro, pois há sempre o elemento da mente que realizou a obra, e essa mente, sendo humana, tem o aspecto particular e finito de pertencer ao seu tempo, mas também o aspecto universal e eterno de pertencer à raça humana e à Criação.
Esta concepção de natureza humana estática, embora caibam em si diferentes graus de evolução e maturidade individual e social, é a razão pela qual me considero anti-revolucionária. Hoje em dia, é um risco para a reputação dizer tal coisa, já que a Revolução venceu e quem vence é quem determina os símbolos e os significados para as gerações vindouras. Mas como me debrucei a estudar alguma coisa sobre revoluções de forma independente, tenho uma concepção diferente do senso comum. Entendo que o pensamento revolucionário assenta, em última instância, numa vontade de subverter a própria natureza humana. Para isso, o movimento revolucionário quer primeiro subverter as instituições que se basearam (e de algum modo perpetuam-no) no legado Judaico-Cristão. Não se trata, para mim, de clubismo cristão, pois existem inúmeras obras de culturas distantes que considero de imenso valor, mas sim de preservar a cultura que, mesmo defeituosa, carrega os valores mais elevados e talvez a maior quantidade de revelações do próprio Criador.
Saul Alinsky, no seu livro Rules for Radicals, escreve a seguinte frase: “Devemos olhar para o passado e dar algum crédito ao primeiro verdadeiro radical. (…) o Primeiríssimo Radical conhecido pelo homem que se rebelou contra o sistema o fez de forma tão eficaz que pelo menos conseguiu seu próprio reino — Lúcifer”. Alinsky foi muito influente na esquerda revolucionária americana, de onde têm saído as modas intelectuais mais absurdas e destrutivas: ideologia de género, teoria crítica da raça, feminismo marxista, etc., que têm polarizado a sociedade de um modo bastante eficaz. A sua descrição de Lúcifer é, na minha concepção, a definição de revolucionário.
Somada a esta perspectiva está a definição original de “revolução”: um termo da astronomia que significa a volta que um corpo celeste dá ao redor de um eixo. É, portanto, o acto de voltar onde se começou. O revolucionário não quer evoluir, mas regredir, manter-se em círculos num eterno retorno. Nascemos nus, ensanguentados e a chorar, tal como milhões de pessoas pereceram sob os mais variados regimes revolucionários. Não é raro na história das revoluções os dirigentes se confrontarem com o facto de não poderem simplesmente apagar as estruturas na qual a civilização se sustenta, sem que esta entre em decadência imediata e, consequentemente, eles próprios fiquem em risco de serem destituídos, ou mesmo eliminados.
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Finalizo a divagação, eu própria com mais perguntas do que respostas, mas com a certeza de que esta é uma sombra à qual precisamos levar luz.
2 comentários
Olá Francisca. Penso que nos terá aqui apresentado uma razão natural mais de estarmos a caminho de uma tão necessária contrarrevolução. Será?
Olá Lourenço! Na minha opinião, sem dúvida. O mais complexo é ver caminhos alternativos vivificantes, que não se vergam à revolução, mas que também não se prendam em retrocessos. É curioso até dizer isto, pois vem me à mente algo que estou a estudar agora, a ideia de que o Renascimento, em muitos aspectos, significou um retrocesso da civilização. Vários historiadores compartilham desta visão.