Desconfie-se da mão que se esconde atrás dos arbustos; o seu afago será sempre duvidoso. Porque até o diabo pode citar as escrituras quando isso lhe convém.
(William Shakespeare)
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A política, os políticos, e a cultura da mentira
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As novas técnicas de comunicação, servidas por gente impreparada, hipócrita, e de duvidosos princípios éticos, ameaçam transformar o conceito originalmente nobre da política, numa feira onde tudo se promete para nada, ou quase nada, se vir a cumprir.
Tanto assim é, que há quem defina hoje o homem e a mulher comuns de uma sociedade dita democrática como optimistas que afinal não passam de pessimistas confundidos e enganados.
Numa recente ‘mesa redonda’ de comentadores da maior estação de televisão portuguesa, alguém falou na “espuma da política” para significar os resíduos emergentes da inutilidade da acção dialética dos que se dedicam aquilo que é tido por indispensável num país gerido por uma típica democracia representativa; o diálogo político-partidário.
É claro que, compatibilizando a expressão com a analogia do que acontece com um mau vinho, chegaremos à triste conclusão que estamos perante uma grosseira zurrapa palavrosa, cujos resultados são certamente inaproveitáveis. Fala-se demasiado, para nada de significativo se dizer realmente.
Na oportunidade, um dos interventores adiantou mesmo que, na sua opinião – e estas são palavras próximas das suas – se fossem tidas em devida conta, e sancionadas, as mentiras de quem anda na politica, grande parte dos políticos seria erradicada de funções.
E assim vai a política, eivada de hipocrisias, plena de vazios de ideias e de conceitos, alimentada unicamente pela vaidade e pelos interesses privados de quem por lá anda.
Há mais gente nas faculdades, é verdade, mas poucos são os que saem de lá com uma real vontade de servir a cousa pública, e sem nenhum talento ou vontade para o fazer realmente. É que também para isso são preciosas vocação e sólida integridade.
Longe vão os tempos dos grandes pensadores e brilhantes oradores, cheios de verdadeiro fervor patriótico, que iluminaram as bancadas do parlamentarismo constitucional no tempo da monarquia, e para além dele, século XX adentro, e já em plena república.
Foi então tempo dos intelectuais, dos poetas, dos escritores se vestirem de altruísmo e se fazerem cidadãos comuns, assumindo o interesse colectivo como seu; querendo ir, como Eurípides e Sófocles, solicitar com eloquência, na praça pública, os sufrágios populares, para gáudio do jornalismo, que rejubilava com aquela avalanche de matéria noticiosa de qualidade, que deliciava os leitores, sempre ávidos de conhecer as ideias que consecutivamente fluíam, com real entusiasmo, de numerosos cérebros privilegiados.
Em Portugal, tal como em muitos outros países, da Europa e fora dela, ainda há quem lembre, saudoso, esses muitos notáveis da palavra nobre e do gesto honrado, tal como o foram também alguns dos políticos emergentes do pós-guerra, cuja profícua acção ainda nos foi dado conhecer no nosso tempo de vida. Esses “grandes” homens e mulheres que um dia sonharam criar um mundo novo; mais são, mais justo, e mais solidário.
Quase que o conseguiram, mas, uma vez desaparecidos, tudo se transformou e entrou em retrocesso.
Mesmo assim, a esses poucos ficámos a dever a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), um concerto alargado de nações, que, mesmo com as limitações conhecidas, tem permitido conter ou minorar alguns dos muitos conflitos que, entretanto, tiveram lugar.
Aos outros, os actuais, tenho sérias dúvidas que lhe fiquemos a dever alguma coisa, a não ser o arrependimento de haver votado neles.