Lendas e Mitos do Nordeste Brasileiro: o Sertanejo e o Lobisomem

Uma das crendices populares do Brasil é a do lobisomem.

Alguns acreditam que seja um indivíduo amaldiçoado pelos pais ou pelos padrinhos. Outros acham que é o sétimo filho de um casal.

Geralmente é um homem magro e muito pálido. Não tendo sangue, está condenado a morrer se não encontrar um jeito de ficar corado. Vai, então, sexta feira, à meia noite, a uma encruzilhada, onde tira a roupa  e vira pelo avesso. Depois, dá sete nós em qualquer parte da roupa. Deita-se, em seguida, no chão, e roda, da esquerda para a direita, como um animal.

Vira, então, um bicho. Seu corpo fica coberto de pêlos compridos, as orelhas crescem, a cara toma a forma da de um morcego, as unhas aumentam e viram garras.

Corre com os joelhos e cotovelos, os quais, pela manhã, estão ensanguentados. Logo que se transforma em bicho, o lobisomem sai à procura de sangue para beber. Cachorro novo, bacorinho e criança de peito são os preferidos pela pureza do seu sangue. Mas, na falta destes, o homem também serve. Por isso, as pessoas adultas são atacadas pelo monstro.

Para desencantar o lobisomem, basta qualquer ferimento, por onde escorra sangue. Volta então à forma humana e nunca mais vira bicho, enquanto o desencantador viver. Se desfizermos os sete nós de sua roupa, o lobisomem ficará para sempre correndo. Sem parar.

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Contam muitas histórias sobre o lobisomem.

Uma delas é interessante.

Um sertanejo nordestino costumava dizer aos seus companheiros de trabalho que não acreditava em bobagens de lobisomens. Um deles, homem muito pálido, declarou-lhe, um dia, meio zangado, que ele havia de se arrepender de zombar dos lobisomens. Os amigos do sertanejo o avisaram de que o seu colega de trabalho ”virava” e que, por isso, devia andar armado e não se afastar muito de sua morada.

Numa noite  de sexta feira, vinha o sertanejo de volta para casa, quando foi atacado por um monstro horroroso. Era um bicho preto, do tamanho de um bezerro, com orelhas enormes, cheio de pelos, com os olhos de brasa. A luta foi terrível. O sertanejo, que era forte e valente, sacou da faca e enfrentou o monstro. Lutou, lutou, até que conseguiu tirar sangue da fera. O lobisomem soltou um urro de dor, deu um salto tremendo e desapareceu no mato.

O sertanejo apavorado com o acontecimento, passou a noite em claro. Pela manhã, não encontrando no trabalho o seu colega pálido, perguntou por ele. Disseram-lhe que estava doente e, por  isso não fora trabalhar. O sertanejo foi visita-lo. Encontrou-o gemendo, tomando remédios, e com o pescoço ferido.

Aí está mais uma história fantástica criada pelo povo do sertão.

Mas o assunto não acaba assim, de forma fácil, tão rico é o material apresentado por diversos autores, que contam lindas e curiosas histórias, do folclore luso brasileiro.

 

Saci-pererê

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Saci é um dos símbolos mais famosos do Folclore brasileiro. Personagem já apareceu em diversos livros, filmes e peças teatrais.

Saci-pererê é uma das principais lendas do folclore brasileiro, e seu surgimento remonta ao final do século XVIII.

 

folclore brasileiro é marcado por sua riqueza e grande diversidade, e as lendas que fazem parte dele sempre são um grande destaque. Entre essas, uma das mais conhecidas é a do saci-pererê, um ser negro e pequeno que habita as florestas e é conhecido pelas travessuras que realiza. A lenda do saci surgiu no Sul do Brasil, foi influenciada por elementos das culturas africana e indígena, e ficou nacionalmente conhecida por influência de Monteiro Lobato.

 

A história do saci-pererê

O saci-pererê é um ser mítico que habita as florestas e tem como grande característica o fato de ser travesso e pregar peças nas pessoas. Ele é um ser pequeno, com cerca de meio metro de altura, embora existam versões da lenda que falem que ele pode chegar a ter três metros de altura, se quiser.

Seguindo a descrição, na lenda saci é negro e possui apenas uma perna, com a qual se locomove rapidamente. É conhecido também por não possuir cabelos e nem pelos corporais, usar um gorro vermelho na cabeça e praticar o hábito do fumar um cachimbo. Algumas versões da lenda apresentam-no com olhos vermelhos, enquanto outras não trazem essa característica.

Como mencionamos, a imagem clássica do saci mostra-o como um ser mítico e travesso que realiza brincadeiras, e, por isso, muitas menções do passado referem-se a ele como “endiabrado”. Por ser agitado, saci costumeiramente está realizando travessuras por onde passa. Importante mencionar que dentro da lenda não existe apenas um saci, podendo existir vários realizando suas travessuras ao mesmo tempo.

Uma das práticas mais comuns realizadas pelo saci é o ato de incomodar os cavalos, sobretudo durante a noite. Conta-se que o saci costuma sugar o sangue dos cavalos, além de amedrontá-los durante a noite, então sempre que os cavalos estiverem agitados à noite é porque um saci esteve lá. Um sinal de que de fato um saci tenha feito de suas travessuras com os cavalos são os nós e tranças que podem ser encontrados em suas crinas.

Saci também costuma incomodar os viajantes que encontra pela estrada. Ele assovia um som bem estridente que os atormenta e deixa-os incomodados por não saberem de onde vem e de quem tal som. Além disso, costuma derrubar os chapéus usados pelos viajantes, e danificar o freio das carroças, entre outras travessuras.

O saci também invade as casas para fazer suas brincadeiras. Ele pode queimar as comidas que estão sendo feitas, azedá-las, se já estiverem prontas, além de desaparecer com objetos, apagar a luz das lamparinas etc.

O redemoinho já foi visto por muitos como obra do saci para levantar a folhagem e espalhar sujeira.

Durante esse fenômeno, a lenda conta, é possível capturar o saci. Para isso, basta lançar um certo tipo de peneira no meio do redemoinho. Aquele que captura o saci deve retirar o gorro de sua cabeça para que ele perca seus poderes sobrenaturais. O último ato é aprisioná-lo em uma garrafa com uma cruz desenhada nela. O objetivo dessa é impedir sua fuga.

Conta-se que o saci vive por 77 anos, sendo que, depois desse período, ele pode transformar-se em um cogumelo venenoso ou naqueles cogumelos que são encontrados nos troncos das árvores, chamados “orelha-de-pau”.

Na lenda, saci é conhecido por estar em todo redemoinho que é formado.

 

Quando surgiu a lenda do saci

O estudo das origens das lendas do folclore brasileiro é alvo do interesse de diversos folcloristas. No caso do saci, esses estudos apontam que sua lenda remonta ao final do século XVIII ou começo do século XIX. Isso porque não existem relatos sobre saci nos primeiros séculos do período colonial do Brasil como existem de outras lendas, como a do curupira, que é mencionada em um relato de 1560.

A lenda do saci surgiu, segundo os estudos, na região Sul do Brasil entre os índios guaranis. Conta-se que, a princípio, era conhecida no idioma tupi-guarani como çaa cy perereg. A influência dessa lenda no Sul foi tão grande que ela não ficou reclusa ao Brasil e espalhou-se pelos países vizinhos.

Na Argentina, Uruguai e Paraguai, o saci-pererê é conhecido como yacy-yateré, e existem algumas diferenças entre essas versões.

O yacy-yateré, diferentemente do saci, não é careca e possui cabelos loiros, usa um bastão de ouro como varinha mágica (que o torna invisível) e um chapéu de palha. É anão assim como o saci, mas faz travessuras diferentes: os paraguaios acreditam que yacy-yateré atrai crianças para fazer maldade com elas: roubar, ou deixá-las loucas ou surdas, dependendo da versão.

Os argentinos, por sua vez, falam que yacy atrai moças solteiras para então engravidá-las e, diferentemente do saci brasileiro, aquele tem as duas pernas. As diferenças entre as lendas são resultados das diferenças das culturas que as influenciaram.

A lenda do saci, como citado, surgiu no Sul do Brasil, mas acabou espalhando-se por todo o território brasileiro e incorporando elementos de outras lendas regionais que apresentam seres com características parecidas, como a caipora, na região central do país, e o matintapereira, na região Norte.

Os folcloristas brasileiros também apontam diversas lendas de origem europeia que podem ter influenciado as características do saci. Um dos exemplos mais citados é o trasgo, um ser de pequena estatura que faz maldades e faz parte do folclore de Portugal.

O hábito de fumar que o saci possui é atribuído à influência das culturas indígena e africana, nas quais esse ato era comum. Outro elemento da cultura africana é o fato do saci ter perdido uma das pernas após uma luta de capoeira.

Na origem da lenda do saci, ele era um protetor da floresta e, por isso, muitos consideram-no como um personagem derivado da lenda do curupira. Na medida em que sua história se espalhou, ela foi incorporando outros elementos que fazem parte do folclore de cada região e que podem ser oriundos de outras culturas.

 

Saci-pererê e Monteiro Lobato

Até o começo do século XX, a lenda do saci era muito conhecida nos rincões do país, mas, por meio de Monteiro Lobato, ela ganhou nova importância e dimensão. Esse é um famoso escritor do começo do século XX que criou fama por ter criado uma das histórias infantis mais conhecidas do Brasil: Sítio do pica-pau-amarelo.


O trabalho de Monteiro Lobato como escritor foi responsável por popularizar a lenda do saci no Brasil.

A associação de Monteiro Lobato com a lenda do saci iniciou-se em 1917, quando o escritor realizou um inquérito no jornal O Estado de São Paulo, com o objetivo de colher respostas dos leitores a respeito do que eles sabiam ou tinham ouvido falar sobre ela. O retorno foi considerável, e Monteiro Lobato recebeu dezenas de respostas dos leitores do jornal.

Com base nessas respostas, o escritor e folclorista sistematizou a lenda do saci para dar origem ao livro Sacy-pererê: resultado de um inquérito, publicado em 1918. Esse livro foi o primeiro no Brasil sobre a lenda do saci e foi o responsável por espalhá-la por regiões que não a conheciam. Em 1921, Monteiro Lobato adaptou a lenda para o público infantil ao publicar O saci, livro que faz parte da coleção do Sítio do pica-pau-amarelo.

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António J. C. da Cunha

Empresário Luso brasileiro no Rio de Janeiro *

Natural de Geraz do Minho – Portugal

Academia Duquecaxiense de Letras e Artes

Associado do Rotary Club Duque de Caxias – Distrito 4571

Membro da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

Membro da CPA/UNIGRANRIO

Diretor Proprietário da Distribuidora de Material Escolar Caxias Ltda

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1 comentário

  1. O texto me provoca doces lembranças . Tive a oportunidade, na infância, de ler os livros de Monteiro Lobato onde estavam presentes as diabruras inocentes do Saci,
    Valeu, Antonio Joaquim!

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