Lendas e Mitos do Nordeste Brasileiro: Senhor do Corpo Santo

OBSERVAÇÃO:  Os textos apresentados por Antônio J C da Cunha, versando sobre lendas e mitos do Brasil, são: quase todos, inspirados pelo livro de THEOBALDO MIRANDA SANTOS, publicado pela Companhia Editora Nacional, acrescentados por pesquisas na internet, inclusive fotos, que enriquecem o conteúdo.

 Segue mais uma lenda, daquelas que tanto enriquecem a literatura brasileira.

O SENHOR DO CORPO SANTO, será apreciada por todos que se deixam sensibilizar pelo folclore deixado através da herança de gerações passadas, mas que, em muito, contribuem na formação da atual e das futuras. De minha parte, dou contribuição através das páginas do jornal “Minho Digital”, contando com a inestimada parceria do Editor Responsável, José Luis Manso Preto.

Em 06 de março de 1913, o padre João Augusto, vigário da igreja de São Pedro Gonçalves, ou do Corpo Santo, no bairro do Recife velho, na capital pernambucana, celebrou solenemente a última missa no templo, isso porque o mesmo deveria ser demolido em decorrência das obras de ampliação e modernização daquela parte da cidade. Construída em data desconhecida nas imediações da atual praça Barão do Rio Branco, no local onde antes se erguia a ermida do Santelmo (protetor dos pescadores no mar bravio), nas proximidades da atual ponte Maurício de Nassau, a velha igreja (Ilustração) foi destruída rapidamente no ano seguinte, a golpes de picareta, aproveitando-se as pedras usadas em sua construção para feitura do meio-fio no calçamento do bairro.

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Entre as peças de mobiliário e imagens sacras de lá transferidas para a igreja Madre de Deus, situada não muito longe dali, na rua com o mesmo nome, esquina com a Vigário Tenório, encontrava-se a imagem do Senhor do Bom Jesus dos Passos, origem e causa de uma lenda já narrada por folcloristas renomados como Theobaldo Miranda e Luís da Câmara Cascudo. Dizia este último que o “Senhor Bom Jesus era alto, sombrio, macerado, com as manchas rubras de sangue coagulado, assombroso pela naturalidade e grandeza trágica. Ninguém sabe quem a esculpiu, nem a época em que apareceu. Mas era a imagem mais sugestiva e possuidora das admirações populares”.

 

Conta-se, sobre isso, que a certa altura de uma noite chuvosa e fria, em que os relâmpagos traçavam constantemente caminhos luminosos na escuridão que tudo escondia avidamente, enquanto os trovões ribombando nas alturas assustavam os moradores da cidade e afastavam deles a tranquilidade e o sono, no convento de Nossa Senhora do Carmo (um conjunto formado por aquela dependência, pela basílica do mesmo nome e igreja de Santa Teresa), construído em meados do século 18 no lugar em que anteriormente se erguia o palácio que servia de morada ao príncipe holandês Maurício de Nassau, o porteiro-leigo escutou o barulho da aldrava do portão de entrada sendo acionada por alguém. Curioso, ele levantou-se da cama onde dormia e foi atender a quem chamava, deparando-se, então, com um senhor de idade, encharcado pela chuva que caía sem cessar, tremendo de frio, mas que mesmo assim lhe perguntou com voz humilde se poderia abrigar-se ali da tormenta que parecia não ter fim.

 

Zangado por ter tido o seu descanso interrompido daquela forma, o porteiro da igreja respondeu grosseiramente que não, e desejando colocar um ponto final na conversa que não lhe interessava sugeriu ao pedinte que procurasse refúgio debaixo de qualquer uma das pontes existentes naquela região, ou então sob a soleira de alguma porta. E logo em seguida, sem dizer mais nada, voltou a trancar o portão.

 

Dali o velhinho caminhou vagarosamente em direção à igreja de São Pedro Gonçalves, que não ficava muito distante, e chegando lá bateu timidamente em sua porta. O porteiro o atendeu quase que de imediato, mas ao contrário do que sucedera minutos atrás, ele recebeu o pedido do desafortunado demonstrando compaixão e piedade, não só permitindo a sua entrada, mas dando-lhe, também, um pano para se enxugar, preparando-lhe algo para comer, e depois indicando ao mesmo um canto na sacristia, onde o ancião poderia deitar-se sobre um colchão e dormir convenientemente agasalhado. E de manhã cedo, quando o porteiro foi acordar o abrigado, descobriu estupefato que ele desaparecera, deixando em seu lugar, envolvido pela coberta, uma imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos, tão bonita, tão maravilhosa em sua vestimenta “de seda lilás, com resplendor de prata, tão rica e imponente em seu resplendor divino”, que ele caiu de joelhos, rezando fervorosamente.

 

Segundo o relato de Theobaldo Miranda Santos, “Quando se espalhou a notícia de que o velhinho mendigo fora o próprio Senhor do Corpo Santo, os frades do Carmo lamentaram profundamente a falta de hospitalidade do irmão leigo que lhes servia de porteiro. E como o Senhor do Corpo Santo houvesse procurado, em primeiro lugar, o Convento do Carmo, alegaram que tinham direito à posse da imagem. Os padres da igreja de São Pedro Gonçalves protestaram e o caso foi submetido à justiça”.

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“A questão durou muito tempo, mas, afinal, a igreja de São Pedro ganhou a demanda, cedendo apenas ao convento a honra de hospedar, por uma noite, apenas, o Senhor do Corpo Santo. Eis porque antigamente, durante a Quaresma, a imagem do Senhor do Corpo Santo saía de sua igreja para o Convento do Carmo, e daí regressava logo depois, com grande acompanhamento de fiéis”.

 

“Infelizmente a igreja do Corpo Santo, outrora tão bela e admirada, foi arrasada para ampliação da cidade do Recife. A igreja da Madre de Deus acolheu, maternalmente, a imagem do Corpo Santo, numa de suas salas. Até hoje, lá se encontra, sem ter voltado a realizar a tradicional visita ao Convento do Carmo”.

Recentemente, o noticiário da imprensa escrita divulgou que “Em abril de 2008, após mais de cinco anos fechada para reparos, Recife viu uma de suas igrejas mais antigas novamente de portas abertas. No coração do Recife antigo, a igreja Madre de Deus (Ilustração acima) voltou a receber turistas e fiéis. As obras concentraram-se no altar-mor, o mais atingido pelo incêndio que atingiu a igreja em 1971. Os entalhes de ouro foram recuperados e, com tanto dourado nas colunas retorcidas, o altar captura a visão de quem entra. Também chama a atenção a grande quantidade de imagens de santos que preenchem os nichos em lugares de destaque. Algumas delas vieram da igreja do Corpo Santo, a primeira da cidade, demolida no início do século 20. Como registro dos danos causados pelo fogo, uma pequena parte no alto da lateral direita do altar foi mantida enegrecida, tal como o incêndio a deixou”.

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Empresário Lusobrasileiro no Rio de Janeiro

Natural de Geraz do Minho – Portugal

Academia Duquecaxiense de Letras e Artes

Associado do Rotary Club Duque de Caxias – Distrito 4571

Membro da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

Membro da CPA/UNIGRANRIO

Diretor Proprietário da Distribuidora de Material Escolar Caxias Ltda

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