Editorial

AS MALHAS QUE O IMPÉRIO TECE
Picture of Joaquim Letria

Joaquim Letria

Partilhar

Joaquim Letria

Professor Universitário

Os ingleses foram quem melhor soube fotografar e filmar aquilo a que chamamos império. Nós até nisso fomos e somos envergonhados. Pelo contrário, os ingleses dão-nos o seu império com a intenção do calor, dos cheiros, cheios de elefantes, capacetes coloniais, ventoinhas, linho irlandês, espingardas de culatra, mosquiteiros e nativos ora africanos ora orientais. Nós não passámos do “Chaimite” e quando quisemos recriar alguma coisa depois disso não fomos capazes de sair do Jardim Botânico ou da Estufa Fria.

Os franceses reconstituem o seu império em película à imagem de Catherine Deneuve, Alain Delon ou Jean Paul Belmondo. Desperdiçaram Jean Marais, Lino Ventura ou Jean Gabin. Friamente, com olhos sempre europeus, com o raciocínio francês, com a haute couture du faubourg , o caqui vincadinho, a preanunciar os trajes elegantes dos enviados especiais da TV ou do Paris Match .No entanto, seja nas areias do Beau Geste ou na selva de Dien Bien Phu há sangue e a crueldade que não enjeitam.

Os americanos tentam ainda libertar-se do clima e da humilhação do Vietnam à custa das barbaridades no Iraque e Afeganistão, depois de trocarem as matanças dos comanches pela selvajaria dos contra na Nicarágua.

Os russos ainda estão a pensar que desmantelaram um dos grandes impérios do nosso tempo. Os alemães e flamengos não ultrapassaram os piratas das Caraíbas, por isso fazem de figurantes menores nos filmes onde são comerciantes, fregueses de bares, pianistas ou pisteiros para amantes dos safaris.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Honra lhes seja, os nossos irmãos espanhóis têm orgulho no seu passado e chamam “Conquista” à grande expansão, não se desculpando das crueldades que infligiram por esse mundo fora e com que conquistaram a sua grandeza.

Os holandeses, por seu turno, assobiam para o lado, não vá nenhum filme lembrar a sua parte activa na construção do “appartheid” e a origem das suas crias “afrikander”.

Os turcos já não se lembram que foram otomanos, os austríacos para esquecerem o anschluss estão a redescobrir os húngaros, os suecos morrem de tédio com os dinamarqueses e noruegueses e os italianos nem querem ouvir falar na Abissínia. Hoje, afinal de contas, cada um teve o império que o cinema quis que merecesse.

Envergonhados, nós não tivemos nada, não queremos falar de descobrimentos, mas sim de achamento, porque éramos muito bonzinhos, fomos fazer vela e as correntes levaram-nos até outros povos com quem confraternizámos. E voltámos a bater os pezinhos de contentes, carregados com as riquezas que eles nos ofereceram só para cá acreditarem que tínhamos lá estado e o Reino começasse a organizar a CPLP.

Acabamos por ficar com um império estranho, com o Governador na Casa do Alentejo, as roças no Jardim do Tabaco, as minas no Jardim Colonial, a capital em Alcácer do Sal e os nativos no Jardim Zoológico. Se calhar até nem tivemos império nenhum…

Mais
editoriais

Junte-se a nós todas as semanas