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Maria Kabaça homenageia a mulher minhota

Sónia Isabel de Freitas Rodrigues, 35 anos, natural de Fontão, uma freguesia em Ponte de Lima, vive há dez anos na cidade de Viana do Castelo. Amante das tradições e culturas vianenses, a artesã cedo descobriu o gosto pelas cabaças que utiliza para criar as suas peças de arte. Licenciada em Educação Social e pós-graduada em Gerontologia Social, a artista confessa que foi sobretudo o contato com os idosos que a ajudou a despertar o interesse pela pintura à mão das cabaças. Assim, Sónia lançou o seu projeto Maria Kabaça.

Nascida no seio de uma família de artistas, Sónia Rodrigues garante que os Minhotos que recria, com as formas curvilíneas das cabaças, pretendem enaltecer as bordadeiras da época com os seus trajes típicos e ruralidade.

Há cerca de duas semanas, a artista encontrou em Valença um espaço para divulgar a sua arte. A Pousada de São Teotónio, localizada na fortaleza da cidade, tem diversas peças de Maria kabaça em exposição e para venda.

Amante da pintura, escultura e decoração Sónia Rodrigues gostaria de ver o seu projeto Maria Kabaça expandir-se de Norte a Sul do país, para levar além Minho as nossas tradições e costumes.

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Minho Digital (MD) – Sónia, quando e de que forma é que surge o seu projeto Maria Kabaça?

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Sónia Rodrigues (SR) – O projeto Maria Kabaça foi crescendo e ganhando forma com o meu percurso profissional. Desde sempre gostei de todas as formas artísticas. Costumo dizer que está no sangue: o meu irmão é músico, a minha mãe tem mãos de fada para costuras e o meu pai, agora reformado, executa peças artísticas em ferro. Daí inicialmente o projeto chamar-se Amarte (uma junção das palavras amor e arte).

Licenciei-me na Escola de Educação do Porto e comecei a trabalhar com crianças. Com elas implementei um projeto de educação pela arte inspirado no Projecto MUS-E, tema também da minha tese de final de curso. Mais tarde comecei a trabalhar na formação profissional em cursos de Formação e Educação de Adultos, para além de módulos relacionados com conhecimentos da psicologia e sociais, também ministrei vários relacionados com as artes: Técnicas de animação, Artes decorativas, Animação e lazer, Decoração de espaços entre outros. No entanto, enquanto as crianças facilmente aprendem a utilizar um pincel e se deslumbram a experimentar o mundo das tintas e das cores dando asas à sua imaginação e sentidos, com adultos, em meio rural e muitos deles analfabetos, era mais difícil. O medo do fracasso, da falta de jeito, nunca terem pegado num pincel… Daí abordar técnicas de pintura em materiais muito comuns no seu  dia a dia. Pintamos em pedras, folhas de milho, garrafões e cabaças. Surgiram peças incríveis.

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Como sempre gostei de artesanato, de folclore, de bordados e de tudo o que é nosso, comecei a pintar Minhotos para familiares e amigos. As pessoas viam, gostavam e começaram a encomendar.

MD – “Maria Kabaça”, porquê a escolha deste nome? A Sónia também retrata o homem Vianense!

SR – Como referi inicialmente, este projeto acompanha a minha vida profissional e com ela faz sentido. Conciliando com a formação profissional comecei a trabalhar num lar de idosos. Lá vivem muitas senhoras que foram bordadeiras, uma profissão que permitia às raparigas do campo ganhar algum dinheiro num tempo onde não existiam trabalhos renumerados para mulheres e muitos dos homens estavam emigrados. As raparigas que eram solteiras e de famílias com pouco dinheiro, juntavam esses dinheiros para comprar ouro, e ficarem mais vistosas, algumas na esperança de arranjar marido. As casadas governavam a casa e criavam os filhos. Daí Maria Kabaça, dado o formato curvilíneo da cabaça, de ventre arredondado, dada a ruralidade e tradições dos trajes que lhes são pintados, serem um tributo a todas estas Marias que ainda existem nas nossas aldeias.

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MD –Decidiu utilizar cabaças para as suas peças de artesanato. Escolheu as cabaças por ser um material fácil de manusear, seralgo inovador ou por realçar as curvas do corpo da mulher Vianense? 

SR – Depressa me agradou os diferentes formatos, a textura, a grande durabilidade deste material e o seu sentido rural de utilidade, agora em desuso. Estas foram as primeiras “garrafas” por isso também elas estão muito ligadas ao campo.

MD –A Sónia é uma amante pura da tradição vianense. Sendo natural de Ponte de Lima nunca ponderou recriar, por exemplo, a lenda do esquecimento do rio Lima? O que a levou a apostar na tradição vianense?

SR – A Câmara Municipal de Ponte de Lima faz um exemplar trabalho na recordação de manter viva essa lenda. Costumo dizer que tenho a grande sorte de ter nascido numa aldeia da Vila mais antiga de Portugal e que muito honra a sua identidade, ruralidade e tradições das suas gentes. Agora vivo na cidade mais minhota do pais tão conhecida pelos seus bordados e filigrana.

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O meu projeto quer sobretudo lembrar as tradições e homenagear mulheres minhotas e aqui cabem as de todas as aldeias de Ponte de Lima e de Viana do Castelo. Pretendo retratar aquelas mulheres que, dada a dificuldade da vida, confiavam a Deus a sua sorte e dos seus, criavam os filhos, cuidavam do gado e dos campos e dos seus mais velhos.

 

MD –A Sónia tem as suas obras expostas em diversos espaços em Viana do Castelo e não só. Consegue viver deste projeto?

SR – Neste momento já são vários os espaços de exposição e venda. Em Viana do Castelo tenho O Museu do Traje, a Casa de Bordados Sandra, a mais antiga casa de bordados de Viana do Castelo, e A Casa de Turismo de Habitação Manuel Espergueira e Oliveira, onde irei ter uma exposição em Março do próximo ano. Em Esposende, as minhas peças estão na Quinta da Malafaia. Em Valença, as obras encontram-se na Pousada de S. Teotónio e, por fim, em Vila Verde, no Torre de Gomariz Wine e Spa Hotel.

Eu gosto muito do que faço mas gosto também muito de trabalhar com idosos e com eles tenho aprendido imenso, por isso reorganizei a minha vida de forma a ter tempo para ambas as paixões. Se a paixão é o que dá sentido à vida, vivo a fazer o que gosto e isso é o mais importante e com um valor sem medida.

MD –Conta com a parceria de mais alguém neste projeto ou é inteiramente da sua responsabilidade?

SR – Conto com a ajuda imprescindível do meu marido e companheiro de vida, que tem uma mão certeira e minúcia artística. A minha mãe ajuda-me na confeção dos chapéus e o meu pai é o criador dos lindos corações de Viana em ferro, desenhados por ele e todos únicos para expor as minhas peças.

MD –As figuras que recria nas cabaças vão desde os trajes aos bordados de Viana do Castelo. Tudo pintado à mão por si. Quanto tempo, em média, necessita para recriar uma cabaça por exemplo do traje de Viana?

SR – Seguramente umas dez horas.

MD –A cabaça é uma planta que precisa de algum tratamento para se transformar numa peça de artesanato. Conte-nos como se processa cada fase.

SR – Há o tratamento da cabaça para não ganhar caruncho nem apodrecer, o primário, o desenho do traje, a pintura das partes maiores, o desenho dos bordados e do rosto com pinceis mais finos, a colagem dos pormenores, tipo um lenço, chapéus ou os sapatos filigrana. Sendo que entre cada camada de tinta existe um tempo de espera.

A maior dificuldade está em arranjar a matéria prima: como já não têm grande utilidade e não são comestíveis, estas cabaças são cada vez mais raras e depois do fruto maduro demora cerca de dois anos a secar para estar em condições de ser trabalhado.

MD –Tem alguma formação na arte de embelezamento ou na pintura à mão ou é uma auto-didata?

SR – Como mencionei anteriormente sempre me cativou a pintura, a escultura a decoração. Por isso fui aperfeiçoando algum jeito que tinha com aprendizagem de técnicas de pintura e artísticas em workshops e formações.

MD –As peças que faz são decorativas. A cabaça é vitalícia ou tende a deteriorar-se? É uma peça que pode partir com facilidade?

SR – O segredo da sua durabilidade está na secagem correta, não ter nenhum furo, fazer-se o tratamento devido e nas tintas e vernizes utilizados. No entanto como qualquer peça pintada à mão tem que ter certos cuidados: não convém estar exposta a humidades nem ao sol pois estes elementos deterioram a tinta. São peças ocas e por isso podem partir. Aparte disso duram uma eternidade.

MD –  Quais os modelos mais pedidos pelos seus clientes?

SR –  Pedem muito o casal minhoto com fato vermelho e o Presépio Minhoto. Como também personalizo as peças as encomendas são de pessoas que apreciam o artesanato e sobretudo são para oferecer.

 

MD –Que tipo de cliente é o da Maria Kabaça? Jovem, adulto, idoso, com ou sem formação, classe média ou alta?

SR – Tenho de todo o tipo de cliente: várias idades, vários estratos sociais, com muita ou pouca formação, portugueses, imigrantes e turistas. Vendo muito para o Brasil e para França. São sobretudo apaixonados pelas tradições minhotas.

MD –Para elucidar um pouco os nossos leitores, uma cabaça preparada e pintada à mão  por si pode variar entre que valores?

SR –  Apesar de ter muitos pormenores e demorar muitas horas a fazer cada peça quero que elas sejam acessíveis ao bolso de todos, por isso o preço varia entre os 25 e 150 euros.

MD –Tem alguma criação especial em mente dedicada à época natalícia que se avizinha?

SR – Sim, tenho o Presépio Dourado alusivo ao ouro de Viana e o Presépio Minhoto.

MD –Há dias a sua obra chegou a Valença, à pousada de S.Teotónio. Como surgiu esta oportunidade?

SR – Marquei uma reunião com o diretor da Pousada para lhe explicar o projeto e mostrar as peças, e ele adorou! Achou que se enquadrava na decoração, requinte e qualidade do espaço, com tudo o que oferece a Pousada de S.Teotónio em Valença. Por isso seria uma recordação significativa para os seus hóspedes adquirirem e uma bela recordação minhota.

MD –Sente que o seu trabalho tem visibilidade fora de Viana do Castelo ou gostaria de ver as suas peças espalhadas por outros concelhos do Vale do Minho e mais além?

SR – Sim também tem visibilidade fora de Viana do Castelo e é uma forma de levar a nossa tradição e cultura além Minho.

MD – Que meios dispõe para divulgar a Maria Kabaça?

SR – Neste momento recorro muito a exposições e feiras de artesanato, a melhor forma das pessoas verem as peças ao vivo. Já fiz publicidade na revista das festas da senhora d’Ágonia. As redes sociais são também uma preciosa ajuda e uma publicidade gratuita por isso uso o facebook e o instagram. Tenho também uma página na internet (http://sifr91.wixsite.com/mariakabaca-pt)

MD –Como gostaria de ver o seu projeto daqui a cinco anos?

SR – Que o nome Maria Kabaça seja um belo representante da nossa tradição e cultura e associado às nossas bordadeiras. Gostaria de ver aumentar os postos de venda de norte a sul do país, incluindo nos aeroportos.

 

 

 

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