Editorial

A moda dos carros elétricos
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Duarte Alves

Duarte Alves

Docente no IPVC

 

Um artigo recentemente publicado no jornal Público, “Carros eléctricos compensam o CO2 da bateria ao fim de um ano”, do jornalista Vitor Ferreira, apresenta um estudo que vem renovar o estatuto de amigo do ambiente do carro 100% elétrico e aliciar a sua compra como a opção mais sustentável e benéfica para o combate às alterações climáticas. O assunto é complexo, emocional e o intervalo entre causas e efeitos é demasiado longo.

O impacto ambiental da humanidade tem por base a economia global cujo lema é a taxa de crescimento positiva e uma das suas estratégias é o marketing, a indução do impulso de satisfazer uma necessidade que anteriormente estava apenas latente, o estímulo do consumismo, a inesgotável e inatingível satisfação do desejo e dos sonhos. O sonho de qualquer estratégia de marketing é a criação de uma moda, do consumo em massa de determinado produto, para crescimento de determinadas empresas, mas também para que outras empresas entrem em decadência e desapareçam ou sejam absorvidas, gerando megaempresas e facilitando o controlo de mercados.

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Basta constatar a quantidade de anúncios publicitários para intuir que os produtores de automóveis são jogadores de topo neste processo. Porquê comprar um telemóvel novo de 500€ se se pode comprar outro com as mesmas funcionalidades por 50€? Porquê comprar um carro potente de 150mil€ quando podemos comprar um económico por 15mil€? Porquê optar pelo luxo em vez da versão económica? Porquê a demonstração exterior de riqueza? Porque assim é a natureza humana e assim o explicou de forma globalmente aceite o psicólogo norte americano Abraham Maslow.

Num cenário normal, e expectável, o desenvolvimento da economia global manter-se-á normal (business as usual) e as necessidades de conforto/luxo no automóvel do consumidor geral não se irão alterar profundamente, assim como a intensidade de utilização mais comum: um utilizador, um automóvel. O cenário alternativo seria a redução drástica da utilização do automóvel particular, a utilização massiva dos transportes públicos e de transportes ecológicos, vulgo bicicleta 100% mecânica, mas este cenário sabemos que não é viável nas próximas décadas, pelo menos enquanto a economia global do mercado automóvel e afins, não beneficiar desse cenário.

Considerando este cenário normal de desenvolvimento sustentável, diminuindo o número de variáveis e reduzindo a complexidade do assunto e relembrando que se discute essencialmente o mercado automóvel particular que não abrange o maior impacto dos restantes transportes: aéreo, marítimo e terrestre (camiões, autocarros e comboios), segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, International Energy Agency), a previsão para a percentagem total de carros elétricos em 2030 atingirá os 15% do mercado global (em 2018, este valor era apenas de 0,6%), cerca de 50 milhões de automóveis elétricos. Uma quota de mercado considerável! Esta quota será resultado do bom senso e informação dos consumidores? Será resultado das políticas ambientais de cada país (a China detém mais de 50% da quota do mercado de carros elétricos)? Será da estratégia de marketing dos produtores de automóvel? Será que o ambiente irá reagir favoravelmente a tempo?… Como se disse, o assunto é complexo e não existem respostas únicas e assertivas.

O artigo anteriormente referido aponta para limitações no estudo, nomeadamente quanto à não inclusão de alternativas (carros a hidrogénio ou biocombustíveis) e sobretudo quanto ao destino das baterias elétricas depois de usadas, fator este com inegável impacto a longo prazo. Numa primeira fase iremos apenas substituir as baterias “gastas” do carro e, numa segunda fase, iremos substituir o carro antes das baterias ficarem “gastas” como fazemos com o telemóvel?…

A poluição e as emissões de CO2 estão diretamente indexadas ao desenvolvimento de cada país, ou seja, quanto maior é a economia do país maior é o seu impacto ambiental, o que pode ser verificado pela sua intensidade energética (rácio entre o consumo total de energia e o Produto interno bruto, kWh/€), assim como o nível de emissões de CO2 está diretamente indexado ao consumo total de energia através da sua intensidade carbónica (rácio entre as emissões de CO2 e o consumo total de energia, kgCO2/kWh). Os principais fatores que podem influenciar estes rácios são a produtividade da economia (produzir mais riqueza com menos energia) ou utilizar energia menos poluente (menos combustíveis fósseis e mais energias renováveis). Em resumo, quanto maior é a produção de riqueza, maior é o impacto ambiental, quanto mais dinheiro se gasta, maiores são as emissões nocivas (maior consumismo, maior poluição), daí a importância e necessidade de evoluir para uma economia mais eficiente e mais verde.

Infelizmente, antes de investir no desenvolvimento de tecnologias inovadoras de baterias que evitem a mineração intensiva em regiões distantes do planeta, antes de investir no desenvolvimento de carros a hidrogénio e na eficiência dos combustíveis e veículos, antes de investir fortemente no desenvolvimento dos transportes públicos e na utilização de energias renováveis, as leis de mercado da economia capitalista ditam as regras e o comportamento do consumidor que se sente moralmente satisfeito ao usufruir de uma solução cara, mas amiga do ambiente, pelo menos do ambiente local de utilização.

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