Editorial

Não há Remédio… Adoramos ver as Desgraças dos Desgraçados
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Joaquim Letria

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Joaquim Letria

Professor Universitário

Já terão reparado que grande parte dos programas de televisão que as principais estações nos oferecem é patrocinada por medicamentos alternativos. Em vez de sustentarmos a ERC, reguladora da comunicação social, devíamos antes ver os nossos impostos ainda mais utilizados no INFARMED, organismo que regulamenta os medicamentos.

Não há programa que não seja pago pelo Calcitrin ou pelo Mangostão com suplemento de Aloa Vera, ou outros produtos que geralmente nos são vendidos pelos apresentadores cheios de respeito e veneração por um senhor com ar de primeiro-ministro que, numa rubrica de cerca de dez minutos, enaltece as propriedades daqueles medicamentos alternativos, restando aos titulares do programa elogiar a generosidade das marcas que se nós comprarmos duas garrafas recebemos três e não pagamos os portes. E, claro, recomendar que telefonemos já de seguida para um certo número de telefone.

É evidente que o público alvo – ou target como dizem os marketeiros – destes produtos é a terceira idade, pobre e desamparada, que passa a tarde divertidíssima com as misérias dos outros que enchem os programas com tristes gabarolices tipo o meu cancro é mais bonito do que a tua leucemia, ou histórias de sucesso do género quando o meu pai morreu apareceu o glaucoma no meu filho, mas é uma história de sucesso pois vencemos essa batalha. Um grande nicho de mercado, não tenham dúvidas…

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Mas além deste massacre diário (liguem o televisor e comprovem) as estações dão-se ao respeito dando voz aos médicos da medicina convencional em supostos programas de debates onde assassinam os praticantes de medicinas alternativas. Mas para além daquelas impúdicas disputas de clientelas, o que fica por fazer é regular os alternativos.

A gente sabe que há médicos incompetentes nos centros de saúde e nos hospitais. Mas a verdade é que os médicos trabalharam muito para o ser e podem ser avaliados por pares e mestres, por mais corporativos que todos possam ser. Então e os alternativos? Quais os critérios, o valor das escolas, a realidade dos diplomas, o saber dos mestres e a sua prática?! Aí reside o busílis do problema. Os médicos também nos dizem para não nos automedicarmos. Mas todos nós fazemos isso. Não será isto também recorrer à medicina alternativa!?

Enfim, estes programas não têm fim. E a culpa só é em parte das televisões. Porque nós, o respeitável público, que constituímos as audiências que sustentam a fugitiva publicidade, temos a nossa quota – parte de culpa, porque adoramos ver as vítimas a queixarem-se como foram vítimas e os desgraçados a lamentarem-se como se desgraçaram.

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