Editorial

Narcotráfico, empreendedorismo, Dom Pérignon e glamour
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Manso Preto

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Há mais de um ano, em águas internacionais, foi apreendido pelas autoridades espanholas e em colaboração com a PJ, um barco registado em Vigo com mais de 20 toneladas de haxixe.

Não posso crer em tamanha maldade!

Eu explico-me …

A bordo vinham tripulantes portugueses, naturais e residentes em Seixas, Caminha, Moledo e Vila Praia de Âncora. O capo da rede, como é normal nestas situações, bem poderia ter alegado na véspera um súbito enjoo pelo mar e fica em terra onde tudo controla. No caso, a espiritualidade ia a tal ponto que até telefonava à mãe para que esta fosse a um bruxo, crente que desse modo sui generis tudo correria bem! Consta nas escutas, pese embora tudo possa parecer um trailer como o que já foi filmado em terras do Alto Minho e passou pelas televisões portuguesas e espanholas.

José Manuel Alonso dos Santos, ‘Viriato’, natural de Caminha, casado com uma galega de A Guarda onde adquiriu dupla nacionalidade, seria reincidente e em segundas núpcias enlevou-se de amores, conhecimentos e influências por uma marroquina. ‘Recuado’ em terra no norte de África, acabaria por ser extraditado para Portugal.

A maior parte destes dinâmicos e incompreendidos homens de negócios, com antecedentes pelas mesmas actividades prazenteiras, com excepção para um jovem de Moledo que, valha a verdade e ao que apurei junto de fontes insuspeitas, foi levado ao engano dado que pensava ir participar em mais uma jornada de pesca que, por ser longa, ser-lhe-ia devidamente recompensada. No entanto, só em alto-mar, no transbordo da mercadoria, é que ele se terá apercebido que os cardumes vêm das águas profundas e não passam de barco em barco… Tivesse ele resistido e, certamente, o seu corpo nunca mais apareceria!

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Mas não é isso que me leva a escrever e manifestar a minha ternura por esta estirpe de minhotos, embora aqui fique o aviso para os menos incautos.

O que me parece surpreendente é que, após uns meses em que estiveram presos, primeiro em Espanha e depois em Portugal, aqui um juiz a todos colocou generosamente com pulseira electrónica no remanso dos seus lares. De nada valeram os antecedentes por tão voluntariosas acções, nem o apregoado alarme social que faz parte do léxico das acusações, com a agravante de ser uma das maiores apreensões de droga de sempre. Aliás, o próprio ‘Viriato’, numa outra condenação pelo mesmo ramo comercial, aproveitou uma saída precária de Paços de Ferreira e nunca mais regressou, escondendo-se em A Guarda, Galiza. Também isso foi doutamente ignorado…

Por mim, condescendo que a empatia que eventualmente a todos envolveu (acusados e julgadores) naquela fase processual de inquérito em que foram constituídos arguidos, na hora de tão magnânima decisão de serem acautelados outros interesses (perigo de fuga, continuação de actividade, destruição de eventuais outras provas, etc.), a medida de os colocar na rua foi mais que justa e apropriada, não fossem os fervorosos empreendedores do narcotráfico ficar traumatizados e injustiçados pela privação das suas liberdades…

Parece-me louvável a atitude, caridosa, nobre e altruísta, até porque dois deles perderam alguns dedinhos numa explosão quando, vendo-se perseguidos no mar pela polícia, tentaram queimar com gasóleo a matéria-prima para não haver provas.

E mais comovido eu fico por saber que eles, agora nas suas alegres e aconchegadas casinhas, mesmo com pulseiras electrónicas, lhes é permitido, e sempre com autorização da entidade oficial, ir até ao café rever os seus amigos, comer umas tapas, arrotar alarvemente e beber uns copos para ajudar a esquecer os seus incontinentes actos, nem que seja à custa de uma overdose alcoólica. Podem ainda – e têm aproveitado, claro – levar a sua mulher a um bom restaurante, apreciar uma farta mariscada ‘regada’ com uma Barca Velha da reserva de 1965, erguer as taças e brindar no final com uma Dom Pérignon, deixarem um rasto perfumado e de glamour por aqueles com quem se cruzem e que, quais malvados e invejosos, não conseguem interiorizar tão peculiar bonomia e contagiante sentido humanitário pela decisão judicial.

Só me estranha, no meio disto tudo, que nenhuma associação ou confederação empresarial – ao contrário do que há anos ocorreu em Barcelos – não tenha promovido uma homenagem pelo impulso e incrementação comercial dados por estes honoráveis cidadãos, tão empenhados em patrioticamente contribuir para a diminuição da dívida externa deste país que querem servir num exemplar, didático e louvável apego patriótico.

E isso é imperdoável! Mas, cá para mim, ainda se vai a tempo de tal reconhecimento público, não só perante a sociedade, como por todo o tecido empresarial e político.

Vamos nessa?

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