Uma das figuras mais populares e queridas de Monção, com 75 anos, Fortunate José Ferreira Ferreira, nasceu e viveu sempre nesta vila minhota. Os primeiros 40 anos da sua vida foram na rua Sá da Bandeira e, mais tarde já casado, em São Pedro.
Inicialmente era carteiro, mas devido a um derrame cerebral do seu pai, viu-se obrigado a assumir a sapataria da família, muito próspera.
«Antigamente trabalhava-se muito», contou-nos o Sr. Nato como é mais conhecido pelos monçanenses, «Botas para trabalho, botas para a Guarda e sapatos, isto no tempo do meu pai, tudo era feito manualmente. Um par de sapatos demorava um dia inteiro a fazer e não era qualquer um que podia pagar 10 escudos. Eu já não trabalhei da mesma maneira», contou-nos o antigo sapateiro. «Na minha altura mandava-se vir o sapato feito só com a pele, depois como tínhamos forma acabávamos o trabalho e palmilhávamos apenas o calçado».
PUBCom a chegada da cola o trabalho era muito mais fácil de fazer, pois ‘apenas’ levava duas horas.
E acrescenta que «agora só se fazem remendos , colocar capinhas, meias solas, e é tudo feito à máquina. Neste momento já estou reformado, mas quando aparece alguém com uma deficiência que precisa de um dos sapatos mais alto do que o outro, não me importo de ficar meio dia a fazer isso. Chego ao fim e levou-lhe o mesmo preço que outro trabalho qualquer, porque vejo que de facto a pessoa precisa, é uma necessidade» confessou ao Minho Digital.
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Com já 100 anos de existência a Sapataria Nato é procurada com frequência pelos habitantes da vila. «Sou autodidata», revelou com orgulho o Sr. Nato para logo dizer que «o meu pai não teve tempo para me ensinar. A única coisa que eu fazia de miúdo era levar os sapatos à casa dos fregueses. Como tudo na vida, com um bocado de tempo aprende-se. Por exemplo, eu nunca pensei que agora na minha terceira idade saberia trabalhar num computador e até sou viciado no facebook».
Quando questionado acerca de outras actividades descobrimos que ‘Nato’ Ferreira sempre esteve ligado à cultura. Trabalhou para o então ‘Notícias de Monção’ e colaborava com o jornal ‘O Jogo’, entre muitas outras coisas.
«Tive a oportunidade de conhecer os presidentes de todos os clubes de futebol de Portugal e das ilhas. Qualquer revista que estava no Monumental em Lisboa vinha a Monção» disse o nosso entrevistado, recordando com orgulho e saudade.
PUBMas a verdadeira vocação desta singular personagem acabou por surgir de forma inesperada. «Tive a felicidade de estar 20 anos ao serviço do cinema João Verde. Recordo-me perfeitamente como eram as antigas instalações, mas confesso que gosto muito das novas. Fiquei encantado, há 15 dias quando vi uma comédia feita por um conterrâneo, natural de Pias, com o título “Uma bomba chamada Itelvina”. A obra foi feita toda por profissionais de Gondomar, Porto».
A paixão pelo Teatro
O Cine Teatro João Verde foi a sua grande paixão. Inaugurado em 11 de Junho de 1949, foi encerrado pelos proprietários a 31 de Dezembro de 1986, tendo ficado ao abandono. Posteriormente, foi adquirido pela Câmara de Monção por 350 mil euros em 1998 e, após obras de reabilitação que custaram mais de 2,5 milhões de euros, foi inaugurado como Teatro Municipal em 25 de Abrilde 2013.
O espaço mantém a traça original e conta com uma lotação de 3000 pessoas. Além de projecções de filmes comerciais, concertos e apresentações de peças de teatro, a Câmara prevê realizar nas instalações seminários , colóquios, encontros e exposições. O nosso entrevistado, pode dizer-se, ‘tem memória de elefante’.
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Conhecia os melhores artistas da altura. «Veja lá», recordou ao Minho Digital, que «convivi com artistas do calibre de Raul Sonado, Camilo de Oliveira, entre outros, e guardo gratas recordações do tempo que convivi com eles».
Não foi o dinheiro que moveu o nosso entrevistado, nem a procura pela notoriedade. «Posso dizer que fiz tudo por amor a Monção e olhe que não foi pouco. Tem sido muita gente galardoada e não acredito que fizeram mais do que eu», confessa-nos com alguma mágoa.
O ‘Sr. Nato’ fez parte de várias direcções, entre elas a dos Bombeiros Voluntários; foi ainda director do Desportivo de Monção e presidente da Assembleia Geral do Grêmio do Comércio, entre outras actividades.
Como homem ligado à cultura, Fortunato Fereira considera que Monção faz o máximo para promover qualquer tipo de iniciativa cultural, apesar das dificuldades.
«Acho que tentam fazer o melhor possível dada as circunstâncias. Sim, porque a cultura tem um preço e não é nada barato», asseverou o nosso entrevistado. «Existem muitas associações; só ranchos são 9 ou 10; campos de futebol são 3 e esquipas 4. Imagine! E é a Câmara que financia tudo!…»
Para finalizar, contou-nos que ao longo do tempo foi escrevendo a sua vida, «quem sabe, talvez venha um dia a publicar um livro!»
As expectativas estão criadas e ficamos com entusiasmo a aguardar um livro de memórias deste monçanense tão querido pelo povo local.