Editorial

NEM SEI COMO FALAR DISTO
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Zita Leal

Zita Leal

Professora

(Aposentada)

            

Nasci em berço de linhas e dedais, enfeitada com laçarotes e folhinhos, sopas de leite daquele antigo que a leiteira vinha trazer à porta, mas nunca fui rica, e uma rica menina ainda menos já que o mau feitio veio sempre de longe como o Constantino. Mas brinquei, namorei, estudei e tirei um curso ( uma enxada  como se dizia ).

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

 

Arranjei de imediato um lugar de professora ao pé da porta e o vencimento certinho no fim do mês ajudou-me a levar a vida sem necessidade de vender o corpo numa vida chamada de fácil e que eu considero difícil. Boa sorte não ter tido essa má sorte. Outras, tantas,… não a tiveram.

 

Já trintona, a caminho do trabalho, mais novas ou mais velhas do que eu, passavam na berma da estrada da mata, mini-saia curtinha a fazer adivinhar coxas apetitosas, camisolinhas justas e decotadas e eu tinha dó daquelas meninas-mulher. Imaginava-me naquele triste fado, deitada em cama de agulhas de pinheiro que mesmo por baixo da manta me picariam as costas, sem água para me limpar convenientemente, a levar umas chapadonas valentes quando me recusasse a fazer coisas que não gostasse e angustiava-me sempre.

 

Já em casa, na manta macia do meu sofá, engendrava soluções a propôr aos governantes de modo a acabar com aquelas condições aviltantes: casas destinadas à prática de prostituição com cuidados médicos garantidos, livres de “ Marias Machadões “ a explorar negócios de compra e venda, garantias sanitárias, segurança social, etc, etc. Mulheres a vender o seu trabalho como numa empresa, numa fábrica, num escritório. Soluções possíveis ou menos possíveis que me atormentavam o sono e não me levavam a lado nenhum.

 

Por falta de emprego, por falta de dinheiro, por falta de auto-estima, por todas as razões imaginárias, aquelas mulheres trabalhavam nas piores condições. E eu instalada no meu trabalho bem visto na sociedade, nada podia fazer para as aliviar daquelas humilhações nas matas, nas traseiras de carrinhas, de camiões… Má sorte serem prostitutas!

 

Com estes confinamentos necessários, pergunto-me:  E agora, onde é que estas mulheres vão buscar o dinheiro necessário para sobreviver?

 

Os homens devem escassear na sua procura por medo de contágio, a família não contará com aquele pouco dinheiro ganho à custa da dignidade feminina, mas que lhes matava a fome, e agora?

 

Se estivessem abrangidas pela Segurança Social, a situação não seria tão aflitiva, mas assim…

 

Costuma-se dizer que até para ser cão é preciso ter sorte e eu acrescento “ até para ser prostituta é preciso ter sorte “.

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