Editorial

NEM TUDO É CINZENTO
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Dina Ferreira

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Dina Matos Ferreira

Consultora e Professora Universitária

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As distrações de muitas décadas no pós-guerra fria fizeram-nos crer, ao Ocidente, que se estava a operar uma convergência mundial ao nível dos valores, sob a batuta do mercado, seguindo a máxima: vamos negociar que havemos de entender-nos.

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O mercado, efetivamente, já deu mostras mais do que suficientes da capacidade (inigualável) de aproximar pessoas, povos e nações, fazendo sentar-se à mesma mesa, para confraternizar, quem nunca o faria se não fosse pela via negocial, da troca de vantagens. Sabemo-lo nós, portugueses, talvez há mais tempo do que qualquer outro, pois conseguimos há mais de cinco séculos a proeza de comunicar com indígenas sem nenhuma base de linguagem comum a não ser a vontade de trocar.

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Mas não, o mercado não basta. Apanhou-nos de surpresa (somos efetivamente ingénuos e isso não é uma virtude) esta guerra, que mostra claramente o quão distraídos estivemos cedendo pontos (e soberania) a parceiros, que pensávamos, assim, cativar para o nosso jogo.

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E cativámos, efetivamente. Fomos cedendo peças e, por essa mesma via negocial (tão simpáticos), cedemos as torres, os cavalos, os bispos (em sentido figurado e real) até ficarmos só com peões.

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Tão ingénuos somos que, assim como começámos a personalizar os animais atribuindo-lhes sentimentos humanos, também começámos a idealizar as autocracias como regimes em aproximação, por acharmos que o mundo vai todo a uma só velocidade, numa míope (e tão crédula) perceção unilateral, de quem viu sempre o mapa com a Europa ao centro.

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E agora assistimos a instituições atarantadas e levantando-se a custo da grande queda da surpresa, ainda tentando a adaptar-se a um interlocutor que afinal não é exatamente o que imaginava e relendo a realidade com óculos a três dimensões, procurando não se assustar ainda mais: Euro-Ásia, África, Médio Oriente, Extremo Oriente, Ásia, América Latina.

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Afinal, somos poucos aqueles que nos damos bem vivendo em democracia e em liberdade. O que torna tão desconfortável o momento presente (para além, obviamente, do horror da guerra ela mesma) é a súbita perceção de que o que temos não é adquirido, antes tem de ser conquistado e tem de ser mantido, não com conversas de desmilitarização, mas com reforços de defesa.

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Como uns meninos de coro, damos connosco a estranhar como é possível manterem-se regimes à força da mentira, da desinformação, da falta de escrúpulos, da bizarria de uma vida humana não valer exatamente o mesmo independentemente do sítio onde nos encontremos.

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Sim, as sociedades fechadas é nisto que dão, todas elas: em regimes opressivos acenando ambições e vitórias gloriosas e matando os seus filhos. Todas elas, todas as sociedades fechadas fazem o mesmo: desde as famílias, passando pelas instituições, às religiões e aos países.

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Mas enquanto os “iluminados” gastam as suas energias em controlos internos esquecem-se, ou não querem ver, o que se passa lá fora, onde toda uma vida colaborativa e dispersa emerge, riquíssima, produzindo novas sínteses.

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Esta plêiade relacional, capilar e sinérgica é o maior trunfo da liberdade, não captável pelos altivos “iluminados” que sempre desprezarão as virtudes horizontais da mediania, entre as quais a compaixão, a proximidade. Nunca as deixemos para trás, nelas reside a nossa esperança. 

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