“O Brasil é um dos países onde as empresas portuguesas mais investem”, disse João Rui Ferreira, Secretário de Estado da Economia

“O Brasil assume uma relevância estratégica fundamental em diversos eixos da política externa portuguesa, nomeadamente o espaço transatlântico, a lusofonia, as comunidades portuguesas (a maior da América Latina e uma das maiores da nossa diáspora), a internacionalização da economia e o multilateralismo”. É desta forma que João Rui Ferreira, Secretário de Estado da Economia de Portugal, avalia as relações económicas entre Portugal e o Brasil.

Este responsável avança ainda que os principais setores da economia portuguesa que têm beneficiado das relações comerciais com o Brasil são “o agrícola e alimentar, a aviação e o turismo”. No caminho contrário, os produtos mais exportados de Portugal para o Brasil, em 2023, são “o azeite, os vinhos, os peixes congelados, as maçãs, peras e marmelos frescos, os filetes de peixes e outra carne de peixes”.

Este governante, licenciado em Engenharia Química, com pós-graduação em Métodos Quantitativos em Gestão e com experiência em Programa avançado de Gestão, explica que os maiores desafios que as empresas portuguesas enfrentam ao operar no mercado brasileiro são “a coexistência de legislação federal, estadual e municipal; a carga fiscal; ou a legislação laboral”. Quanto ao nível da exportação de produtos alimentares, frisa ser importante haver um “acordo de habilitação necessário para poder exportar produtos de origem animal e produtos vegetais”, o que se traduz num “processo moroso e complexo”.

Em entrevista à nossa reportagem, este antigo Secretário-geral da APCOR – Associação Portuguesa da Cortiça e presidente da Confederação Europeia da Cortiça, reiterou que existem em Portugal novas oportunidades e vantagens competitivas nas áreas de start-ups e IA, além de defender que “as remessas de emigrantes têm uma forte influência na economia portuguesa, sendo superiores às remessas de imigrantes”.

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As relações económicas entre o Brasil e Portugal têm uma longa história. Como avalia o cenário atualmente?

Portugal e o Brasil têm fortes laços históricos e culturais e ambos os países partilham um relacionamento único enquadrado pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta que foi assinado em 2000. O Brasil assume uma relevância estratégica fundamental em diversos eixos da política externa portuguesa, nomeadamente o espaço transatlântico, a lusofonia, as comunidades portuguesas (a maior da América Latina e uma das maiores da nossa diáspora), a internacionalização da economia e o multilateralismo. Ao longo dos anos, as relações bilaterais têm sido aprofundadas no plano político-diplomático em diversas áreas, desde a economia à cultura, ciência, tecnologia, comunicações, saúde, energia, ambiente e setor agroalimentar, e ainda em matérias de defesa, segurança e justiça. Mas é importante continuar a promover a diversificação do comércio para produtos de maior cariz tecnológico e valor acrescentado, apostando em indústrias como a do automóvel, moldes, ou máquinas e equipamentos. Portugal mantém uma balança de bens e serviços deficitária com o Brasil. No que respeita ao comércio de bens, em 2023, o Brasil posicionou-se como 12º cliente de Portugal e 7º fornecedor.

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Quais são os principais setores da economia portuguesa que têm beneficiado das relações comerciais com o Brasil, e quais os desafios que as empresas portuguesas enfrentam ao operar no mercado brasileiro?

Os principais setores são o agrícola e alimentar, a aviação e turismo. Entre os produtos mais exportados para o Brasil, em 2023, encontram-se o azeite, os vinhos, os peixes congelados, as maçãs, peras e marmelos frescos, os filetes de peixes e outra carne de peixes. Em termos de empresas exportadoras de bens para o Brasil, o INE contabilizou 1.573 em 2022, verificando-se um aumento de 5% face a 2018. Os agentes económicos brasileiros têm vindo também a manifestar apetência para investir no setor imobiliário, assim como no setor produtivo e no comércio. Em breve irá abrir em Lisboa o escritório da APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento), sinal da importância conferida a Portugal pelas autoridades e pelos agentes económicos brasileiros. O setor tecnológico surge como uma grande janela de oportunidade para aprofundar os fluxos de investimento bilateral e é cada vez maior a presença de start-ups e empresas brasileiras de cariz tecnológico em Portugal. A Web Summit tem tido um papel fulcral, sendo o Brasil o terceiro país com maior participação neste certame. Também a “Web Summit” realizada, já por duas vezes, no Rio de Janeiro, abriu a porta a empresas tecnológicas portuguesas com vista à entrada no mercado brasileiro e a última edição contou com a participação de 31 start-ups portuguesas. Releva-se ainda a importância do Brasil enquanto mercado emissor de turistas para Portugal. Entre os maiores desafios que as empresas portuguesas enfrentam ao operar no mercado brasileiro, destacam-se o quadro legal complexo – devido à coexistência de legislação federal, estadual e municipal –, a carga fiscal – forte e complexa, com impostos federais, impostos estaduais e impostos municipais – ou a legislação laboral – referenciada como extensa e pouco flexível. Já ao nível da exportação de produtos alimentares, o acordo de habilitação necessário para poder exportar produtos de origem animal e produtos vegetais traduz-se num processo moroso e complexo.

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Que medidas tem o governo português adotado para atrair investidores de países como o Brasil, e que setores específicos têm sido apontados como de maior interesse para estes investidores?

A atração de investimento brasileiro para o nosso país tem sido trabalhada pelas autoridades portuguesas com diversas visitas realizadas ao Brasil e recebidas em Portugal. A par do importante trabalho realizado pela AICEP, quer em Portugal, quer nas suas Delegações no Brasil, a título de atração de investimento no nosso país (atividades promocionais, fóruns empresariais, road-shows de Investimento, feiras, reuniões com stakeholders, etc). Exemplo disso foi o Fórum Empresarial, que se realizou no ano passado à margem da XIII Cimeira Luso-Brasileira. Neste fórum foram apresentadas as oportunidades de negócio e de investimento para as empresas de ambos países, com foco nos setores da energia, mobilidade, tecnologia e inovação e saúde. E foi ainda realizada uma sessão de networking entre as empresas dos dois países. Os agentes económicos brasileiros têm vindo a manifestar particular interesse em investir em Portugal, não só no setor imobiliário (associado, muitas vezes, à obtenção de autorização de residência), mas também no setor produtivo e no comércio. De destacar as novas oportunidades e vantagens competitivas nas áreas de start-ups e IA.

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Existem incentivos específicos ou programas de apoio para portugueses emigrados que pretendam regressar ao país e investir em Portugal? Se sim, que áreas mais interessam a Portugal?

Sim, o Governo tem estado a trabalhar na medida 10 do Programa ‘Acelerar a Economia’: Novo regime de atração de talento (IFICI+). Esta medida tem como objetivo a atração de talento qualificado para a economia nacional e visa incentivar o regresso e a fixação de emigrantes altamente qualificados em Portugal. A mesma consiste num incentivo fiscal à investigação científica, inovação e capital humano, por forma a abranger um conjunto alargado de profissões qualificadas e empresas. Será aplicada uma taxa de 20% sobre os rendimentos do trabalho (categorias A e B) o que potenciará o crescimento das empresas portuguesas e a captação de talento. Antes de ser promulgada, a mesma terá ainda de ser aprovada na Assembleia da República.

Como pode explicar à emigração portuguesa o atual cenário económico português? Quais os desafios e oportunidades? É seguro investir em Portugal?

Portugal tem vindo a crescer de forma consistente e tem conseguido resistir com resiliência ao enquadramento externo incerto. Para 2024, o Governo prevê um crescimento de 2% do PIB e a expetativa é a de que no próximo ano este ritmo possa ser mantido. A verificar-se, Portugal continuará a crescer acima da média da zona euro. A conjuntura internacional, e os movimentos de nearshoring e friendshoring que resultaram da pandemia de covid-19, abrem um conjunto de oportunidades muito relevantes para a economia portuguesa. Portugal é um país seguro, com recursos humanos qualificados, empresas competitivas, e um forte grau de abertura ao exterior – o que o torna um país atrativo para fazer negócio, conforme demonstra o EY Atractiveness survey, onde o país ocupa a 7ª posição. O Governo tem vindo a adotar medidas para reforçar este perfil internacionalizado da economia portuguesa – em especial através do Programa Acelerar a Economia. Este programa elenca 60 medidas fiscais e económicas através das quais se procura reforçar a escala das empresas, a capitalização e o acesso ao financiamento, o empreendedorismo, a inovação, o talento, a sustentabilidade e a clusterização. Existem vários níveis de apoio e de acolhimento aos projetos de investimento em Portugal. Vale a pena destacar o recém-criado sistema de incentivos a “Investimentos em Setores Estratégicos”, que já mereceu o aval da Comissão Europeia, e que conta com uma dotação de 1.000 milhões de euros.

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No dia 12 de setembro, esteve num evento promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, em Lisboa, onde personalidades em atuação entre Brasil e Portugal foram homenageadas. Como enxerga a relação Brasil-Portugal, do ponto de vista das relações económicas? Que dinâmicas comerciais e de investimentos existem hoje entre os dois países?

Apesar da sua dinâmica crescente, as relações económicas têm uma larga margem para se intensificar, diversificar e alargar as oportunidades e as parcerias entre as empresas portuguesas e brasileiras. Precisamos de criar maior equilíbrio no comércio bilateral, porque a balança comercial de mercadorias é tradicionalmente deficitária para Portugal. Mas os números de 2024 que já são conhecidos são encorajadores no sentido de um maior equilíbrio da balança comercial entre os dois países. No que toca ao investimento, o Brasil é um dos países onde as empresas portuguesas mais investem, sendo mesmo o principal recetor do investimento direto português na América Latina (54% do total investido). Em sentido contrário, o Brasil é o segundo maior investidor direto em Portugal, fora da UE, logo atrás do Reino Unido, e verificou-se uma tendência de crescimento em 2023. Por outro lado, Portugal tem sido um dos fortes apoiantes da assinatura e ratificação do Acordo UE-Mercosul. Este acordo assume importância estratégica, nos dois lados do Atlântico, dado o seu potencial para promover o crescimento dos fluxos de comércio e das oportunidades de investimento entre as partes. Além disso, no atual contexto de instabilidade geopolítica, este acordo poderá ser fundamental para diversificar as nossas cadeias de abastecimento, aumentar a nossa resistência a crises futuras e assegurar um crescimento mais sustentável.

Que atratividade vê o governo português no mercado brasileiro?

O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo e é um país com o qual Portugal tem laços culturais muito fortes. Isso faz do Brasil um mercado muito atrativo para a economia portuguesa, tanto ao nível do comércio de bens e serviços, como de investimento. O mercado brasileiro é particularmente relevante no conjunto da América Latina, quer pela dimensão do país quer pela disponibilidade de matérias-primas. E repesenta indiretamente um potencial enorme para Portugal – na triangulação Américas-Europa-África, já que esta é uma oportunidade para Portugal e o Brasil se poderem afirmar como parceiros estratégicos na ponte entre os três continentes. As empresas portuguesas estão presentes em vários setores de atividade da economia brasileira – aliás, o Brasil é o principal recetor do investimento direto português na América Latina, absorvendo mais de metade do total investido. O turismo, a educação, a construção e obras públicas, o agroalimentar e bebidas, os equipamentos e produtos industriais, os componentes para a indústria automóvel são disso exemplo. Mais recentemente, os segmentos da energia, ambiente, TIC (start-ups), serviços e distribuição começam a marcar novas tendências no relacionamento bilateral.

Dados recentes do Banco de Portugal mostram que as remessas dos emigrantes subiram 1,01% no primeiro semestre, para 1.989,14 milhões de euros, ao passo que as verbas enviadas pelos estrangeiros em Portugal aumentaram quase 5%, para 298,38 milhões de euros. De que forma este movimento financeiro pode auxiliar no crescimento da economia portuguesa?

As remessas representam uma importante fonte de rendimento para as famílias, potenciando o crescimento e o desenvolvimento das economias e mantendo laços com os respetivos países de origem. No caso de Portugal, os dados mostram que os emigrantes portugueses enviam regularmente remessas para as suas famílias, mantendo uma forte ligação com o país. As remessas de emigrantes têm uma forte influência na economia portuguesa, sendo superiores às remessas de imigrantes.

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