Editorial

O CAOS DAS URGÊNCIAS – PODE ACABAR?
Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues

Médico

Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

A resposta é não, se nada se fizer. Esta reflexão é um singelo contributo para a resolução desta funesta situação. 

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Os portugueses recorrem o dobro da média dos países da OCDE ao serviço de urgência hospitalar (SU). Constata-se que 40 a 50% das admissões nos SU devem-se a situações não urgentes, as quais podiam tratar-se noutro local. O que põe em risco a segurança dos doentes e dos profissionais.

Esta situação tem uma causalidade multifatorial dependente dos hospitais e centros de saúde (CS) e, ainda, dos cidadãos.

A resolução deste facto é um imperativo ético, de direitos humanos e constitucional! Ninguém deve ficar impassível perante o que habitualmente assola a sociedade portuguesa no inverno: o elevado número de doentes que recorrem aos SU.

Todos os portugueses deveriam dar o seu contributo, por mais pequeno que fosse, para que a nossa sociedade não fosse confrontada por tal drama.

Como a causalidade do fenómeno é multifatorial, a resolução passaria por várias medidas. Nesta situação têm responsabilidade os CS, os hospitais e o cidadão. Consequentemente, para a sua resolução, ou para atenuar o fenómeno, devem haver ações focadas nos CS, nos hospitais e junto do cidadão.

 

Ações nos Centros de Saúde

 

1- Deve ser criado um sistema de orientação destinado às solicitações efetuada pelo cidadão para consulta do dia. Há utentes que são observadas indevidamente nos períodos destinados à resolução da doença aguda quando poderiam sê-lo noutro período, retirando, assim, capacidade de resposta à doença aguda pelos CS;

2- As listas de utentes devem ser redimensionadas. Existem listas extensas e, por isso, os médicos de família (MF) têm dificuldade em responder aos casos de doença aguda;

3-  Os períodos de tempo para atendimento das situações de doença aguda existente nos CS devem estar dimensionados em função de dados epidemiológicos, da incidência da doença aguda e seu histórico;

4- Devem rever-se as tarefas atribuídas aos MF, uma vez que estes não tem tempo para cumprir as orientações das entidades competentes sobre o seguimento de determinadas situações clínicas. Há estudos científicos que o demonstram.

 

Ações nos Serviços Hospitalares

 

1- As consultas externas hospitalares devem ter uma consulta aberta, para que os doentes seguidos nessas consultas externas sejam tratados aquando de agudização da patologia aí seguida. Verifica-se que há muitos utentes que recorrem às consultas abertas nos CS e aos SU por situações seguidas na consulta externa hospitalar onde, se fosse possível aí recorrerem, seriam mais eficazmente tratados;

2- A demora para a primeira consulta no hospital deve respeitar os tempos exigidos para os CS. Constata-se que muitos utentes recorrem às consultas abertas nos CS e ao SU por situações que aguardam consulta externa hospitalar;

3- Criação de Hospital de Dia para determinados doentes com situações clínicas conhecidas. Quando ocorra uma agudização ou complicações da/s sua/s patologia aí serem tratados, sê-lo-ão mais eficientemente;

4- Existência nos hospitais de uma equipa a fim de cuidar do doente crónico complexo, evitando-se, assim, muitas idas ao SU e internamentos.

  

Ações nos Serviços de Urgência

1- Nos SU só deve ser feita uma observação dos doentes com problemas de saúde urgente ou emergente. Os SU existem para situações clínicas que têm de ser resolvidas em minutos ou horas, ou seja, situações urgentes ou emergentes. O que não se enquadra nestas situações deve ser orientado para os serviços adequados: CS ou consultas externas hospitalares;

2- Utentes referenciados pelo MF para o SU devem de ser observados por uma especialidade hospitalar e ter prioridade sobre os utentes com igual gravidade clínica. Deste modo, é incentivado recorrer-se primeiro ao MF.

Ações Junto do Cidadão

1- Deve ser prestada informação constante e periódica ao cidadão sobre onde deve recorrer perante uma doença aguda. O cidadão utiliza, frequente e indevidamente os serviços de saúde;

2- É necessário aumentar a capacitação do cidadão em autocuidados. Sabe-se que no passado as pessoas, as famílias, estavam mais à vontade para terem uma primeira atuação quando alguém ficava doente. Seria necessário, por exemplo, que os serviços de saúde elaborassem documentos destinados ao utente sobre a primeira abordagem em caso de doença aguda.

Creio que com estas medidas e havendo da parte dos profissionais de saúde e do cidadão uma vontade em contribuir para resolver, ou pelo menos, diminuir o fluxo de pessoas aos serviços de urgência não assistiríamos, tantas vezes, ao “caos das urgências”.

Para que qualquer serviço público funcione em pleno tem de haver educação cívica, quer dos profissionais que lá trabalham, quer do cidadão que a ele recorre. 

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