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«O escritor é um pequeno Deus» – salienta João Cerqueira

Foto de livros

 

Há pouco mais de duas semanas arrancou dois prémios internacionais, em Inglaterrra e nos Estados Unidos (ver nossa edição anterior). Um sonho de menino que se realiza aos 35 anos de idade. João Cerqueira envolvido pela extraordinária biblioteca do seu pai sonhou um dia escrever livros, apesar de algo intimidado com os grandes escritores da língua portuguesa. Fomos ao seu encontro …

A sátira e o humor são duas características deste escritor vianense, natural de Perre. Recentemente, a sua obra foi premiada naquele que é um dos galardões importantes na escrita e onde, também, a escritora sul-americana, Isabel Allende, participou.

Na sua mais recente obra, João Cerqueira decide chamar novamente Deus à Terra. Uma história empolgante…

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Minho Digital foi conhecer um pouco mais deste escritor que nas suas palavras deixa bem patente que o Acordo Ortográfico é um atentado à língua portuguesa e os seus mentores deviam ser julgados.

 – Como se define o João Cerqueira como escritor?

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Sou escritor porque gosto de inventar histórias. A possibilidade de criar algo que até então não existia é algo extraordinário. Crio um mundo, povou-o com personagens, desencadeio  conflitos, apresento soluções (que nem sempre resultam)  – o escritor é pois um pequeno Deus. Depois, tento que o leitor queira saber o que irá acontecer a seguir. O que sucederá a um personagem que foi preso ou qual o desfecho de um conflito? Procuro o inesperado, a surpresa. Outra das técnicas que uso é deixar pontas soltas que, mais tarde, são unidas. A atitude que um personagem toma na página vinte poderá só ser entendida na página cem. Mas, no fim, tudo fará sentido. Nada pode acontecer por acaso. Evito pois que a narrativa estagne, perdida em acontecimentos sem interesse, longas descrições ou diálogos banais. Não deve haver uma palavra a mais. Dito isto, o que mais me dá prazer é que o leitor consiga encontrar o humor nos meus textos.

– Quando surge a escrita na sua vida?

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O meu pai tinha uma excelente biblioteca. O desejo de ser escritor deve ter começado desde que comecei a olhar para aqueles livros. No entanto, só me senti capaz de escrever um romance depois dos trinta e cinco anos. A literatura portuguesa remonta à Idade Média e, desde as Cantigas de Amigo – poesia romântica até José Saramago, existe uma importante herança da arte de bem escrever. Quem conhecer os clássicos da literatura portuguesa, ou universal, compreende que, pobre anão, se irá aventurar num território dominado por gigantes. Por isso, durante muitos anos não me atrevi a entrar nesse mundo de desmesura. Ainda agora – e quiçá sempre – me acontece, ao ler Marcel Proust, Stefan Zweig ou Fialho D’Almeida, sentir-me de novo minúsculo. O truque – dizem – é saltar para os seus ombros, sem que ninguém repare.

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– Escrever é um acto de reflexão ou algo mais?

Escrever é um acto criador, logo exige reflexão. Como referi atrás, há muitos problemas para resolver de modo a que a história funcione. A escrita é precedida de uma ideia, involuntária ou não, que começamos a desenvolver. Ou seja, antes de se começar a escrever, estruturamos o futuro romance. Este processo pode levar alguns meses. Em certos momentos parece haver uma voz que nos dita a história, à qual não podemos resistir. Porém, essa voz foi antes chamada por nós. Phillip K. Dick dizia que escrevia num estado de transe (com ou sem drogas), e eu não duvido disso. Mas para que esse transe se manifestasse, foi preciso que primeiro tivesse fornecido a mente da matéria-prima necessária para a voz falar. Entrar em transe, escutar vozes, ser conduzido por demónios, dá muito trabalho.

– O que destaca nas suas obras já editadas?

Destaco ‘A Tragédia de Fidel Castro’ pois a sua tradução para inglês venceu três prémios e foi considerada a terceira melhor tradução nos EUA, além de que foi também publicado em Itália e na Inglaterra, e será nos próximos meses publicado em Espanha e na Argentina. Destaco também ‘A segunda vinda de Cristo à Terra’ pois, além de receber a medalha de prata no 2015 Latino Book Award,, é talvez o melhor texto que escrevi até agora.

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– Por algumas delas sente um carinho especial?

Respondo a essa pergunta assim: os meus personagens favoritos são Varadero, o espião arrependido de ‘A Tragédia de Fidel Castr’o, e o Professor Kacimba, o bruxo que resolve todos os problemas de ‘A Segunda Vinda de Cristo à Terra’.

– Recentemente foi premiado. Como o viveu e sentiu esse momento?

Fiquei muito contente por o meu trabalho continuar a ser reconhecido lá fora – o que não sucede em Portugal.  O 2015 International Latino Book Award  não é um prémio qualquer: foi criado  há 17 anos pelo actor Edward James Olmos e tem o apoio da American Library Association. Teve a participação de autores de 17 países e contou com 192 júris. Fui convidado para ir a São Francisco recebê-lo numa cerimónia no hotel Merriot, mas, por motivos familiares, não pude ir.

– Estando num dos prémios ao lado de Isabel Allende que significa para si?

Espero que valorize o prémio.

– Fale-nos um pouco da sua recente obra. Que podem encontrar os leitores? Onde a podem adquirir?

A ‘Segunda vinda de Cristo à Terra’ é uma sátira ao nosso país. Peguei em três casos que ocorreram nos últimos tempos – o ataque a um campo de milho geneticamente modificado por ecologistas radicais, o caso Portucale e a batalha entre negros e ciganos na Quinta da Fonte – e fiz regressar Jesus à Terra para o envolver nesses conflitos. Porém, quem o conduz através da história é Madalena, uma activista que sonha com um mundo melhor. Cruzo então o humanismo cristão com a Utopia de Thomas More – o livro favorito de Madalena – na tentativa dos personagens tentarem pacificar os homens. E apresento em cada capítulo um episódio do ‘Novo Testamento’ transfigurado, como as ‘Bodas de Canaã’, em que um tasqueiro descobre subitamente vinho na cave. No fim, tal como da primeira vez, Jesus apenas consegue que os homens se voltem de novo contra si. E apenas um farsante, o referido Professor Kacimba, o irá reconhecer.

– Nesta obra o que pretende?

Mostrar a loucura dos homens, fazendo ao mesmo tempo rir o leitor. É claro que pessoas com demasiada susceptibilidade religiosa ou política, não vão achar gracinha nenhuma. Convido ainda o leitor a reflectir sobre problemas contemporâneos como os alimentos geneticamente modificados, a ecologia, a corrupção e as tensões raciais.

– Qual a sua opinião sobre o acordo ortográfico?

É o maior atentado que jamais houve à história e à cultura portuguesa. Os seus responsáveis deveriam ser julgados. E, ainda por cima, conseguiram dividir em vez de unificar. Em Portugal ninguém se entende, no Brasil o acordo é ignorado, e Angola recusa-o e dá-nos lições de patriotismo. Afinal, se os ingleses, os espanhóis e os franceses – na língua francesa existem recomendações feitas pela Academia, mas não uma imposição – não fizeram nada semelhante, por que razão haveria Portugal de o fazer?

 – Escreve com ele ou sem ele?

É claro que nunca o utilizarei.

– Como gostaria que o leitor conhecesse o escritor João Cerqueira?

Gostaria que o leitor que me vai ler pela primeira vez reparasse primeiro que dou muita importância ao tratamento da língua portuguesa. Depois, como atrás referi, descobrisse a ironia e o humor.

– Na forja já temos algo?

Sim. ‘25 de Abril, corte e costura’. Trata-se de uma sátira, não à revolução, mas ao regime democrático criado a partir da revolução. O tema principal do livro é a incapacidade das forças políticas nacionais se entenderem e cooperarem, por estarem mais empenhadas em se afrontarem do que em resolver os problemas do país. Eis a história. Numa cidade imaginária, a Esquerda e a Direita aproveitam as celebrações dos quarenta anos do 25 de Abril para se afrontarem. A Esquerda decide organizar uma parada gay e a Direita decide organizar uma tourada. Entretanto, chegam outros personagens. Um antigo inspector da PIDE decidido a acabar com a festa. Um toureiro espanhol que sonha com uma nova União Ibérica. Um guru que pretende recrutar discípulas. E as Brigadas Indignadas, fundadas por um casal, que, por a crise os ter privado do direito ao luxo e às férias no Brasil, pretendem explodir uma bomba no dia 25 de Abril.

O MINHO DIGITAL deixa a todos os seus leitores uma sinopse do último livro de João Cerqueira:

A SEGUNDA VINDA DE CRISTO À TERRA

Depois de conhecer a activista Madalena que luta por um mundo melhor, ver-se-á envolvido em três situações de conflito.

Em São Martinho da Horta conhece o grupo ecologista radical –Verdes são os campos, que pretende destruir uma plantação de milho que supõe geneticamente modificada. Depois, em Vilar de Mochos, assiste à revolta dos habitantes contra um empreendimento turístico que vai ser construído numa reserva florestal. Por fim, no bairro da Europa, testemunha o conflito armado entre negros e ciganos.

Neste périplo irá conhecer vários personagens: os referidos ecologistas, um padre que o obriga a confessar-se, um autarca corrupto, empreiteiros sem escrúpulos, um Comandante da GNR obrigado a fazer de Pilatos, os habitantes de um bairro degradado, um bruxo, e um negro e uma cigana apaixonados.

Porém, conquanto se limite a acompanhar Madalena, tentando apenas pacificar os desavindos, nem assim Cristo volta a escapar à fúria dos homens.

E apenas um farsante o irá reconhecer.

Mediante a ironia e o sarcasmo a Segunda Vinda de Cristo à Terra aborda fenómenos de conflitualidade social e política que ocorreram no nosso país.

Mas no fim é Portugal quem acaba posto na cruz.

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