Editorial

O funeral dos vivos
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Damião Cunha Velho

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Keynes tinha razão: “A longo prazo, todos estaremos mortos”.

Quando vamos a um funeral, as pessoas juntam-se em pequenos grupos.

Conversam, recordam coisas que viveram juntas e até soltam um sorriso. Até aqui tudo bem.

Pena que só se reencontrem nos funerais.

No entanto, até nos funerais, diante da morte, se nota uma certa hierarquia entre as pessoas. Um certo elitismo provinciano de uns para com os outros e até uma certa superioridade em relação à morte, ali na figura do falecido.

Afinal um vivo tem mais valor ou poder do que um morto.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Há grupos e grupos.

Os mais importantes, os assim-assim, os presidentes disto ou daquilo.

Os engravatados, os enlutados, os descontraídos, os esquecidos.

Enfim.

Vistos do espaço são todos grãos de areia num imenso deserto. Pena de quem não se consegue ver do espaço.

Todos parecem imortais. Alguns julgam-se mesmo imortais. São os “Intocáveis” de Mafi.

“Tenho uma maldição, um dom, um mostro”.

Esta semana estive num funeral e pensei sobre isto e como somos pequenos. Mesquinhos.

O morto é o derrotado da história porque foi vencido pela morte. Toda a superioridade que por ali se passeia diante de um vencido à partida é desigual e, por isso, imoral.

Junto ao caixão aberto passou uma lagarta, sobrevivente pré-histórico que precedeu o ser humano.

Pergunto: como o nosso cérebro nos fez tão pequenos?

Ou como dizia Nuno Lobo Antunes “Não imaginamos a maldade que o nosso cérebro nos pode fazer”.

Quem, num funeral, passeia a sua soberba foi derrotado pela vida porque não aprendeu na sua existência o valor da infinita humildade do ser humano e a sua insignificância perante o todo.

E, que toda a vida é uma morte adiada que nos pode visitar já amanhã.

Absorvidos, vencidos!

6 comentários

  1. Parabéns pelo excelente artigo que retrata a realidade desta “vida”. De repente veio pensei num artigo que li do Charles Bukowski e do significado que alguns dão ao que é a Vida. Um desfile de estatutos em que todos querem provar que são os Senhores da razão e saber! Dá que pensar.

  2. Infelizmente o elitismo na sociedade portuguesa já vem de trás, também não digo que se encontre só no DNA dos portugueses, mas acredito que seja mais visível em países com mais pobreza.
    Lamento que muitos só se falam nos funerais, casamentos, batizados e comunhões.

  3. Belo comentário, muito a propósito.
    Como dizia Pessoa: “não há vivos, há os que já morreram e os que estão à espera”. Nada melhor que um funeral para nos fazer ver que toda a soberba, importância, riqueza e até beleza, por trás da cortina da vida é nada!

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