O Justo Equilíbrio

Comprova-se, científica e tecnicamente, que todos os anos conhecemos um pouco mais do espaço terrestre que habitamos, e também que já conseguimos caracterizar melhor alguns dos muitos fenómenos naturais que, positiva ou negativamente, nos afetam.

A inteligência e a práxis humanas progridem: para o bem, e para o mal, mas tudo indica que se deseja o bem, para todas as pessoas, entidades e organizações, sem exceções.

As gerações mais idosas, em consonância com as mais jovens, têm obrigação de construir um mundo bem melhor, para que num futuro próximo, se possa viver com mais conforto, abundância de bens materiais, e uma nova ordem axiológica. Começar por preservar o espaço terrestre habitável, assim como toda a atmosfera envolvente, constitui, provavelmente, uma primeira ação a implementar.

Um mundo melhor constrói-se com recursos materiais e imateriais diversos, mas tudo começa no ser humano, na sua educação e preparação para a mudança, para uma cultura do respeito, da congregação de sinergias, conhecimentos, experiências e boas-práticas, todavia, ainda existe um longo caminho a percorrer.

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Na verdade: «O problema é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar esta crise e há necessidade de construir lideranças que tracem caminhos, procurando dar resposta às necessidades das gerações atuais, todos incluídos, sem prejudicar as gerações futuras. Torna-se indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-económico acabem por arrasá-los, não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça.» (PAPA FRANCISCO, 2016:96).

Genericamente, pode-se concordar que um mundo com mais qualidade de vida, para toda a população é um imperativo, que nenhuma pessoa singularmente considerada, uma organização e o próprio Estado, podem ignorar, mas as estratégias, os métodos e os recursos para se atingir tal desiderato, podem ser diferentes, porque o importante é acabar, o mais rapidamente possível, com as desigualdades, com os desperdícios e com a indiferença de uns tantos para com uma maioria que tenta “nadar”, ou “flutuar”, num mar de miséria.

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É inaceitável: que a sobranceria esmague a humildade; que o poder dos mais fortes, sufoque, qual garrote, a fragilidade dos mais fracos, com uma insensibilidade confrangedora e desumana. É neste contexto miserável que: «Deixamos de notar que alguns se arrastam numa miséria degradante, sem possibilidades reais de melhoria, enquanto outros não sabem sequer o que fazer ao que têm, ostentam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam atrás de si um nível de desperdício tal que seria impossível generalizar sem destruir o planeta. Na prática, continuamos a admitir que alguns se sintam mais humanos do que outros, como se tivessem nascido com maiores direitos.» (Ibid.:98).

Será oportuno refletir sobre uma bem nítida separação que existe, um pouco por todo o mundo, onde uma classe rica, privilegiada e dominante, apesar de estar em minoria, por vezes subjuga, cruelmente, uma outra parte da sociedade, pobre material e intelectualmente, não obstante representar uma maioria.

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No centro, ou se se preferir, no meio destes dois extremos, poderá haver um terceiro grupo social, a habitualmente, denominada “classe média” que, tradicionalmente, se autodesigna como o “motor” das economias, da produtividade e da contribuição fiscal.

Em muitos países, tal “classe média” tem vindo a diluir-se, esmagadoramente, na “classe baixa”, pobre e excluída, poucos sendo os que conseguem escapar a uma tal despromoção socioeconómica. Os Estados/Governos, carecem de recursos monetários para sobreviverem, para fazerem face às suas próprias despesas, muitas delas, supérfluas, luxuosas e indevidas, por imorais, privilégios, logo, o mais fácil é tributarem uma classe que, normalmente, trabalha por conta de outrem e, nesta condição, não tem a mínima possibilidade de “fugir” ao pagamento de impostos, quantas vezes, “brutais” e injustos, incluindo, a perda de direitos quantas vezes adquiridos há décadas.

Independentemente da situação socioprofissional, e correlativo estatuto, tradicionalmente, conquistados, atribuídos ou herdados, a verdade é que há aspetos da condição humana, em que os deveres e os direitos são (ou deveriam ser) iguais, porém, sabe-se que não é bem assim que acontece, além de que a obrigatoriedade dos deveres, se impõe a todas as pessoas, desde logo no apoio que devemos prestar a quem mais precisa, cabendo dar o primeiro passo aos governantes, e quem possui recursos para o fazer.

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É certo que: «Hoje fala-se muito de direitos, esquecendo com muita frequência os deveres: talvez nos tenhamos preocupado demasiado pouco por quantos sofrem a fome. Além disso, é doloroso constatar que a luta contra a fome e a subalimentação é obstada pela “prioridade” do mercado, e pela “primazia do lucro”, que reduziram os alimentos a uma mercadoria qualquer, sujeita a especulações, até financeiras. E quando se fala de novos direitos, o faminto está ali, na esquina da rua, e pede o direito de cidadania, pede para ser considerado na sua condição, para receber uma alimentação básica sadia. Pede-nos dignidade, não esmola.» (Ibid.:99).

Nesta reflexão, não se pretende insinuar, muito menos exigir,  que os detentores de grandes fortunas têm o dever legal de ajudar os que mais necessitam, porquanto parece mais equilibrado, contudo, pedir-lhes que disponibilizem condições de trabalho para quem está desempregado, porque exercer uma atividade produtiva remunerada, não é só um direito de cidadania, mas igualmente, um dever que cada pessoa, na plena posse das suas capacidades intelectuais, psicológicas, físicas e motoras deve assumir, porque de contrário, também não lhe será moralmente reconhecido o direito de usufruir, não só dos bens da terra, como também daqueles obtidos pelos seus semelhantes.

O ambiente favorável comunitário, tendo em vista uma justa distribuição da riqueza, só é possível: através da saúde, do trabalho e da paz e, para estes ingredientes, todos têm a obrigação de contribuir; por outro lado, também se aceita que: «A dignidade da pessoa humana e o bem comum estão por cima da tranquilidade de alguns que já não querem renunciar aos seus privilégios. Quando estes valores são afetados, é necessária uma voz profética.» (Ibid.:101).

Reconhece-se que os equilíbrios são sempre muito difíceis de se encontrar e consolidar, tanto mais complexos quanto os interesses, as cedências, os ganhos e as perdas afetam uma ou as duas partes, mas não há alternativa ao justo equilíbrio, praticamente em todas as questões que regulam as relações entre pessoas, grupos e nações e, enquanto não se estabelecerem regras moderadoras, como o recurso: ao diálogo, à compreensão, à solidariedade, à humildade, à gratidão e à compaixão, o mundo não vai alcançar a tranquilidade que tanto precisa.

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Com efeito: «A paz social não pode ser entendida como irenismo ou como mera ausência de violência obtida pela imposição de uma parte sobre as outras. Também seria uma paz falsa aquela que servisse como desculpa para justificar uma organização social que silencie ou tranquilize os mais pobres, de modo que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sobressaltos, enquanto os outros sobrevivem como podem.» (Ibid.).

Cumpre-nos, a todos, sem exceções, refletir sobre a situação que, connosco e a partir de nós se vive, para podermos identificar as causas, conceber  mecanismos que permitam ajudar a resolver os problemas, questões e situações mais candentes e delicados, juntamente com as Entidades e Instituições que, de alguma forma, tenham condições para dar um contributo positivo, para que: em primeiro lugar, as partes desavindas e/ou distanciadas aceitem, pelo menos, o diálogo, discutam soluções; e, finalmente, deem o seu contributo.

O caminho é difícil, porém, gratificante, altruísta e, acima de tudo, característico das pessoas verdadeiramente humanas, com um autêntica formação e espírito abnegados. Não vale a pena recorrer a qualquer tipo de violência, porque tal processo gera mais animosidade e impossibilita atingir objetivos humanistas positivos.

 

Bibliografia: 

PAPA FRANCISCO (2016). Proteger a Criação. Reflexões sobre o Estado do Mundo. 1ª Edição. Tradução Libreria Editrice Vaticana (texto) e Maria do Rosário de Castro Pernas (Introdução e Cronologia), Amadora-Portugal:20/20 Nascente Editora.

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