O Manu morreu porque denunciou?

1. O país só reage quando o corpo já está no chão

Manu, alegadamente, não foi vítima de uma simples rixa. Alegadamente, foi vítima da indiferença de uma sociedade que abandona quem tem coragem.
Alegadamente, denunciou um crime, tentou proteger jovens raparigas de serem drogadas, foi expulso de um bar e acabou assassinado na rua.
Em Portugal, quem denuncia é visto como incómodo. A sociedade não protege nem apoia. Os denunciantes são deixados sozinhos — até ao silêncio absoluto.
Chamam-lhe herói depois da morte, mas em vida, ignoram-no ou até o ridicularizam.
Manu, alegadamente, foi mais do que corajoso. Foi um denunciante. E morreu por isso.
E, enquanto isso, partidos, comentadores e políticos aproveitam a morte de Manu para falar de tudo — imigração ilegal, insegurança, defesa das mulheres — menos do essencial.
O estatuto do denunciante continua ausente. O debate sobre a proteção de quem tem coragem continua inexistente.
A sua morte é uma acusação direta à hipocrisia de um país que diz querer justiça, mas não tem coragem para a enfrentar — e muito menos para lutar por ela.

2. Denunciar em Portugal é assinar a própria sentença

A denúncia, em vez de ser reconhecida como um ato nobre de cidadania, é tratada como um distúrbio.
A realidade, por mais desconfortável que seja, impõe-se: em Portugal, o denunciante é frequentemente tratado como um problema. Uma anomalia.
É classificado como elemento perturbador, exagerado, inconveniente. A sua voz é desacreditada. A sua presença causa embaraço.
A denúncia — que deveria ser um ato de consciência cívica — é vista com hostilidade.
Não há estruturas que protejam. Nem sequer as que têm essa responsabilidade, como o Ministério Público. Não há cultura que incentive.
Existe, sim, medo: medo de escutar. Medo de agir. Medo de reconhecer o que está — ou pode estar — errado.
Medo de que o denunciante obrigue os demais a confrontar aquilo que sempre preferiram esconder ou fingir que não existe.
Por isso, cala-se. Ignora-se. Isola-se. O conforto da mentira ou da incerteza é mais seguro.
E, por vezes — como alegadamente aconteceu com Manu — mata-se. Pela omissão, pela indiferença, ou por uma faca nas mãos de quem não tolera a verdade.

3. O verdadeiro crime é o silêncio de todos nós

O denunciante deveria ser um símbolo de integridade nacional. Deveria ser escutado, protegido, respeitado e só no fim julgado.
Mas neste triste país, é silenciado em vida e elogiado apenas na morte — não por justiça, mas porque já não representa ameaça ao silêncio instalado. O estatuto da denunciante contínua ausente. O debate sobre a proteção de quem tem coragem continua inexistente.
Porque falar disso implica responsabilidade real. E isso, quase ninguém quer.
Os responsáveis pela morte de Manu não são apenas os que o esfaquearam. Somos todos nós.
Todos os que nos calamos. Todos os que ignoramos. Todos os que preferimos o conforto da aparência à coragem da verdade.
Neste país, denunciar parece ter-se tornado um crime — incomoda, perturba, obriga a agir.
Até os políticos se contorcem perante a simples ideia de serem confrontados com o escrutínio.
Mas sem denunciantes, que país seria este?
Um país onde reina o silêncio, a impunidade e a cobardia.
E isso, sim, é a verdadeira tragédia nacional.
Apelo á imprensa, aos partidos e aos representantes políticos É urgente que o estatuto do denunciante seja levado para o centro do debate político e da pedagogia pública.
É inadmissível que, num Estado de Direito, continue a faltar uma cultura institucional que reconheça o valor do denunciante como agente de justiça e integridade.
Em vez de criticar ou desvalorizar quem denuncia, é tempo de criar condições concretas para
proteger, apoiar e respeitar quem tem a coragem de expor o que se acha que esta mal. A dignidade do denunciante é a base de qualquer democracia saudável.
Não se constrói um país justo silenciando quem grita quando todos os outros se calam.
À família e aos que amavam o Manu, deixo o mais profundo respeito.

Com reserva de todos os meus direitos,
O também denunciante,
Filipe Correia

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