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O tempo não pára e quando a velhice toca à nossa porta, nunca vem sozinha!

Juventude, aquela beleza de ver o mundo às cores, de ter a energia no corpo e na mente, de ter a sensação de que o mundo é nosso e tempo é aquilo que mais nos sobra! Mas o tempo, com o tempo, deixa de parecer infinito e quando a velhice bate a porta vem, muitas vezes, acompanhada pela solidão.

A realidade dos nossos idosos é cada vez mais difícil. Os filhos emigram, os netos já nascem no estrangeiro, e com o passar dos anos, as aldeias cada vez mais, vão ficando desertificadas e aqueles que vivem nelas vão ficando – irremediavelmente – sozinhos.  O MD quis conhecer melhor a realidade destes idosos que moram sozinhos em casa e, também, conhecer a vida daqueles que, por inúmeras razões, têm de abandonar as suas casas e ir viver para lares e residências.

Eram 11:30 horas quando entrámos numa das carrinhas que a Santa Casa da Misericórdia de Ponte da Barca tem disponíveis para, todos os dias, ir fazer a visita domiciliária aos idosos e entregar-lhes também as refeições. Partimos desde Ponte da Barca em direção a Vila Nova de Muía e uma das primeiras conversas que tivemos foi com a D. Otelinda, de 78 anos que mora sozinha, na sua casa. Tem dois filhos, “um rapaz e uma rapariga. Estão na Suíça. Ele vai fazer 54 e a rapariga fez 50.  O meu marido vai fazer 5 anos que morreu… e sempre me disse que tinha inveja de mim – eu sou mais nova do que ele 9 anos – porque quando ele morresse eu ficaria aqui pelo menos, mais nove anos”. E assim começa a contar um bocado da sua vida. “Nasci, casei e vivi sempre em Vila Nova. Já fui seis vezes à Suíça, visitar os meus filhos, e eles querem que eu lá vá outra vez, mas agora já não estou em termos de fazer viagens!”

Quando se fala em família, os olhos da Otelinda brilham, mas também denotam grande saudade. “Tenho dois netos, e já tenho uma bisneta… aí, os meus amores! Se eu pudesse melhor! Agora aquilo que me vale é a visita destas moças. O apoio que elas dão”, confessa. Para D. Otelinda receber a visita domiciliaria é bom, “é muito bom. Eu, vizinhos, não tenho quase nenhuns. Uns já morreram, os outros saíram, alguns são ainda mais velhos do que eu… portanto, não tenho por perto muitas pessoas”.

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A vida vai passando, muitas vezes à espera da época das férias para receber a família. “Os meus filhos costumam vir no Natal ou então lá para julho. Mas ainda no outro disse-me que as férias este ano estão complicadas, e não sabe se vai poder vir. Olhe, é uma alegria quando eles vêm, e uma grande tristeza quando vão”, diz com lágrimas nos olhos. “Custa-me muito estar sem eles. Mas também quero estar na minha terra, não me vejo no estrangeiro. Já não tenho idade para isso. Quando eu já não possa mais estar sozinha, terei de ir para um lar, mas só Deus sabe quanto é que me ia custar deixar a minha casa”, confessa.

D. Otelinda vai passando os seus dias a tentar entreter-se com alguns trabalhos no campo, a tratar dos seus coelhos e à espera de receber pessoas num café que tem preparado nos fundos da sua casa, um negócio que em tempos, “dava muito bem. Agora já não consigo trabalhar ali como dantes, mas ainda vou recebendo alguns clientes e isso ajuda-me a passar o tempo. Vejo pessoas e falo com elas. Olhe, vou-me entretendo assim”, culmina.

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E assim, continuamos o nosso percurso, para entregar as refeições do almoço. A próxima visita – e onde pudemos conversar – foi na casa do sr. Ernesto que também mora em Vila Nova e tem 88 anos. Ao bater a porta, ouve-se do outro lado um cumprimento alegre:  “Boa tarde meninas, podeis entrar”. Ernesto, um homem de sorriso fácil, dispôs-se logo para falar e contar aquilo que é a sua vida, no dia-a-dia. “Eu tenho uma filha. Está na França, trabalha a dias, mas é uma bênção de filha. Faz das ‘tripas coração’ e sempre que pode – que não são muitas vezes – vem cá para me visitar e ajuda-me algumas vezes com algum dinheiro. Sabe que a reforma é muito pouco!”. Foi operado a uma perna e está em processo de recuperação com sessões de fisioterapia. “Olhe, ainda tenho mais catorze sessões para fazer. E vou indo, com as minhas posses. Se no dia que calha puder conduzir, conduzo; se não puder, peço ajuda alguém ou então, chamo um táxi”, explica. Para o sr. Ernesto a vida não é fácil. Vive sozinho e, à semelhança da D. Otelinda, também não tem muitos vizinhos por perto “e a vida torna-se muito dura. Eu fiz tudo pela minha filha, e ela é uma boa filha, mas a vida também não é fácil para ela”, confessa com lágrimas nos olhos.

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Garante que quando pode, vai dar uns passeios a pé. “Vou até a minha garagem. Aproveito para brincar um bocadinho no terreiro com os meus cãezinhos – tenho dois – e assim ando um bocadinho. Mas ando muito pouco porque tenho medo a cair. Depois espero pela visita das moças e quando me trazem o almoço, falamos um bocadinho. Enquanto como, ligo a televisão e vou vendo umas coisas. Também leio o jornal. Gosto muito da bola. E assim vou tentando que os dias passem”, afirma conformado.

O sr. Ernesto perdeu há muito pouco tempo a sua esposa, a companheira de toda uma vida, e foi esta situação que o deixou ainda mais fragilizado. “Eu saio de casa para me ajudar porque quando estou cá, só me lembro dela, e que já não está. A senhora que me ajuda a fazer a limpeza da casa tirou as fotografias todas, para ver se eu consigo esquecer, mas eu não consigo. Ela era a minha companhia, mas já não está!” exclama a chorar.

A esposa do sr. Ernesto, vítima de um AVC, tinha sido levada há algum tempo para o Lar Condes da Folgosa, também em Ponte da Barca, e a Dra. Joana Pires que é diretora do SAD (Serviço de Apoio Domiciliário, contou-nos que “o facto da D. Maria de Lurdes estar internada, fazia que o Ernesto tivesse um motivo para se levantar todos os dias, conduzir até à Barca para ir visitar a sua esposa. Estava com ela o dia todo, dava-lhe de comer e fazia-lhe companhia. Com o falecimento dela aquilo que o motivava já não está, e tem sido muito difícil para ele recuperar”.

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Dois testemunhos de uma realidade que cada vez mais atinge as nossas aldeias e lugares. Idosos à espera de alguém que venha visitá-los para lhes trazer alguma alegria, alguém com quem falar e desabafar a mágoa que lhes causa viver sós. A ver os dias passar, ancorados em lembranças que lhes ajudem continuar a ter um elo de ligação com a vida que, de repente, se tornou tão diferente…

Quisemos também conhecer a vida – e a realidade – daqueles idosos, que, à diferença da D. Otelinda e o sr. Ernesto, já não vivem em casa sozinhos. Assim, fizemos a nossa visita ao Lar Condes da Folgosa – Santa Casa da Misericórdia, em Ponte da Barca. Uma instituição que já conta com mais de 430 anos, e que se dedica exclusivamente à área social e hospitalar. Fomos recebidos pela Dra. Ângela Almeida que nos explicou um pouco como é feita a gestão do Lar. Tudo meticulosamente registado e devidamente assinalado. Fichas individuais para cada um dos idosos que lá vive, que são, ao todo, perto de 80.

Cada um deles com necessidades especiais e todas elas conhecidas e respeitadas neste lugar onde agora moram e que se tornou no seu lar. Depois de conhecermos as instalações começamos a nossa conversa com os idosos que se disponibilizaram para conversar. A primeira delas, a D. Maria Nascimento de Jesus Lopes  “mas não coloque assim o meu nome menina, porque ninguém vai saber quem eu sou, ponha antes Menta, que é como todos me conhecem desde pequenina”. D. Menta, que gosta de se entreter a fazer tapetes e a ler livros é uma mulher muito faladora, com uma lucidez invejável para alguém que já conta com 84 anos. “Menina, já passo dos 84 anos e meio. Fui sempre uma mulher muito lutadora, de muito trabalho. Para poder haver, tinha de ser eu a prover. Mas sabe, como mãe, sou muito feliz! Tenho uma filha. E como avó, também sou muito feliz. Mas como mulher, toda a minha vida, só fiz a minha obrigação”. D. Menta garante que sempre teve uma vida de muito sacrifício. “Passei a minha vida, toda a minha vida, a pensar assim: amanhã será melhor! Mas assim se passaram 60 anos e agora, estou aqui. Mas assim é a vida”, comenta com ar resignado. D. Menta não é natural de Ponte da Barca, é de Espinho, e viveu sempre em Lisboa, mas conta que a sua ligação com Ponte da Barca se deve ao seu casamento. “Eu sempre vivi entre Lisboa e aqui. Por parte do meu marido a família era do Barral, e por parte da minha sogra a família era de Sampriz.  E assim vivi a minha vida, a trabalhar e a vir à Barca para cuidar da minha sogra. Mas digo-lhe menina, a pior asneira que eu fiz na minha vida foi viver sempre a pensar que amanhã iria ser melhor, e nunca fiz nada para mudar”. Mas apesar de sentir que a vida foi passando sem nunca ter oportunidade de ser quem realmente ela queria ser, afirma que “sou muito feliz porque tenho a minha filha. E ela faz todos os possíveis por mim. Mora em Lisboa, está longe, mas sempre que pode vem cá. E a minha neta também está em Lisboa, tem 31 anos, e é advogada”, diz com ar orgulhoso.

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Dona Menta diz que gostava de ter a filha mais por perto, mas gosta de viver no lar. “Daqui não tenho nada a dizer. A nível de casa, de meninas, não tenho nada a apontar. A Paulinha, a senhora Doutora, todas são muitos boas. Mas eu também não as incomodo. Para mim é fácil porque ainda sou autónoma, eu faço tudo. Faço a minha cama, a minha higiene, estar ativa faz-me bem. Ser inútil é uma tristeza”, afirma.

Confidencia que agora, depois de muitos anos, ainda quando está longe da única família que tem – a sua filha e neta -, quando se deita “digo sempre: valha-me Deus, pelo menos agora tenho sossego! Agora penso, amanhã será igual, mas já não é mau”, diz com ar tranquilo. E assim passa os dias a D. Menta, a fazer os tapetes, a ler, e a desfrutar do sossego que nunca teve.

Depois de falarmos com a D. Menta, foi a vez de conversar com a D. Júlia da Rocha Silva, 81 anos, natural de Grovelas, em Ponte da Barca. D. Júlia, uma mulher que não parece ter a idade que tem, já possui alguma dificuldade em se mobilizar e utiliza um andarilho. Mas recebeu-nos com uma boa disposição contagiante. “Eu também morei sozinha na minha casa, mas já tenho cá, pelo menos, cinco anos. Primeiro estive em casa com a minha mãe; quando ela faleceu, fiquei com um tio e depois dele falecer, continuei o meu trabalho, mas depois comecei-me a sentir muito fraca, desmaiei, fui para o hospital e daí trouxeram-me para este lar, e cá estou”.

Quisemos ter a visão da D. Júlia porque ela, ao contrário do resto dos entrevistados, nunca casou nem teve filhos. Por isso, as visitas que ela tem são – quase exclusivamente – de uma prima, porque as duas irmãs, que ainda tem, uma está na França (vem sempre no mês de agosto)  e a outra em Valença, mas também já têm alguma idade e não consegue vir tanto quanto ela gostava. “Eu estive em Lisboa a servir. Depois fui para Braga e estive com umas freiras, gostava muito de lá estar, mas depois elas ficaram velhinhas e foram para Santo Tirso, mas eu não gostei da pessoa que ficou à frente da casa e vim-me embora. Mas custou-me muito, eu gostava muito de Braga”. D. Júlia conta que também passou alguns anos em Valença, a servir numa casa. “Eram pessoas muito boas, muito respeitadoras, e foi assim a minha vida!”, exclama sorridente.

D. Júlia confessa que é uma mulher que gosta das coisas muito bem organizadas. “Ainda vou fazendo as minhas coisinhas. Trato de mim, da minha higiene… de manhã quando as meninas chegam ao quarto, eu já estou preparada”. Confessa que gosta de estar no lar, mas também “sabe como é menina, tenho de me sujeitar a estar aqui. Não tenho mais para onde ir”.

A nossa última entrevistada foi a D.Rosa da Silva Ferreira, de 87 anos, natural de Lavradas. Entrou na sala de reuniões bem-disposta. “Menina, isto tem de ser rápido, olhe que às cinco há Missa, e eu quero ir”. A conversa fluiu sem dificuldades. Ainda é autónoma, mora no lar há pelo menos cinco anos. “Eu morei na França muitos anos, com os meus filhos. Fui para lá depois do meu marido falecer. Eu estava muito bem na França, mas sabe, tive de ir ao hospital, a uma consulta, e estar naquele hospital, a ver a minha filha a falar com este e com aquele e eu, sem saber dar uma fala, achei que aquilo não estava bem, e quis vir embora. Quis vir para a minha terra. Pelo menos aqui sei falar”.

Confessa que os seus filhos (cinco) não estiveram a favor de ela vir para Portugal, mas ela achou que era o melhor, e assim o fez. E desde que cá chegou mora no Lar Condes da Folgosa. “Eu tenho casa – sabe! -, uma casa muito boa, mas não tenho quem esteja comigo. Os meus filhos estão todos empregados na França, não podem, e aqui tentaram arranjar alguém para estar comigo, mas não encontramos e tive de vir para aqui”. Mas garante que “eu fui muito teimosa. Os meus filhos queriam-me com eles, hoje não vou dizer que estou arrependida, mas gostava muito de lá estar porque os meus filhos não deixavam que me faltasse nada. Mas aqui também não me falta”.

D. Rosa sente-se uma mulher afortunada porque – a diferença de muitos outros idosos no lar – tem o telefonema diário de cada um dos filhos e quando eles vêm, nas férias, passa o mês todo fora do lar, em companhia dos filhos e netos. Gosta muito de assistir à Missa e rezar o terço todos os dias. Já não faz passeios fora do lar porque tem receio de cair, prefere ir participando nas atividades que fazem na instituição.

Os testemunhos destes idosos são o reflexo de uma realidade que assola o nosso país. Um país envelhecido, que não está preparado para tratar e acompanhar a velhice da sua população. E assim, eles vão ficando, cada vez mais  sozinhos, isolados. Alguns, com a sorte de ter família que ainda os lembra, e outros com a única sorte de ter – pelo menos – um lar onde morar.

“Solidão: um lugar bom de visitar uma vez ou outra, mas ruim de adotar como morada” – Josh Bilings

O MD agradece a todos aqueles que colaboraram com esta reportagem: Lar Condes Da Folgosa- Santa Casa da Misericórdia, Ponte da Barca. À Dra. Ângela Almeida, Dra. Joana Pires, Professora Augusta Gabriel, ao Provedor da Santa Casa da Misericórdia, Rui Folha Gomes, e demais funcionárias e pessoal que permitiram o contacto com os idosos para execução desta reportagem.

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