Um puto no seu Porsche passou-me à frente na fila da bomba da gasolina. A seguir entro no café e ouço um pai a contar que o filho lhe deu cabo da cabeça para o levar a ver um concerto a 200 Km de casa e quando lá chegou tirou uma selfie, postou no Instagram e veio logo embora. Chego a casa, ligo a televisão e está a dar um programa sobre a vida faustosa dos famosos.
Na minha infância e adolescência, a nossa grande admiração era por pessoas educadas, inteligentes e imensamente cultas. Quarenta anos depois, tudo mudou!
Eu ficava babado a ouvir o meu professor de história a dissertar sobre tantos assuntos diferentes e sempre com igual intelectualidade. Todos nos interessávamos pelas suas abordagens profundas que iam muito para além da sua disciplina, recheadas de cultura que nos ponham a refletir e a debater. Acho que todos queríamos ser como ele um dia.
Lembro-me que, nas primeiras aulas, os professores tinham por hábito perguntar que profissão queríamos ter quando fôssemos adultos. Todos almejávamos ter profissões em que a exigência intelectual era o elemento comum.
Hoje em dia, pelo que eu observo no comportamento das pessoas em geral e na forma como se exibem e expressam, sobretudo nas redes sociais, a sua admiração é por gente famosa ou rica. A educação, a inteligência e a cultura são critérios secundários. Não é por acaso que muitos jovens querem ser famosos, não importa o motivo.
A idolatria por pessoas famosas ou ricas por si só não é condenável. Condenável é admirar alguém só por esse facto, sem que essas pessoas tenham qualquer obra conhecida ou de relevo, digna de admiração.
Eu sei que cada época tem as suas próprias formas de superficialidade. Porém, a época em que vivemos parece acentuar essa tendência até porque a cultiva nas mais diversas formas de estar de cada um. Não estou a ser nostálgico, reconheço as enormes virtudes dos avanços tecnológicos e dos bens materiais no nosso bem-estar. Mas, sinto, porque não me identifico, que já não pertenço a este tempo destes novos valores sociais ou então, e se estou certo em pensar que algo está errado, a mente humana descarrilou.
Repare-se que nunca tivemos tantas coisas materiais como agora, tantos brinquedos, tantas ofertas diferentes de como passar o tempo e, no entanto, não me parece que sejamos muito mais felizes. Em muitas situações, pelo contrário. Nunca se venderam tantos antidepressivos e ansiolíticos, nem nunca se registaram tantos suicídios. Não porque as pessoas não consigam satisfazer as suas necessidades básicas, mas porque transformaram desejos em necessidades artificiais a satisfazer, tal como ser rico ou famoso. E, nunca nos sentimos suficientemente ricos, nem suficientemente famosos. É isso que nos é exigido todos os dias, basta olhar à nossa volta, para os olhares dos outros, para os programas televisivos ou para as publicidades.
Para mim, apesar das muitas coisas boas que foram criadas, uma das características mais chocantes do mundo contemporâneo é a sua superficialidade. Queremos tanto viver e mostrar que estamos a viver ao máximo, com todos os adereços possíveis, que não paramos para pensar. Para pensar sobre o que realmente importa, o que nos deve mover, de dentro para fora. Então, oscilamos entre a superficialidade e a inquietação.
Vivemos inquietos à procura de ter sempre mais, temos por referência quem tem mais do que nós e isso torna-nos eternamente insatisfeitos, frustrados e infelizes.
Estamos tão preocupados em ter, em mostrar o que temos, que o Ter está a matar o que realmente importa: o Ser!
1 comentário
Excelente texto, como já nos habituou. O grande problema da sociedade actual é, sem dúvida, o culto do supérfluo a juntar à inércia e falta de criatividade dos nossos jovens, salvo honrosas excepções.