Editorial

CRÓNICAS DE TRAZER POR CASA: Onde anda agora o meu próximo?  
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Zita Leal

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Ai u é? As flores do verde pino estão cá, neste tempo natalício mas por muito que as interrogue, nada me dizem. Se D. Dinis fosse vivo e rei trovador, outro galo me cantaria…

Em garota aprendi que o pobrezinho que todos os sábados nos vinha bater à porta para a mãe lhe dar meio tostão era um dos meus próximos. Gostava dele: cheirava mal mas sorria-me. Foi a minha entrada na costumada “ caridadezinha “. Já no liceu continuei a incursão na dita, ficando com “ o pobre da semana “. Encarregada de lhe levar a casa um pacote de arroz, açúcar, massa, dava-lhe um abracinho à saída e nunca me perguntei o porquê da solidão, da miséria em que vivia. Mas era o meu próximo e eu ia ganhando alguma vantagem na caminhada para o céu…

Cresci, namorisquei e a caridadezinha desapareceu da minha alma. O próximo tornou-se mais próximo nos bailaricos, nos beijos roubados e olhar para o funcionamento da sociedade levou-me a questões sociais que afligiam e que os açúcares, as massas não ajudavam a resolver. Rebeldia, revolução, pensar em virar tudo do avesso, instalaram-se na menina atilada e também não solucionei nada. Onde andaria o meu próximo? Li muito, revoltei-me muito mais e andei pelos Orientes, Áfricas, Américas e estes próximos estavam longe, longe. Peniche, Caxias acenavam-me mas  não se ouviam. Eram próximos sem voz. Nada pude fazer por eles.

Estou velha mais que velha e não encontrei o tal próximo a quem amar como a mim própria. Os que vêm a nado não consigo porque não tenho casa grande, não me identifico com o seu “ modus vivendi “ e tenho medo do mar. São como os parentes afastados que morrem sem os conhecermos por isso nem choramos. As televisões pintam os écrans de homens, mulheres, crianças com ar de quem precisa de ajuda mas… nem entendemos o que dizem, nem percebemos quem são os bons e quem são os maus e nesta altura do campeonato é preciso ter atenção porque podemos meter em casa quem nos faça mal. Ainda não são os tais próximos convenientes. Vou acabar os meus dias frustrada: não encontro próximo de jeito para amar e cuidar como a mim própria e a pior consequência está à distância de um já. Estará  o guarda do Éden à porta e perguntará . “ Amaste o teu próximo como a ti própria? “ E eu a titubear : “ Eu queria mas não encontrei “. –“ Fora daqui que o teu lugar é no reino do Bafo de bode “. Espero que o Satanás me aceite. Será ele o próximo?

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