Editorial

Os “Governantes Piquenique” são o Oxigénio dos Incêndios

Miguel Esteves Cardoso tem um texto delicioso a explicar como os portugueses são bons a fazer piqueniques. Conseguimos com as sobras de um Big Mac fazer um piquenique, em cima de um capô de um carro, na beira da estrada. Tudo com base no improviso. Já a  planeá-los somos um desastre.

O que se passa com os incêndios em Portugal é um exemplo paradigmático de como persistimos em ser maus a planear prevenir e combater incêndios, uma vez que nesta matéria, ao contrário dos piqueniques, não há lugar para improvisos. Basta olhar para a forma como os incêndios começam, como se expandem e como ficam sem controlo ao ponto das suas consequências serem devastadoras ano após ano. Somos tão maus, que ou não planeamos mesmo e andamos a enganar tudo e todos, ou se planeamos, devíamos ter a humildade de pedir desculpa e entregar esse trabalho a quem sabe. Pior é se planeamos bem e alguém mete o plano na gaveta. Não é uma hipótese a descartar dado o muito dinheiro que os incêndios e as suas consequências dão a ganhar.

Ninguém acredite que, algo que está mal e que permanece mal, não está a beneficiar alguém!

Estes incêndios dantescos, que lavraram no Norte e Centro Interior do país esta semana, em que vidas humanas foram ceifadas e milhares de hectares de floresta arderam, têm várias causas: o tempo quente, a baixa humidade, os ventos fortes, a orografia dos terrenos, os difíceis acessos. E por último os incendiários que se aproveitam quando todos estes fatores se conjugam. A questão aqui é que tudo isto é sabido e está há muitos anos bem identificado por académicos e especialistas em ignições, na tipificação de quem as provoca, como são levadas a cabo, com que finalidade,  de forma a prevenir e a combater eficazmente os incêndios. Portanto, os governantes, a quem competia tomar medidas preventivas e proactivas, não o fizeram durante décadas tendo todos estes dados na mão. Nem ninguém parece ter aprendido com um passado emocionalmente trágico que todos os anos se repete, nem mesmo com o Inferno na Terra que foi Pedrógão Grande em 2017.

Quem ateia intencionalmente fogo, não sendo por razões de cariz psiquiátrico, fá-lo a mando de alguém, está ao serviço de interesses maiores e é certamente o elo mais fraco desta cadeia criminosa. Os governantes sempre souberam quem são os beneficiários dos incêndios. Não sejamos ingénuos! É aí que é preciso intervir e isso implica coragem política porque os criminosos acabarão quando acabar o mercado do crime. Portanto, a responsabilidade dos incêndios é, em primeiro lugar, política.

Não vale a pena falarmos muito sobre a humidade ou o vento ou sobre gente mal-intencionada, porque estes vão sempre existir. Importa sim, saber porque os governantes, sabendo tudo isto, permitem que os incêndios se repitam em todos os verões nos mesmos moldes. Trata-se de um crime. Um crime também perpetrado pelo laissez-faire, laissez-passer de quem tem governado este país. Uma ação negligente que tem funcionado como o oxigénio que alimenta os incêndios.

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Não podemos passar a vida a pôr as culpas no aquecimento global, se o admitimos como uma realidade. Não podemos passar a vida a suspeitar dos madeireiros, dos exploradores de lítio, dos caçadores, dos fabricantes de aviões Canadair e de equipamentos de combate a incêndios. Não podemos passar a vida a queixarmo-nos dos eucaliptais, da falta de biodiversidade das nossas florestas, da desertificação do interior do país, alegando que se a agricultura familiar ou a pastorícia ainda existissem, como em outros tempos, nada disto acontecia. Se se diz, é porque se sabe o que está na origem dos incêndios. Então, a pergunta que se impõe não é quais as causas, mas sim porque nunca se agiu para resolver o problema uma vez que as causas são mais que conhecidas.

Os governantes existem para antecipar cenários e agir em conformidade. Porque não agem?

Mais perverso ainda, é que passado o “calor” do momento, com conferências de imprensa, com condolências aos familiares dos mortos, com discursos de circunstância a destacar a bravura de quem deu a vida para salvar vidas, o assunto “incêndios” cai no esquecimento.

Quem está a ganhar com isto tem as costas quentes, não do fogo, mas destes “governantes piquenique” que prometem mundos e fundos em época de eleições, incluindo aos sempre sacrificados e criticados bombeiros, e depois do voto na urna ficam tão convenientemente amnésicos!

É hora, sem complacência, de os responsabilizar por anos sucessivos de crime!

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