Editorial

Os lares de idosos e a hipocrisia do Estado
Picture of Damião Cunha Velho

Damião Cunha Velho

Partilhar

Esta semana ficamos a conhecer as condições deploráveis em que idosos de um lar da Lourinhã estavam a viver. E trata-se de um lar legal, o que já de si é grave.

Acontece que em Portugal há centenas de lares ilegais e, como tal, sem qualquer supervisão, o que nos faz acreditar que milhares de idosos podem estar a sofrer maus-tratos.

Não é um exercício especulativo até porque a cada passo a comunicação social noticia uma tragédia em que todos ficam indignados, mas em que tudo logo se esquece a seguir.

Interessa, por isso, perceber até que ponto o Estado é corresponsável nesta vergonha.

 

Sabemos que, hoje em dia, os lares de idosos são fundamentais e indispensáveis. São-no porque a sociedade está organizada de uma forma bem diferente de há uns séculos a esta parte.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

As famílias não vivem todas na mesma casa como no passado, em que os mais velhos iam sendo amparados pelos mais novos da família.

Esse ciclo quebrou-se desde a Revolução Industrial. As pessoas trabalham, as mulheres trabalham e ainda bem.

Este facto impede que os filhos possam estar com os pais a tempo inteiro e já com os próprios filhos é complicado. Sai-se de casa bem cedo e quando se regressa a casa quase só há tempo para o jantar, banho e cama.

 

Este modelo de sociedade tem de ser repensado para o bem de todos até porque existe vida para lá do trabalho.

E a família, independentemente do seu formato, é extremamente importante na ordem social, idosos incluídos.

 

Sendo que é esta a realidade, imutável da noite para o dia, os lares de idosos desempenham um papel essencial na sociedade atual.

É claro que existem lares e lares. Lares de excelência, lares que deixam muito a desejar e os lares ilegais de que ninguém fala.

 

O Estado é extremamente rigoroso com os lares legais. Tudo tem de ser pensado ao detalhe no que concerne ao conforto, à segurança, aos cuidados médicos e de enfermagem, alimentares e muitos outros. Daí não perceber como esta situação no lar da Lourinhã tenha acontecido. Fica-se com a ideia que alguém a quem competia fiscalizar possa ter beneficiado com isto.

Há um excesso de zelo para com uns e uma cegueira comprometedora para com outros.

 

Muitos abusos acontecem infelizmente nos lares legais, como vimos neste caso, já dos ilegais ninguém sabe porque não existem no papel.

 

Só que o Estado sabe que eles existem, mas nada faz porque se tivesse de fechá-los de repente, ficava com um problema enorme nas mãos.

O que fazer com esses idosos?

 

Se assim é, então, o Estado aproveita-se destes lares para benefício próprio. Faz de conta que eles não existem e, assim, consegue ter umas estatísticas melhores, que só contemplam os lares legais. Porém, muitas coisas tenebrosas acontecem com os utentes desses lares. E o Estado também sabe, mas fecha os olhos.

 

E é este fechar de olhos que me incomoda.

Pois trata-se de pessoas idosas, fragilizadas, sem poder reivindicativo, que o Estado tem obrigação de proteger.

É exatamente para isso que o Estado existe: para proteger os mais vulneráveis.

 

A agir assim, o Estado é conivente com situações de maus-tratos e com a precariedade de uma geração que muito contribuiu, à sua maneira e dentro das suas possibilidades, para o país.

Estas pessoas não são descartáveis. A maioria são filhos da pobreza, que levaram uma vida difícil e que irão morrer na indignidade, na miséria.

 

É por isso que eu digo que o Estado é hipócrita. Entrega à ilegalidade aquilo que é da sua competência.

E, um Estado, que se aproveita da ilegalidade, é ele próprio, para além de imoral, ilegal!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Mais
editoriais

Junte-se a nós todas as semanas