O avô paterno era alto, loiro e de olhos azuis. A avó era branca como a neve, cabelo preto e uns olhos grandes negros e profundos.
Era sabido por todos os filhos, os de cabelos loiros, castanhos, pretos e um ruivo, que ninguém conseguia mentir à avó. A avó olhava nos olhos dos filhos, agarrando-lhes nas mãos e só olhava, nem era preciso falar.
A casa onde todos habitavam, era no largo da feira, no centro da freguesia e ficou de herança para 4 dos oito filhos do casal.
A parte da casa cujo quintal se abrigava, à sombra desta maravilhosa Nogueira, ficou para o pai daquela menina das outras histórias.
A Nogueira fazia parte da vida da família, devia ter duzentos anos, ou mais, quando morreu.
Então se o pai da menina nasceu em em 1907 e era o mais novo de oito filhos, é só fazer as contas.
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Morreu de pé, como todas as árvores, e ninguém tinha coragem de a cortar.
Assistiu a casamentos, baptizados e funerais.
Viu festas, muitas festas!
Festas das colheitas, vindimas, matança dos porcos e dos vitelos, Páscoas e Natais e até cantares à desgarrada. Ouviu, e viu tertúlias e discussões políticas, e sobretudo assisitu às mais bonitas palavras de amor de vários casais, que usavam sentar-se no banco de pedra que estava encostado a ela.
Obviamente todos os enamorados, eram observados religiosamente, através das cortinas, nas janelas da casa, viradas ao terreiro.
O avô era médico tal como o bisavô.
Fazia muitas consultas sem nada receber. Mas no Natal não faltavam perus oferecidos para o dia 25.
E na Páscoa os cabritinhos até faziam fila.
Quando os doentes não podiam sair de casa, era o avô que se deslocava.
Na charrete com o seu auxiliar, ou numa égua mansa, que até baixava o pescoço e dobrava a pata dianteira para o avô subir.
A menina das outras histórias, foi a última dona, desta Nogueira.
A tal menina, a quem o pai morreu, quando ela tinha quatro anos, deve ter ficado tão marcada, com o sofrimento e recolhimento da mãe, que ainda hoje, tem bem presente, memórias, aromas e imagens muito nítidas, de uma primeira infância, muito sofrida.
Lembra-se muito bem, de uma tia de cabelos brancos, muito inteligente, e sempre interessada, sobre o efeito preventivo e curativo das plantas.
Pois é, a menina e essa tia passaram tardes, a conversar à sombra dessa Nogueira.
A tia falava dos avós, que a tal menina não tinha conhecido.
Dos tios, das suas profissões e hobbies da época. E principalmente adorava contar, à sobrinha mais nova, que tinha perdido essas vivências, todas as histórias, com todos os pormenores.
Uns filhos praticavam a caça, outros pesca e ainda outros o tiro com arco e flecha. Jogavam futebol, corriam e nadavam.
De Inverno faziam longos e complicados jogos de cartas, xadrez e damas à lareira.
As raparigas eram dadas, ao bordado a ponto de cruz e bainhas abertas, em longos traços de linho.
Outras adoravam ler e escrever.
E a de cabelos brancos, para além de ser uma leitora exigente. Escrevia muito bem, e ainda registava, todas as características e efeitos curativo das plantas.
Um dos tios que era Farmacêutico, registou a patente de uma pomada, que surtia grande efeito no eczema e problemas cutâneos.
Uma das tias loira, de olhos azuis e a mais pequenina de todas, adorava fazer doces.
A morena adorava animais, inclusive répteis. Chegou até a salvar três crias de raposa, até terem idade para sobreviverem sozinhas.
A tia de cabelo castanho, fazia licores dos vários frutos que existiam na quinta.
No banco de pedra, debaixo da Nogueira, a menina sonhava e imaginava tudo aquilo.
Até descobriu que o tio mais velho, foi preso em Coimbra, enquanto estudante universitário. Porque no ano de 1910, terá dito ” Viva a Monarquia”, no dia da Implantação da República.
Saiu uns dias depois da cadeia, com uma enorme reprimenda, e um grande discurso às costas, para mostrar ao pai.
A tia também falou do pai da menina.
Disse que ele adorava aves, e que “destravava”, cortava uma zona, dentro do bico de algumas aves, pondo-as a imitar alguns sons.
Um dia a tia levou-a ao escritório, e mostrou-lhe livros de medicina muito antigos, que pertenciam ao seu bisavô.
Os vários almofariz feitos de vários materiais, que serviam, para macerar e misturar plantas, para fazer pomadas medicinais.
A parte da família da farmácia, ainda hoje tem uma pomada, cuja patente foi registada.
Naquele escritório/ consultório, havia um esqueleto, muitas prateleiras cheias de livros grandes e pesados, e muitos frascos de vidro com umas coisas lá dentro.
A menina perguntava e a tia explicava, que “aquelas coisas” estavam em formol e mostravam o nascimento e crescimento de uma rã, uma cobra e um coelho. Viu ainda num outro frasco, o coração de um porco, e até um morcego empalhado.
Chegava a hora do lanche, e a menina passava debaixo do arco das rosas de Santa Teresinha, e ia lanchar com a mãe.
Enquanto lanchava, contava as suas aventuras, a mãe ficava arrepiada e a menina encantada.
Depois ia até à Nogueira e contava- lhe tudo, tudinho o que tinha visto e ouvido.
No fim, escrevia uns sarrabiscos num papel, e escondia os segredos, num buraquinho da árvore.
Ela era tão linda, tão larga, e alta que a menina achava que ela era um gigante bom. O seu gigante!
Um dia infelizmente a maravilhosa nogueira da menina, morreu!
E quando isso aconteceu a menina/mulher chorou!
Mas nunca, nunca a esqueceu!