Editorial

PÁTRIA AMADA
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Joaquim Letria

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Joaquim Letria

A minha Pátria Amada não se pode circunscrever só à língua portuguesa. Alargando o território da Pátria, para nele caberem, a par da gramática, a liberdade e a justiça, posso então compreender o exílio em Lancelote  de José Saramago, o regresso tardio de Eduardo Lourenço, a persistência londrina de Paula Rego, o apego parisiense de Manuel Cargaleiro e as visitas ocasionais de António Damásio.

Só pela relação entre o mal que se sofre e o bem que sabe se pode entender completamente a injustiça de Luandino em Cerveira, Pepetela no Porto, Craveirinha em Sintra, Mia Couto em Lisboa. Também para eles a língua portuguesa não é uma Pátria Amada. É um instrumento que concede um visto consular. Não é uma certidão de nascimento narrativa completa. É uma gramática, uma sintaxe, uma arma branca para suportarem a retórica e resistirem às vicissitudes burocráticas dos revisores da História.  

Quando há anos Rosa Casaco, o inspector da polícia política da Ditadura, veio a Portugal e deu uma entrevista, a fingida indignação pela visita dum PIDE não foi verdadeira. Foi apenas a raivinha de quem se vê descoberto nas cumplicidades escondidas com que se compra a brancura dum passado mil vezes apagado a borracha e rescrito sobre o alvo corrector com que se borraram compromissos e esconderam indignidades.

Até agora foi como se o fascismo não tivesse existido. Os demónios são ainda o Gonçalvismo e o Cavaquismo, um e outro alibis de mau pagador, de arrependidos da História, de ”pintados de fresco”, de almocreves de regimes, de comissionistas do situacionismo de turno.

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Reciclados em cursos intensivos, “work shops” e cursillos da política festiva, servis trintanários, subservientes serventuários de poderosos capazes de farejar as mudanças, jamais deixaram de se servir desse território que é a Pátria Amada, qualquer que sejam as regras gramaticais e o sotaque dominante. Nas línguas e dialectos com que se apresentem, por mais vítimas do gonçalvismo ou espoliados do cavaquismo que se arvorem e apresentem, nunca deixarão de ser os bastardos do fascismo. Muito simplesmente.

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