PENHORA DE SALÁRIO

Em consequência de um sistema de acesso descomplicado e desburocratizado ao crédito, que vigorou no nosso país durante anos, e face à actual conjuntura económica, são muitos os portugueses que hoje têm os seus salários penhorados. Apesar do problema ser relativamente comum, ainda parecem subsistir algumas dúvidas sobre as regras legais existentes neste contexto, nomeadamente saber se as impenhorabilidades prescritas na lei foram salvaguardadas, em cada caso concreto. É também comum, o executado desconhecer as medidas que pode encetar com vista a tentar diminuir o valor objecto de penhora, mesmo que o valor penhorado seja o legalmente previsto.

A lei refere que são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.

Para apurar a parte líquida das prestações referidas apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios. O Agente de Execução que ordena a penhora toma em consideração os descontos, sendo os mesmos logo aplicados no cálculo do salário líquido e, consequentemente, no cálculo do montante passível de penhora.

Uma vez notificada para proceder à penhora, a entidade empregadora tem que, no prazo máximo de 10 dias, remeter ao Agente de Execução o último recibo de vencimento do executado. Só através da análise do recibo é possível ao Agente de Execução efectuar o cálculo dos valores a penhorar ou verificar que o salário é impenhorável. Sendo o salário penhorável, a entidade empregadora obrigatoriamente efectua o desconto (normalmente 1/3) no salário do trabalhador/executado e procede ao depósito em instituição de crédito, à ordem do Agente de Execução. Refira-se que, uma vez notificado para proceder à penhora, se o empregador nada fizer, o Agente de Execução informa o exequente, podendo este executar o próprio empregador que poderá vir a assumir a posição de executado no processo.

Se o executado/devedor não tiver outro rendimento além do que é objecto de penhora, a lei prevê que receba, no mínimo, um valor equivalente a um salário mínimo nacional, ou seja, 530€. Deve salientar-se que é mesmo este valor que o executado tem que receber e não o salário mínimo nacional após a efectivação dos descontos legais. Embora a lei não esclareça cabalmente esta questão, a verdade é que é este o entendimento generalizado dos nossos tribunais.

No entanto, a lei também prevê uma situação em que o executado pode ficar privado de receber um ordenado equivalente ao salário mínimo nacional. Na verdade, quando a dívida exequenda tiver origem no incumprimento de uma prestação de alimentos, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, ou seja, na prática o executado pode ver penhorado tudo o que exceder 199,53€ (valor reportado a 2015).

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Por outro lado, no máximo, o executado não pode ficar com mais do que o correspondente a três salários mínimos nacionais.

O cálculo é feito com base no somatório dos créditos salariais, deduzindo os descontos obrigatórios.

Apura-se o salário líquido do trabalhador, somando-se todos os créditos salariais (vencimento, trabalho suplementar, outas subvenções, comissões, subsídio de refeição, subsídio de risco, etc.) e deduzem-se os descontos obrigatórios (IRS e segurança social).

Efectuados os cálculos, se resultar um valor inferior a 530 euros (salário mínimo nacional em 2016) não pode ter lugar a penhora. Se o resultado for superior a 530 euros calcula-se o valor impenhorável (2/3) e o remanescente (1/3) é penhorado. Nos casos em que os 2/3 penhoráveis forem superiores a três salários mínimos (3 x 530 euros) penhora-se o valor acima dos 1590,00 euros.

Exemplos:

1) Salário líquido de 550 euros: 550 – 530 euros impenhoráveis = 20 euros penhoráveis.

2) Salário líquido de 1 000 euros: 1 000 euros x 2/3 = 666,66 euros impenhoráveis e 333,33 euros penhoráveis.

3) Salário líquido de 3 000 euros: 3 000 euros x 2/3 = 2 000 euros (>1590,00 euros impenhoráveis); 3 000  – 1590 euros = 1410,00 euros penhoráveis.

A Câmara dos Solicitadores disponibiliza um simulador online para calcular a penhora de salários no endereço:

https://www.solicitador.org/CE/#/penhoraSalarios

Convém salientar que, na maioria dos casos a penhora é realizada antes da citação do executado, ou seja, sem que este tenha sido avisado de que contra si pendia uma execução. Isso depende da forma processual em causa (processo ordinário ou sumário), do título executivo do qual o credor lançou mão para intentar o processo de execução e do próprio valor da acção.

O trabalhador/executado que tenha o seu salário penhorado dispõe dos seguintes meios de reacção:

– quando receber a citação após penhora pode opor-se à execução e/ou à penhora. Os fundamentos e os prazos são diferentes para cada uma das oposições. Haverá, por exemplo, motivo para se opor à execução se o devedor considerar que a dívida não é devida. Por seu turno, poderá existir motivo para uma oposição à penhora se esta, por exemplo, exceder o valor que é legalmente permitido, de acordo com os exemplos mencionados supra. Assim, poderá eventualmente apresentar uma oposição à penhora se ainda estiver dentro do prazo e se, por exemplo, o credor não tiver salvaguardado o salário mínimo nacional (530€).

As oposições, deverão ser sempre apresentadas por mandatário judicial (Advogado ou Solicitador) que represente o executado, sendo que na maioria das situações devido ao valor da dívida é obrigatória a constituição de um advogado;

– Pode requerer ao juiz do processo a redução do valor penhorado (de 1/3 para 1/6);

– Pode requerer ao juiz a isenção da penhora por um determinado período de tempo (que não poderá exceder 12 meses).

Tanto o pedido de redução, como o pedido de isenção de penhora, terá em consideração as condições de vida do executado e pressupõe certos requisitos legais (terão que ser efectuados por escrito, através da apresentação de um requerimento, devendo o requerente anexar ao mesmo elementos de prova que justifiquem a sua situação de carência económica);

– Pode contactar o Agente de Execução ou o mandatário do credor/ exequente para tentar celebrar um acordo de pagamento em prestações. Quando é celebrado um acordo de pagamento, o exequente/ credor aceita que a penhora de vencimento fique suspensa até ao término do acordo de pagamento.

– Nos casos mais gravosos em que os executados já tem várias execuções em curso e/ ou várias penhoras de bens, poderão apresentar-se à insolvência e, quiçá, beneficiar da figura da exoneração do passivo restante.

Existem também alguns mecanismos de apoio destinados a auxiliar os executados em situação de sobreendividamento, nomeadamente centros de arbitragem e as entidades que prestam apoio nessas situações de excesso de endividamento.

Janine Azevedo Soares

Advogada e Agente de Execução

geral@minhodigital.pt
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