Poder Local Democrático: Reordenamento: Reorganização Territorial e Administrativa

Diamantino Bártolo

Escritor

A posse privada de um qualquer bem, por parte de uma pessoa, tal como a posse pública, por parte de uma entidade, para o efeito designada e legalmente competente, implica definir qual o objeto ou bem que é privado ou público e estabelecer as regras para a sua aquisição, manutenção e alienação.

Este princípio funciona numa sociedade que defende a propriedade privada, a separação entre o público e o particular e que, na circunstância, constitui um direito inalienável, tal como a liberdade, a segurança e a referida propriedade privada que, já nos séculos XVIII e XIX, muitos autores defendiam.

O ordenamento do território, implica, obviamente, tal separação, nos termos dos direitos público e privado, aliás, a título exemplificativo, verifica-se esta situação em relação ao domínio público marítimo, cuja delimitação com o domínio privado está fixada na Lei, bem como as condições do reconhecimento dos bens privados – propriedades rústicas e/ou urbanas – confinantes com o domínio público marítimo.

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Igualmente se verifica, relativamente à delimitação entre freguesias, vilas, concelhos, cidades, distritos e províncias, sendo certo que a indefinição, e/ou a ausência da fixação de limites físicos territoriais originam problemas de jurisdição para diversas instituições: forças de segurança, tribunais, finanças, registos civil, comercial e predial, paróquias, entre outras, tudo isto para além dos inconvenientes e prejuízos para as populações, com a agravante de provocarem conflitos, por vezes de consequências imprevisíveis e/ou drásticas, entre freguesias, ou então decisões judiciais que colocam as populações vizinhas de “costas voltadas” como tem ocorrido, veja-se, por exemplo, os conflitos existentes, levados a tribunal por alguns Conselhos Diretivos de Baldios, em vários pontos do país.

São situações que geram instabilidade, desavenças, gastos evitáveis, pagos com os recursos financeiros do erário público, este constituído pelos impostos dos contribuintes, implicando sobrecarga para os tribunais, perdas de dias de trabalho das pessoas envolvidas.

Eventualmente, situações mais graves levam aos confrontos verbal, psicológico e físico, com consequências imprevisíveis para as instituições e/ou pessoas que originam tais conflitos, mesmo que sob a meritória preocupação e as mais nobres intenções de defender interesses que julgam ser os da sua freguesia e/ou instituição.

 

Realizado o (re) ordenamento e a (re) organização territorial, a (re) atualização e (re) adequação administrativas dos diversos serviços públicos e, em certas circunstâncias, privados, torna-se mais fácil devolver às populações a boa convivência, uma saudável vizinhança, a paz e felicidade sociais, bem como maior comodidade e redução de custos, desde logo, nas deslocações para centros mais distantes, a fim de tratar dos assuntos que o próprio Estado, através das leis e dos  vários departamentos, autarquias incluídas, impõe aos cidadãos.

A partir do levantamento, ainda que provisório, dos limites do município, em consenso com os concelhos limítrofes, será mais fácil avançar-se para as delimitações das respetivas freguesias de cada concelho, afigurando-se conveniente um trabalho preparatório, informal: primeiramente com o Presidente da Câmara (Prefeitos) e as suas freguesias; depois, entre os Presidentes das Câmaras dos municípios confinantes. Em princípio, os autarcas das freguesias, por si sós e/ou com a ajuda de cidadãos mais habilitados, são as pessoas que melhor conhecem os limites das suas freguesias.

Como metodologia de trabalho, entre outras, provavelmente melhores, porém, agora, como reflexão, base de trabalho e debate crítico, pode-se sugerir a formação de comissões alargadas, a nível das freguesias, constituídas pelos membros da Junta de Freguesia, Assembleia de Freguesia, Conselho Diretivo dos Baldios, Comissão Fabriqueira e Pároco, Conselho de Anciãos, ex-presidentes de junta, associações de caçadores, etc.

Naturalmente que não se defende Comissões com elevada quantidade de membros, mas sim com a melhor qualidade, através dos representantes das diversas instituições, indicados por estas, de que podem resultar comissões funcionais, ágeis e com grande capacidade de decisão.

Trata-se, também, neste domínio, da participação democrática, transparente e leal entre cidadãos que, civilizadamente, defendendo os interesses das suas aldeias, não entrarão em conflito, nem reivindicações estéreis com os seus vizinhos, porque em boa verdade: “mais cem metros, menos cem metros quadrados de terreno árido e sem grande utilidade”, não vai afetar o património de ninguém.

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Claro que se poderia invocar a possibilidade de existência de riquezas, tais como: jazidas de ouro; petróleo; gás, ou qualquer outro recurso natural valioso, precisamente, naqueles cem metros quadrados, se isso fosse possível. É evidente que nestas circunstâncias só estudos científicos e técnicos de prospeção poderiam tirar todas as dúvidas e ajudar na delimitação territorial.

Neste domínio, na medida do possível, e observando a legislação vigente aplicável, ouvidas as populações e as entidades competentes, poder-se-ia analisar as alternativas que se apresentariam ao nível do Plano Diretor Municipal, no que concerne à especificação das diversas áreas naturais, em função da respetiva morfologia dos solos, e a melhor aplicação dos mesmos, não só em termos da máxima rentabilidade dos próprios, como também da adequada valorização da propriedade privada e, naturalmente, pública.

Por isso, e neste contexto, os pareceres, estudos e sugestões dos técnicos especialistas são imprescindíveis para as decisões legais, fundamentadas, legítimas, justas e oportunas, a serem tomadas pelo poder político.

 

Tomar decisões constitui uma das competências de quem administra, mas é necessário ter o máximo cuidado, nomeadamente, rodeando-se de bons técnicos, bons conselheiros, e ter forte sensibilidade para as questões sociais, ambientais e patrimoniais, entre outras, na medida em que: «Muitas pessoas tomam suas decisões puramente no palpite. Elas confiam em sua intuição – muitas vezes apoiadas em experiência anterior – para guiá-las para a correta decisão. (…) O moderno administrador, no entanto, não se apoia em palpites. Ele coleta o máximo de informação possível sobre o seu problema. Na base desta informação, várias alternativas são projetadas: a decisão que deve ser tomada é realmente uma escolha entre estas alternativas.» (CARNEGIE & ASSOCIADOS, (1978:77).

Reordenar o território concelhio, implica, portanto, tomar decisões que, não violando a Lei, possam satisfazer as legítimas aspirações das populações e favorecer certos aspetos paisagísticos, ambientais e caracterização de uma determinada localidade, incluindo-se, aqui, o tipo de arruamentos, construção de moradias e património arquitetónico. A terra de naturalidade de uma pessoa constitui parte do seu próprio património, é nela e com ela que a pessoa melhor se identifica, e que a partir dela se desenvolve.

Nesta linha de raciocínio, obviamente, apenas uma, de muitas outras possíveis, considera-se oportuno rentabilizar, por exemplo, certos terrenos, públicos e privados, que estando totalmente servidos pelas principais infraestruturas – acessos, água, eletricidade, linha telefónica –, destinando-os à construção de moradias unifamiliares, respeitando-se aqui as características e tradições, na circunstância, alto-minhotas, onde predomina a casa de habitação, com os seus tradicionais quintais nomeadamente: horta, pomar e jardim, cultivados e embelezados, respetivamente, contribuindo-se, também, para a fixação das pessoas à sua terra natal e/ou de opção, valorizando-se os patrimónios natural e construído, porque de contrário o que se vem assistindo é ao abandono das terras, nas quais crescem o mato, a vegetação daninha e a proliferação de insetos e outros animais nocivos à salubridade, higiene e saúde públicas

Neste aspeto, importa referir, igualmente, o ordenamento florestal, bem como a respetiva limpeza das matas, que a não se verificar, o aumento significativo das probabilidades de incêndios é uma consequência dos descuidos e falta de limpeza destes espaços, de que resultam, quantas vezes, graves acidentes, como os que se verificaram com os incêndios de junho de 2017, em Pedrógão Grande e outras localidades, tendo sucumbido 64 pessoas,  e cerca de 200 feridas, algumas com muita gravidade, admitindo-se que uma ou outra venha a falecer.

É notório que muitos jovens casais, não obstante os seus pais possuírem terrenos nas localidades onde vivem, são obrigados a abandonarem a aldeia de naturalidade, indo viver para apartamentos, quantas vezes de dimensões minúsculas, pagando elevadas rendas, numa vila ou cidade e contribuindo: por um lado, para uma maior pressão urbana; por outro lado, aumentando a desertificação das freguesias portuguesas.

 

O PDM – Plano Diretor Municipal -, instrumento privilegiado e de excelência para o ordenamento e organização territoriais, deve contemplar, justamente, todas as situações que contribuam para o desenvolvimento e bem-estar das populações, que na sua esmagadora maioria gostam (e têm esse direito) de ver o seu património bem aproveitado, rentabilizado e valorizado.

Paralelamentea muitas decisões que visam combater o analfabetismo, a falta de formação, suprir a carência de bons sistemas de saúde, também é necessário pensar nos jovens e no seu futuro que envolve: a educação, a formação, o emprego e, sempre o velho mas atual problema, a habitação.

Prometer-lhes, aos jovens, por exemplo, a disponibilização de serviços e recursos modernos, ao nível das tecnologias da informação e comunicação é, eventualmente, importante, mas dar-lhes a oportunidade de poderem construir a sua própria moradia, do tipo unifamiliar, num terreno que seus pais lhes oferecem, ou que herdam, podendo a família ficar mais próxima e unida, parece uma medida de grande alcance social e, em muitos casos, de inquestionável humanismo.

Com estas preocupações, o gestor autárquico com competência para o efeito, deverá tudo fazer, dentro da legalidade, para que os patrimónios, privado e público, sejam melhor direcionados e usufruídos.

Com esta filosofia, impõe-se a alteração, onde e quando necessária, ao Plano Diretor Municipal, para que, em terrenos confinantes, com infraestruturas já existentes e/ou a adaptar para o efeito, seja possível a construção de moradias unifamiliares, para habitação permanente, em condições a regulamentar, justamente para se evitar a desertificação e a especulação imobiliária

A (re) organização territorial envolve, seguramente, muitos outros aspetos, nestes se incluindo os espaços naturais para lazer das pessoas, mas também aqueles que respeitam as carências de outros elementos da natureza, como locais próprios, por exemplo para: nidificação de certas espécies cinegéticas; preservação das zonas húmidas e linhas de água para desova das espécies piscícolas; (re) ordenamento da floresta; construção e/ou reparação das vias de acesso e de circulação, para, e em tais locais, se melhorarem e realizarem trabalhos de manutenção, mas também as ações de fiscalização por parte das entidades competentes.

Não se pretende, nesta reflexão, abordar toda a problemática dos: (re) ordenamento, (re) organização territorial e administrativa, até porque os conhecimentos nestes domínios são insuficientes. Deseja-se, isso sim, sensibilizar quem de direito para estes temas e, na medida do possível, serem tomadas as decisões e implementar as medidas que se impõem.

 

Bibliografia

BARTON, Anthony, (1975). A Formação do Executivo. Tradução, Roberto Cataldi. S. Paulo: Difel

CARNEGIE, Dale & ASSOCIADOS, (1978). Administrando Através das Pessoas. Tradução, Ivan Zanoni Hausen. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército – Editora

DIMOCK, Marshall E., (1967). Filosofia da Administração. Tradução, Diógenes Machado e Arnaldo Carneiro da Rocha Netto. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura – Brasil-Portugal

RESENDE, Énio, (2000). O Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Auto-Ajuda para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark

TORRE, Della, (1983). O Homem e a Sociedade. Uma Introdução à Sociologia. 11ª Edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional

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