Editorial

Por que não nascem crianças em Portugal? 

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Damião Cunha Velho

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Portugal tem um problema grave de natalidade. A continuar a tendência das últimas décadas, em que morrem mais pessoas do que as que nascem, seremos, no final deste século, apenas 4 milhões de portugueses, todos idosos.
Sabendo que sem nascimentos não haverá no futuro mão de obra suficiente para manter a sociedade a funcionar e nem quem faça descontos para pagar as reformas a esses 4 milhões de idosos, a pergunta que se impõe é: “Por que não nascem crianças em Portugal?”. Questão crucial dado o impacto social que terá e daí a necessidade de inverter esta tendência. 

Na geração anterior à minha, as mulheres eram mães logo que podiam, aos 20 anos já tinham mais que um filho. Na minha geração, com a possibilidade de estudarem e trabalharem, as mulheres só depois de consolidarem a sua carreira profissional é que decidiam ser mães, depois dos 30 e algumas já perto dos 40 anos. Hoje, tudo isso mudou, a vida mudou tanto em tão pouco tempo que a maioria dos casais só têm um filho, e muitas mulheres e homens decidiram nem sequer ter filhos. A pirâmide inverteu-se, dois geram menos que dois ou mesmo nenhum.
São várias as razões que convergem para este fenómeno: a emancipação da mulher, a instabilidade no emprego, o elevado custo de vida e um futuro cada vez mais imprevisível para os eventuais progenitores. A exigência no trabalho sobre as mulheres é cada vez maior, sem correspondente reconhecimento pela sua função social e respetivos direitos, a exigência sobre os homens é igualmente stressante. Segundo um estudo citado por Ângelo Correia, os custos com uma criança desde o seu nascimento até à saída da casa dos pais, aos 30 anos em média em Portugal, rondam os 300 mil euros, somando as despesas em educação, saúde, alojamento, vestuário… tudo. Os empregos e as profissões já não são para toda a vida, a constante do futuro será a inconstância e pôr no mundo uma criança, sem saber o que a espera, assusta.

Podem ser estas as razões que explicam a redução brutal da natalidade nas últimas décadas. Porém, existe uma que não vejo ser referida ou discutida e que me parece ter uma relação muito pertinente com o facto de hoje poucos desejarem ser pais. Refiro-me à forma como os jovens percecionam a vida.
No passado, por influência das religiões, as pessoas entendiam que esta vida era uma passagem para a vida eterna. Fazer o melhor nesta vida (secundária), incluindo “crescei e multiplicai-vos” era o que garantia o acesso à verdadeira vida, a vida depois da morte. Uma vida plena de felicidade para sempre junto do Criador.
Agora, a maior parte dos jovens não têm religião, não se orientam por um livro de regras divinas ou pelos ditames dos mentores eruditos a quem sempre se obedeceu. Se a têm, não a seguem à risca. Deus deixou de ser a verdadeira fonte de autoridade que passou a ser a voz interior de cada indivíduo, os sentimentos de cada um. Nesta medida, os jovens acreditam que são seres únicos, que esta é a única vida que têm e, como tal, entendem que é imperioso aproveitar ao máximo o que ela lhes permite disfrutar. Todos querem viver vários amores, conhecer todos os cantos do mundo, ter as experiências mais variadas, com um elemento comum: sem compromisso.
É este “indivíduocentrismo” que caracteriza a época humanista liberal em que vivemos, depois de épocas centradas em Deus e no Homem enquanto entidade coletiva. Deus passou a ser uma ideia abstrata, pensa-se pela própria cabeça e, se algo dá prazer, é para fazer. No fundo, sentir integralmente tudo o que é humano com o menor custo.

Reparem que já são muitos os que assumem publicamente, com orgulho, a sua orientação sexual, aquilo que querem fazer na vida e da vida, onde, como, quando e com quem querem viver, independentemente da aprovação da sociedade. Uma sociedade que também ela mudou. Antes balizava os comportamentos individuais, agora é sobretudo o conjunto das vontades de cada um. Há fenómenos sociais que espelham isso mesmo. Por exemplo, há quem abandone uma carreira de sucesso para ir viver isolado em comunhão com a natureza, há adultos que decidem mudar de sexo não porque tenha mudado a sua orientação sexual, mas porque querem experimentar coisas diferentes ou há quem faça cirurgias estéticas para ser ainda mais singular. O futuro será assim, as pessoas serão entidades únicas e personalizadas.
Em síntese, os indivíduos das novas gerações não têm Deus, acham-se únicos, acreditam que só existe esta vida e entendem que devem tudo fazer para satisfazer os seus pensamentos, emoções e sensações através do maior número de experiências possíveis. Os jovens não querem ficar amarrados a algo que é imensamente trabalhoso, dispendioso como a maternidade ou a paternidade. Ninguém, desta faixa etária, quer ficar prisioneiro das consequências de uma experiência que condiciona de forma irreversível todas essas outras experiências que eles tanto desejam. Por isso, entre ter filhos ou não ter, a opção é não ter para poder viver ao máximo, numa espécie de liberdade suprema, absoluta e imprescindível, quase mitológica, porque tudo isto vai acabar um dia. Então, entretanto, há que aproveitar! 

Isto é absolutamente novo do ponto de vista sociológico. 

Como mudar esta realidade? Julgo que só com medidas que considerem todos os fatores, com especial atenção para este novo paradigma, que eu acredito ser o motivo maior para que não nasçam crianças. 

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Se me perguntarem que medidas em concreto, tendo a responder como quase sempre responde um dos homens mais inteligentes deste país, o patologista Sobrinho Simões: “Não sei!”

3 comentários

  1. UM ARTIGO PARA SER LIDO E PAUSADAMENTE. UMA EXTRAORDINÁRIA REFLEXÃO. FICA UMA PERGUNTA: O QUE SERÁ DO FUTURO ? CABE-NOS CUMPRIR A RESPONSABILIDADE PELA CONTINUAÇÃO DA FAMÍLIA, EM RESPEITO AOS QUE NOS DERAM A OPORTUNIDADE DE PASSAR POR ESTE MUNDO. SOMENTE ASSIM CAMINHAREMOS PARA A IMORTALIDADE MERECENDO O APREÇO DE NOSSOS DESCENDENTES. Antônio J C da Cunha

    1. Não há futuro sem família. A família é o elemento fundamental da sociedade, independentemente do tipo de família. São as famílias que verdadeiramente educam e perpetuam os valores universais e intemporais e por conseguinte criam a ordem social.
      A felicidade individual e a paz colectiva só existem enquanto existirem famílias, sem família o indivíduo vive numa ilusão de felicidade, se a tem, que acabará quando ficar doente ou velho!
      Obrigado por ter lido e apreciado o meu artigo. Abraço.

  2. O problema é complexo, mas há factos que ajudam a compreender. Os 300 000 euros referidos pelo estudo convenceram o Partido Socialista (no poder desde 1995 – os dois intervalos foram condicionados pelo défice excessivo e pela pre-bancarrota) que seria melhor reduzir a natalidade e facilitar a vinda de imigrantes; nesse sentido, António Costa apressou-se a facilitar o aborto (pena de morte, segundo a ciência) e a anular as vantagens fiscais para os casais com filhos, do anterior governo; o estado das urgências de obstetrícia também ajudam…

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