Para quem, não sendo de cá, entra em Ponte da Barca e se depara com uma vila tão bonita, com um rio – o Lima – extraordinariamente belo, não compreende a razão de as suas ruas estarem praticamente desertas em pleno dia. Não compreende porque uma vila que tem tudo para estar alegre está triste.
Se repararmos, esta vila, que já teve em tempos outra dinâmica graças a gente com visão, tornou-se praticamente num dormitório da vila vizinha. Uma grande parte das pessoas trabalha nas zonas industriais de Arcos de Valdevez, que Ponte da Barca não tem, e vêm passar a noite a Ponte da Barca somente porque as rendas das casas são mais baratas. Pouco mais do que isso fazem aqui. Os comércios e os cafés, tirando os clientes habituais, que já não são muitos, parecem mendigos de mão estendida à espera de uma esmola.
Volta e meia a Câmara Municipal lá dá um jeito nos jardins, nas rotundas, no paralelo que se tira à estrada e depois se volta a pôr, coloca uma nova sinalética, agora mais colorida como pó de arroz que um dia o vento levará. Nada de estratégico. Nada que atraia investimento, crie riqueza, estimule os jovens a ficarem ou que seduza outros a virem, a constituírem família, e aqui viverem no sentido pleno do termo.
É uma pena que os últimos dinheiros da União Europeia não estejam a ser gastos de forma a que quem de fora nos olhe não fique atraído por mais do que uma simples visita, visita que provavelmente não se virá a repetir. Criar riqueza tem que ser o objetivo primeiro de qualquer governo nacional e deve ser também o principal propósito da política local. Sem isso, sem criar condições para atrair quem possa investir, seja daqui ou de fora, por muito bonita que esteja a face desta terra de nada servirá, e o tempo a condenará à morte.
Hoje, os jovens são apátridas, ao contrário das gerações anteriores não vivem onde nasceram unicamente por aí terem raízes, mas anseiam e tudo fazem para viver em locais que lhes proporcionem boas condições de vida. Eu sinto, porque convivo com jovens recém-licenciados da idade da minha filha, que os jovens não pretendem aqui ficar pelas razões que evoquei, mas também pelo facto de esta penumbra de políticas cosméticas a que nos estão a condenar lhes roubarem os sonhos. E roubar os sonhos é exatamente o pior estrago da pobreza económica, social e cultural em que esta terra se tornou.
Bar do Rio defunto, ruas todas da “Amargura”, Jardim dos Poetas deserto de gentes e de vida…
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A Barca parou no tempo. Até o relógio parado há já alguns anos da Igreja Matriz parece querer dizer-nos isso todos os dias. Dá a sensação que o divino quer avisar-nos para abrirmos os olhos. Infelizmente, em vão.
“Por quem os sinos dobram” é um poema de John Donne, que serviu de inspiração a Hemingway para o seu romance com o mesmo nome. Donne queria saber quem morria quando os sinos tocavam por entender que, quando os sinos tocam, não morre apenas aquele que partiu, mas também todos nós. Porque quando alguém morre, todos ficamos diminuídos, uma vez que é o género humano, que pertenceu a quem parte e pertence a quem fica, que empobrece. Para Donne, quando os sinos dobram, também anunciam a morte de quem cá fica.
Quem entra na vila de Ponte da Barca e observa no topo da imponente Igreja Matriz, um relógio não iluminado e parado, fica com uma sensação de desleixo, de uma vila ao abandono. Pena que não seja apenas uma sensação, mas um facto. Este rumo poderia ser invertido, bastava que quem lidera os destinos desta vila olhasse para os Arcos de Valdevez ou Ponte de Lima, ou mesmo para os ponteiros do relógio da igreja cá da terra, que mesmo parado ensina como acertar duas vezes por dia nas horas. Alguém assim não quer!
Enquanto isso, enquanto o relógio continua parado e enquanto não se olha para ele com olhos de ver, o tempo não para. E se nada se fizer, tudo vai oxidando à nossa volta, destruindo o passado e comprometendo o futuro desta vila. Daí a resposta à pergunta: “Por quem os sinos dobram em Ponte da Barca?”, ser, da próxima vez que os sinos se fizerem ouvir, para anunciar a minha e a sua morte, quem sabe por vermos a nossa terra a definhar!