Primícias Literárias: Interrogações com luz

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Daniel Jorge

Estudante

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Os cientistas referem que ainda temos muito a aprender sobre a vida, sobre o universo, talvez quase tudo, e esse “quase tudo” suscitou o interesse de um homem que, à primeira vista, pareceria um filósofo antigo, de longas barbas brancas, barbas essas que as crianças comparariam ao Pai Natal, não a um filósofo, pois a essa palavra não a conhecem nem a trazem na inocência do olhar. 

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Na crua verdade, ele era um vagabundo, errante no seu tempo, um “perdido vital” como próprio dizia. Com o azar ou a sorte que teve, pois os opostos andam sempre muito próximos, filho de pais que o tratavam como se fosse menos importante que os vícios deles, a viver num casebre de telhado desfeito, nunca conseguiu demonstrar algum tipo de talento a nível escolar ou em algo que gostasse. Aliás, os seus dias eram relativamente simples. Ia para a escola a pé, sozinho, com roupa oferecida por benfeitores anónimos de uma instituição. Com a velha mochila com estojo, lápis e afins também oferecidos, ficava numa das mesas mais recuadas da sala, quase num canto, o que permitia afastar-se dos ensinamentos quando as aulas se tornavam mais monótonas; nesses momentos podia pensar. 

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Pensava sobre o nada, e ao mesmo tempo sobre o tudo, os tais apostos e a sua proximidade. Muito cedo descobriu que a vida precisava de ser aproveitada com equilíbrio, sem exagero ou desleixo do que fosse. Os seus pais eram um perfeito exemplo para os pensamentos dele e sabia que tudo teria de fazer diferente. Só chegavam a casa quando a noite era adulta e o dia já tinha findado. Saía do seu lençol que o cobria no chão repleto de mantas sujas e esfarrapadas, e via que os seus pais com os olhos estranhos e objetos que não conhecia, embora visse sempre o reflexo de uma colher e ficava sorridente a olhar o brilho de uma vela. O menino, a espreitar de mansinho, não entendia o que via, mas sabia que o que eles faziam os deixava num estado mais calmo, mais feliz, onde os gritos e a confusão caíam indefesos num sofá que tinha vindo da lixeira. 

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Mas, embora em pensamentos que não decifrava no seu todo, percebia que aquele não podia ser o seu caminho. Cresceu e contentou-se com o que tinha no seu humilde trabalho a limpar as ruas. 

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O senhor pouco falava. Tal como em criança, pensava somente no que via. Com o que viu a acontecer aos pais, aprendeu que eles quiseram viver a vida sem limites. Mas tudo precisa de limites, não se consegue viver no excesso de algo. E dos pais ficou com uma imagem turva, sem cor, diluída na pouca importância que tiveram para ele. 

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Um dia, começou a escrever. Encheu cadernos e cadernos que comprou com o pouco que tinha. A sua escrita precisava de ser exposta ao mundo e ele começou pelas crianças, pois sabia que elas iriam observar e, lá no fundo, perceber de uma forma que nenhum adulto ou adolescente compreenderia. 

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Ao pedir a uma antiga professora de português para mostrar um excerto do que tinha escrito num dos cadernos, leu a vinte e quatro crianças o terceiro parágrafo, da página dois, do terceiro caderno, que vos escrevo: «Aprendi a viver maravilhosamente bem com muito pouco e percebi que o nosso bem não pode estar suportado no mal dos outros». 

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As crianças, como era de esperar, nada disseram, e ficaram com aqueles olhares interrogativos, mesmo com a forma do ponto de interrogação, a tentar perceber a pequena frase. Pelos gestos, a professora não gostou muito do que foi lido. 

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Ele soube que um dia iriam pensar no que lhes foi lido até entenderem. Os pontos de interrogação seriam luz… 

 

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