Editorial

QUE FUTURO QUEREMOS PARA A SERRA D’ ARGA E ALTO MINHO?
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Redação

Regina Lavandeira

Engenheira Química

Em pleno coração do Alto Minho, encontra-se o conjunto montanhoso da Serra D’Arga localizado no noroeste de Portugal continental, abrangendo áreas dos concelhos de Caminha, Vila Nova de Cerveira, Viana do Castelo e Ponte de Lima.

Com uma área aproximada de 10 mil hectares, insere-se na região hidrográfica dos rios Minho e Lima, marcando profundamente a paisagem de toda a região.

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O maciço central da Serra D’Arga e seus vales, têm sido objecto de estudo há vários anos, e em diversas áreas, nomeadamente o subsolo e recursos hídricos e geológicos.

Dado o grande interesse nos diversos minérios existentes na região, apesar de existirem em quantidade insuficiente para uma exploração rentável e sustentável, têm surgido alguns “iluminados” que insistem em “aguçar” o “apetite” de investidores, pretendendo transformar a Serra D’Arga em Euros com a “corrida” ao lítio, o tal “ouro branco” (e subentenda-se, todos os outros minérios de valor: estanho, volfrâmio, ouro, prata, nióbio e tântalo), esquecendo e não respeitando os verdadeiros “valores”, nem os interesses e a vontade das populações locais.

Com diversos pedidos de prospecção do seu subsolo submetidos à DGEG (área abrangida na ordem das centenas de Km2), paira sobre a Serra D’Arga a ameaça de uma exploração mineira a céu aberto, na qual se insere a extracção do famoso “lítio”, apregoado como a alternativa “verde” para substituição dos combustíveis de origem fóssil. Apesar da possibilidade de existirem alternativas a breve prazo (caso haja “boa vontade”), mais “amigas” do ambiente e mais baratas, mas menos rentáveis e menos “apetecíveis” do ponto de vista do lucro imediato…

Em toda a área visada, 4500 hectares estão integrados na Rede Natura 2000, sendo uma importante classificação para a protecção e preservação de todos os valores naturais envolvidos na Serra D’Arga. O projecto de decreto-lei que procede à regulamentação da Lei nº 54/2015, de 22 de junho, no que respeita aos depósitos minerais poderá pôr em causa a preservação e continuidade da área abrangida pela Rede Natura e, a confirmar-se, a referida classificação não dará qualquer “garantia” de protecção da Serra D’Arga e área envolvente.

Apenas decisões tomadas em secretárias confortavelmente instaladas em gabinetes aconchegantes, mas completamente desfasadas e ignorantes da realidade da região, dos seus inestimáveis valores naturais, culturais, paisagísticos, etnográficos, imateriais e antropológicos, poderão, ousar, considerar a hipótese da sua exploração mineira.

Se tal vier a acontecer, na dimensão prevista, com a exploração através de minas a céu aberto e suas enormes crateras, o impacto será brutal e irreversível.

A paisagem será para sempre destruída, serão criadas escombreiras gigantescas de detritos/rejeitados, os habitats serão destruídos, ar e solos serão poluídos com partículas contaminantes e produtos químicos nocivos à saúde humana e a qualquer ser vivo, assim como as nascentes e afluentes dos rios que abastecem as populações rurais e urbanas.

Qual o interesse de, em várias zonas do país (algumas já com contratos de exploração: Argemela, Covas do Barroso e Montalegre), e nomeadamente na Serra D’Arga, enveredar por este tipo de exploração, que, comprovadamente, consiste numa agressão aos patrimónios ambientais e socioeconómicos das regiões em causa?

Trata-se, literalmente, de “partir muita pedra”…com reduzida concentração em lítio, destruindo “toneladas” de montanhas, reduzindo-as a pó, “arrasando” as suas florestas e vales, contaminando o ar que respiramos, poluindo e secando as nascentes e contaminando a água dos afluentes dos nossos rios.

A nossa fonte de vida, a água, que irá abastecer as populações, as actividades agrícolas, da silvicultura, da pecuária, as actividades ligadas ao turismo e outras, está em risco.

Analisando a lista dos países no “top” das maiores reservas de lítio a nível mundial, surge a seguinte pergunta: num país de pequena dimensão como Portugal, que interesses se movem por trás desta “megalomania” mineira?

1. Bolívia – 21.000.000 toneladas

2. Argentina – 17.000.000 toneladas

3. Chile – 9.000.000 toneladas

4. EUA – 6.800.000 toneladas

5. Austrália – 6.300.000 toneladas

6. China – 4.500.000 toneladas

Portugal – 60.000 toneladas

As estimativas das reservas de minério de lítio em Portugal, representam menos de 0,29% das reservas do 1º país do topo, a Bolívia, e cerca de 0,13% das reservas das três principais reservas da América do Sul. Nestes três países, o lítio encontra-se praticamente à superfície em grandes lagos salgados, sendo o Salar de Uyuni, no sul da Bolívia, a maior reserva mundial (área total de 12 mil Km2), no qual o processo de extracção é muito mais simples e menos agressivo para o ambiente.

É urgente que os decisores do futuro dos nossos recursos naturais mais importantes – as florestas e os recursos hídricos – essenciais à vida, tenham a noção dedimensão e proporção (do nosso país e da destruição que esta decisão provoca)!

Torna-se imperioso que toda a região, entre os rios, Minho e Lima, seja protegida pelas populações, pelas instituições que zelam pela conservação da natureza e do património, pelas autarquias e poderes locais, associações e movimentos de cidadãos comprometidos com a preservação da nossa “casa-mãe”, a natureza.

Surgem muitas questões sobre os verdadeiros riscos e oportunidades de tal “agressão”/exploração, para as quais é urgente encontrar respostas e soluções realmente sustentáveis e apropriadas à região.

Termino esta crónica com alguns versos sobre a singularidade e autenticidade da Serra D’Arga, como mensagem de coragem e esperança a todos os que genuinamente lutam pela sua integridade e preservação.

Cenário idílico,

Palco de luz e paz,

És dos que labutaram no teu duro regaço,

Sob o frio, calor ou intempérie!

Pertences aos que caminharam nos teus duros trilhos,

Dos que reergueram a pulso a tua floresta encantada.

És também dos que respeitaram e protegeram,

As tuas ricas e viçosas pastagens,

As tuas águas puras e cristalinas,

As riquezas sabiamente escondidas no teu ventre!

És abrigo de fauna e flora únicas.

És um tesouro sagrado,

Rainha e Mãe,

Altiva e majestosa na tua imponência,

Discreta na tua beleza!

Serás sempre dos que souberam amar-te,

Preservar e proteger,

Novos e velhos, também dos que já partiram,

E que muito antes, durante séculos,

Foram-te “guardando” para as gerações vindouras.

Assim há-de manter-se!

Serás sempre nossa, Serra D’Arga!

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