Editorial

Quem está a matar o Rio Lima?
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Damião Cunha Velho

Eu vivo em Ponte da Barca, junto ao Rio Lima, nado, pesco, faço canoagem e noto que de ano para ano o rio está pior. O Lima está a morrer.

São vários os fatores que estão a contribuir para que o “Rio do Esquecimento” esteja a caminhar para a morte. Desde logo o aquecimento global, as barragens de Touvedo e do Lindoso e a poluição que vem de Espanha.

No último Inverno passamos por uma seca agonizante. O pouco caudal da barragem do Lindoso permitiu ver aldeias que ficaram submersas, algo que se prolongou por todo o verão.

A chuva regressou há pouco tempo e repôs o caudal em falta.

As cheias são, muitas vezes, destruidoras mas também são uma bênção.

Muitas civilizações cresceram junto aos rios não apenas pelo acesso à água, quer para consumo quer para regadio, mas também pelos nutrientes que as cheias deixavam ficar nos campos.

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Aconteceu, por exemplo, ao longo do rio Nilo em que as cheias eram a única forma de voltar a tornar os campos férteis.

O problema é que agora passou a ser menos previsível e tanto as secas como as cheias têm efeitos mais devastadores.

Os períodos de seca são cada vez mais longos e as cheias cada vez mais repentinas.

As barragens de Touvedo e do Lindoso vieram alterar a fauna e a flora do rio.

As descargas, em que o rio no mesmo dia tanto está baixo como cheio, alteraram o ecossistema que durante muitos séculos fez do Lima um verdadeiro paraíso. E isso é visível a olho nu, quando desço o rio de canoa. São inúmeras as algas, a escassez de peixe e as aves predatórias, algumas marinhas, que nunca vi neste rio. Tudo está alterado e para pior.

A mim basta-me recuar à minha infância e adolescência, quando a novas barragens não existiam, em que a água era límpida, a temperatura era amena e se nadava de Maio a Outubro. Agora a água é tão fria que até em pleno verão custa a entrar no rio.

Sei que não podemos viver sem eletricidade mas eu preferia não ter eletricidade em casa e ter o antigo Lima de volta. Digo-o com alguma emoção, quem não queria ter a adolescência de volta?

Para quem não viveu nessa época posso dizer com propriedade que existe um aB e um dB (um antes da Barragem e um depois da Barragem) e quem não conheceu o antes perdeu o melhor do Lima.

Curiosamente, pensei na minha adolescência, que quando a barragem do Lindoso estivesse pronta, pelo menos teríamos muito turismo devido à albufeira, algo que acontece em muitos países do mundo ou até mesmo noutras barragens portuguesas, tal como a do Alqueva. Mesmo sabendo que a albufeira da barragem do Lindoso fica em território espanhol, mas faz fronteira com o concelho e fica apenas a 30 km da vila de Ponte da Barca.

Assim não aconteceu. E a ironia é que o turismo no último verão foi para ver a aldeia espanhola de Aceredo, que ficou à vista, dada a falta de água. E o caricato é que as pessoas foram atraídas não pela abundância da água mas pela falta dela. E um rio é, antes de tudo, água.

De facto, o Lima tem dado muitos sinais de que está triste e não lhe estamos a prestar a devida atenção.

A água é um bem escasso e deve ser objeto de uma utilização racional. Até porque é com a força da água que se produz eletricidade, outro bem essencial no modo de vida atual.

Não deve, por isso, estar sujeita a interesses lodosos ou ao serviço de poucos aquilo que por direito natural devia ser de todos.

Acredito que se fizeram descargas de água em pleno verão, em tempo de seca, para se fazer dinheiro pensando que a chuva viria, e não veio.

Lembro que as barragens são dos chineses e não dos portugueses. Não sei até que ponto os interesses dos chineses são compatíveis com os nossos interesses.

Agora temos outro problema e que vem de Espanha.

Estão a poluir o rio e isso tem sido uma preocupação de muitos espanhóis e objeto de notícias em Espanha. Estranhamente aqui em Portugal ninguém fala nisso.

Do que li em artigos espanhóis, e um deles tinha o título deste texto, a suinicultura e as vacarias são os maiores poluidores do Lima devido aos dejetos dos animais que são usados como adubo para as terras e que com as chuvas vão desaguar ao rio. E o inaceitável é que as restrições para esta atividade na Galiza são praticamente inexistentes. Talvez porque o Lima é pequeno em Espanha e grande em Portugal. A fazer mossa, será para os portugueses.

Também referem o amianto que ficou nas casas submersas quando fizeram a barragem do Lindoso. O amianto é cancerígeno e quem sabe está a libertar para a água essa característica.

A população espanhola que vive junto ao Lima não se acomodou e tem feito chegar o seu descontentamento às entidades competentes.

É que lá é visível a poluição do rio e, por exemplo, junto à barragem das Conxas o cheiro é nauseabundo.

Há relatos de pessoas que se recusam a beber água das torneiras proveniente das centrais de tratamento do Lima.

A questão é porque é que os espanhóis se têm manifestado e nós portugueses não?

De quatro em quatro anos temos eleições autárquicas e não vejo os candidatos à presidência das Câmaras nem os atuais presidentes das Câmaras, por onde o Lima passa, a discutirem o assunto.

A pergunta que se impõe, quando algo está mal e continua mal, é quem está a ganhar com isso?

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