Editorial

“Serei” em casa!
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Nadir Faria

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Nadir Faria

 Cooperante

Já cá estive algumas vezes. Por razões do coração volto a Cabo Verde. Desta vez, rumo a Ponta do Sol, em Santo Antão.

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Para chegar, voa-se a partir da Praia para o Mindelo. Depois, faz-se uma viagem de barco até Porto Novo e, a partir daí, apanha-se um transporte público: uma HIACE. No porto, à chegada, há vários condutores à procura de clientes. Há senhoras de avental de dois bolsos e rendado a vender queijo fresco de cabra artesanal, também à procura de clientes. As senhoras acompanham os viajantes à HIACE e prometem um queijo muito saboroso. Prometem e cumprem, caso o compremos.

O caminho faz-se tranquilamente, por entre curvas e contracurvas, com o oceano à nossa direita e montanhas à nossa esquerda. Quanto mais nos afastamos de Porto Novo menos árida é a paisagem, mas mais montanhosa. Na HIACE há sempre música alta e janelas abertas para entrar fresco. Apesar de ambos, não consegui fazer o caminho sem adormecer. Acordei numa paragem em Vila das Pombas. Fui surpreendida pelas canas-de-açúcar em flor. A flor é uma espécie de pluma e o conjunto das plumas tornam os vales e as encostas esbranquiçados. Dão um ar mais leve às montanhas. Quando as vi pensei que com certeza foi assim que se inspiraram para o algodão doce…

Em Santo Antão, como na generalidade das ilhas por onde passei, nas casas onde entramos podemos destapar as panelas e servirmo-nos do que houver. Podemos fazer “bafa” (petiscar), almoçar ou jantar. Há café de cafeteira nos termos e biscoitos. É fundamental visitar as pessoas e comer o que nos for oferecido. Se não comermos, pelo menos, devemos levar alguma coisa para mais tarde. Foi o que aconteceu em Corvo. Uma pequena aldeia rodeada de “paredes” rochosas. Fomos lá para colher inhame e papaias que crescem na ribeira. A colheita foi frutífera. Voltamos para Ponta do Sol com a colheita nas costas – mais de uma hora e trinta de caminho. Ou melhor, voltaram. Como sou visita fui poupada da carga, à exceção das mandiocas “gordas” e das bananas que me ofereceram. Na primeira vez não se carregam as visitas.

Estava calor. O caminho é generoso em subidas e descidas e em curvas. É na generalidade estreito. Ao aperceber-me disso, e para além da nossa carga, perguntei: mas como é que as pessoas vêm para cá com as cargas? A pé, responderam-me! De carro, só é possível até Fontainhas. “Glups”, pensei! Se a paisagem e a riqueza de comer frutas e verduras frescas e saborosas são impagáveis, é admirável a capacidade de resiliência das pessoas que lá moram ou que lá têm o seu pedacinho de chão. A capacidade para cultivar um solo que é mais rochoso que outra coisa, em declives muito consideráveis, a capacidade de aproveitar e conduzir a pouca água que desce da montanha são admiráveis.  A capacidade de estarem “sós”, mas abertas para os outros, é admirável.

Voltarei a Cabo Verde. “Serei” em casa!

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