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Serra de Arga: Paisagem Cultural debatida em Congresso Mundial em Milão (Itália)

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Portugal representado na mais relevante rede internacional de estudos de paisagem.

 

No mais recente Congresso Mundial da Associação Internacional de Ecologia da Paisagem (International Association for Landscape Ecology – IALE), realizado entre 1 e 5 de julho, na Universidade de Milano-Bicocca, em Milão, Itália, novos resultados de investigação sobre a paisagem cultural da Serra de Arga foram debatidos com uma vasta audiência de investigadores de todo o mundo. Este encontro científico global foi dedicado aos desafios enfrentados pelas paisagens mundiais no Antropoceno, período onde o impacto da ação humana sobre as dinâmicas ambientais exige a construção de novos equilíbrios nas relações entre a Natureza e a Sociedade.

O carácter complexo e mutável das paisagens culturais coloca-se como desafio ao seu conhecimento e interpretação, premissas essenciais da gestão e valorização enquanto recurso de desenvolvimento e património comum.  A compreensão da conjugação única e dinâmica de elementos e processos que resultou na contínua modelação e evolução da paisagem agro-silvo-pastoril da Serra de Arga é essencial para o acompanhamento e orientação das suas transformações. 

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A agro-silvo-pastorícia tradicional, entendida enquanto um complexo sistema social, económico e ambiental, tem sido responsável pela modelação e evolução das paisagens rurais ao longo de vários milénios, nas mais diversas civilizações e latitudes. No entanto, os processos pelos quais os sistemas agro-silvo-pastoris produziram paisagens com características de exceção estão ainda insuficientemente estudados. O valor patrimonial destas paisagens rurais tradicionais nem sempre é evidente ao olhar externo sem o apoio de uma leitura interpretativa. Os processos e significados subjacentes à sua modelação multisecular e à sua dimensão cultural precisam de ser descodificados.

Face a este desafio, o trabalho apresentado adotou uma metodologia de investigação de cariz interdisciplinar que analisa de forma integrada a interação entre processos naturais, à escala do tempo geológico, com as dinâmicas socioeconómicas em diferentes períodos históricos, na modelação do carácter da paisagem da Serra de Arga.

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Os resultados expostos constituem um significativo contributo para:

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a)      alicerçar o reconhecimento do valor patrimonial da paisagem da Serra de Arga, do ponto de vista ambiental e histórico-cultural. Este reconhecimento é reforçado pelo cruzamento da leitura geográfica e histórica da paisagem, da qual resultou uma síntese interpretativa dos principais momentos e processos da sua evolução, conferindo visibilidade à sua dimensão sistémica e humana.

b)      sustentar a definição e delimitação de unidades de paisagem cultural, baseada na interpretação do carácter da paisagem, o qual expressa um padrão distinto e reconhecível de elementos que ocorre de forma consistente e sistemática. Combinações específicas entre substrato geológico, formas de relevo, solos, vegetação, uso do solo, estrutura fundiária e modelo de povoamento produzem o carácter de paisagem.

c)      orientar as opções de gestão e valorização da paisagem, fundamentando as escolhas democráticas tomadas no plano político e da participação pública.

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d)      estimular a reflexão sobre como a preservação da paisagem pode ser equacionada no quadro dos instrumentos de gestão do território vigentes.

Esta abordagem holística de interpretação das dinâmicas da paisagem cultural da Serra de Arga foi apresentada no passado dia 4, em Milão, pela investigadora Andreia Amorim Pereira na comunicação intitulada Integração de diferentes escalas de tempo na análise e cartografia de unidades de paisagem cultural nos sistemas montanhosos do Noroeste de Portugal: a Serra de Arga como um estudo de caso.

Andreia Pereira é investigadora do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território – CEGOT, unidade de investigação científica que resulta do esforço cooperativo dos Departamentos de Geografia das Universidades de Coimbra, Porto e Minho, e doutoranda em Geografia Física no Departamento de Geografia e Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob orientação de Lúcio Cunha, professor catedrático.

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A autora propõe uma análise da interação entre condicionantes ambientais e históricos na construção da paisagem humanizada da Serra de Arga, no que respeita a opções locativas, estratégias defensivas, padrões de povoamento, estrutura fundiária, uso do solo, redes de comunicação e modelos de exploração de recursos.

Defendendo que a interpretação da evolução da paisagem cultural da Serra de Arga apenas poderá ser plenamente alcançada com o seu enquadramento nas estruturas geomorfológicas, dinâmicas ambientais e processos históricos de escala regional, o trabalho principia por interpretar o suporte geofísico e o contexto biogeográfico regionais, que constituem o quadro natural da história política, social e económica do Alto Minho.

Evidencia três características específicas do relevo desta região que determinam, em grande medida, a localização dos principais aglomerados rurais, bem como a distribuição da área agrícola: – o perfil aberto e amplo dos principais vales, a significativa recorrência e dimensão dos alvéolos graníticos e a importância das rechãs para a ocupação das vertentes de declives mais vigorosos.

O cruzamento da leitura geográfica do território com os vestígios e fontes histórico-arqueológicas à escala regional viabilizou a realização de uma síntese dos principais momentos de mutação das paisagens agro-silvo-pastoris de média montanha no Noroeste de Portugal, destacando-se oito marcos decisivos:

a)      a revolução neolítica, considerada o primeiro grande momento da intervenção humana na paisagem como resultado da agricultura itinerante e do pastoreio;

b)      a Idade do Bronze tardia e a Idade do Ferro, que correspondem a um período de densificação da ocupação do território e de alteração do padrão de povoamento, remodelado pelos sistemas fortificados castrejos, bem como de intensificação da humanização da paisagem, através do aumento do desmatamento das áreas de média vertente associada ao desenvolvimento de uma sociedade agro-pastoril baseada no comunitarismo;

c)      a romanização da Península Ibérica, responsável pela ocupação das terras baixas (solos mais férteis das planícies aluviais), extensas obras de drenagem, centralização da organização administrativa do território, introdução da noção de centro urbano e do conceito de propriedade privada, bem como pela construção da principal rede de transporte terrestre;

d)      a Idade Média com a formação do sistema senhorial relacionado com o desenvolvimento de uma nova organização social do espaço e uma reorganização administrativa ligada, em primeiro lugar, às instituições eclesiásticas;

e)      a desflorestação massiva induzida pela expansão da indústria naval, exigida pelas descobertas marítimas portuguesas;

f)       a introdução do milhão na região do Minho no século XVI, que alterou profundamente todo o sistema agrícola, transformando o campo aberto em campo fechado, modificando a importância relativa e a distribuição das culturas, bem como as estruturas agrícolas. Foi necessário construir celeiros e eiras, construir terraços agrícolas, expandir e melhorar os sistemas de irrigação e até mesmo reformular a arquitetura tradicional da casa agrícola, com a criação de áreas para secar e armazenar a grande quantidade de cereal que a nova cultura forneceu;

g)      a Lei do Povoamento Florestal de 1938, responsável pelo mais importante processo de mudança de paisagem desencadeado pelas políticas agroflorestais do Estado Novo, determinando a maciça florestação das áreas montanhosas, principalmente por pinheiros. O Perímetro Florestal da Serra de Arga foi criado por decreto de 6 de março de 1940, submetendo ao regime florestal parte dos terrenos baldios dos municípios de Viana do Castelo, Paredes de Coura, Caminha, Ponte de Lima e Vila Nova de Cerveira;

h)      o despovoamento gradual das áreas rurais desde os anos 60, causado pelos movimentos migratórios que induziram o crescente abandono da exploração e gestão das áreas agroflorestais e de pastoreio.

 

Na Serra de Arga foi realizado um inventário sistemático georreferenciado dos vestígios arqueológicos e históricos destas diferentes fases de ocupação do território que permitiu interpretar numa escala de maior detalhe os processos de evolução da paisagem cultural.

 

Este trabalho sustentou a produção de uma classificação de unidades e subunidades de paisagem cultural da Serra de Arga, que expressa o cruzamento da leitura geomorfológica, ecossistémica, da ocupação histórica do território e dos usos do solo atuais. Este mapa de unidades de paisagem, que sintetiza a interpretação das suas dinâmicas em diferentes escalas temporais, constitui um instrumento de suporte ao planeamento e gestão da paisagem, podendo orientar a implementação de estratégias e medidas de preservação e valorização deste mosaico paisagístico.

A autora propõe e caracteriza quatro grandes unidades de paisagem cultural, que se desagregam em onze subunidades:

a)      Unidade pastoril superior, corresponde ao núcleo granítico central que compreende o planalto de Arga, com uma altitude entre os 700 e os 800 metros, e as vertentes circundantes que se desenvolvem até aos 500 / 400 metros, sendo ambas as subunidades ocupadas por pastagens de montanha pobres e vegetação arbustiva e herbácea, onde se destacam afloramentos graníticos.

b)      Unidade agro-pastoril serrana, que integra diversas rechãs que se desenvolvem entre os 500 e os 300 metros de altitude. Os diferentes substratos litológicos influenciam contrastes paisagísticos significativos, quer ao nível do coberto vegetal, quer do uso agrícola do solo, justificando a diferenciação de subunidades de paisagem. Nas rechãs sobre rochas granitóides prevalece o uso agropastoril, com importante presença de urzais-tojais e culturas de irrigação. Nos substratos metassedimentares, mais pobres, predominam as comunidades arbustivas xerófilas, bem como os matos degradados.

c)      Unidade florestal e matos de média vertente, que se estende entre os 400 e os 200 metros de altitude, sendo constituída principalmente por povoamentos florestais de eucalipto e pinheiro, bem como por povoamentos mistos e matos arborescentes.

d)      Unidade de agricultura de baixa altitude e fundo de vale, ocupando vertentes com cota inferior a 200 metros e áreas de planície aluvial. As subunidades distinguem áreas de uso agrícola sobre depressões, socalcos agro-pastoris de transição entre baixa e média vertente e as áreas agrícolas sobre solos aluvionares, onde dominam as culturas de regadio.

 

Na comunicação realizada, foram apresentados diversos exemplos que demonstraram como o carácter distintivo e coerência interna de cada unidade de paisagem expressa a conjugação de fatores ambientais e humanos. Citamos o planalto da Serra de Arga, as rechãs de média montanha, onde se desenvolvem as aldeias de Cerquido, as Argas e a Montaria, o vale intermédio do rio Âncora, os sectores intermédios da ribeira de Nogueira e do rio Estorãos.

 

Diversos autarcas de Municípios com direito administrativo sobre o território da Serra de Arga – Caminha, Ponte de Lima e Viana do Castelo – expressaram nos últimos dias a vontade de avançar a breve prazo com a classificação da Área de Paisagem Protegida da Serra de Arga, culminar de um complexo processo encetado há mais de uma década. 

A análise interpretativa e classificação de unidades de paisagem cultural proposta pela investigadora Andreia Amorim Pereira, poderá oferecer uma orientação técnico-científica para a delimitação da área a classificar na qualidade de paisagem protegida de interesse regional, bem como apoiar a operacionalização de planos de ação para a valorização deste território.

Com numerosos artigos científicos publicados sobre a Serra de Arga e o Vale do Lima, sob o ponto de vista da análise e gestão da paisagem, o desenvolvimento local e o turismo, a autora apresentou mais de vinte comunicações em congressos e encontros nacionais e internacionais de geografia, paisagem e turismo, divulgando o nosso património ambiental, cultural e paisagístico em eventos realizados em Salzburgo (Áustria, 2009),  Cambridge (Inglaterra, 2010),  Belo Horizonte (Brasil, 2012), Leeuwarden & Terschelling (Holanda, 2012), Santiago de Compostela (Espanha, 2012), Atenas (Grécia, 2013), Roma (Itália, 2013), Opatija, (Croácia, 2014), Nitra (Eslováquia, 2015).

O mais importante encontro internacional de ciências da paisagem

 

O Congresso Mundial da Associação Internacional de Ecologia da Paisagem é reconhecido como o encontro internacional mais relevante para as ciências da paisagem. Os congressos mundiais da IALE constituem um fórum científico mundial para abordar os desafios da paisagem e para desenhar cenários futuros. Oferecem a oportunidade de apresentar e discutir com uma rede global de investigadores problemáticas, metodologias, ferramentas, resultados e aplicações práticas de projetos de investigação.

O primeiro congresso da IALE foi realizado em 1984 em Roskilde, na Dinamarca. Desde então, os congressos mundiais da IALE tiveram lugar na Europa, América do Norte, Austrália e Ásia.

Os congressos anteriores incluíram temáticas tão diversas como o planeamento da paisagem; a educação para a paisagem; a avaliação dos serviços de ecossistema; a monitorização e cartografia; a fragmentação de habitats; o sensoriamento remoto e a ecologia de paisagem; as métricas da paisagem; as paisagens culturais e bio-culturais; os desafios da ecologia da paisagem em diferentes ecorregiões e biomas; a conservação de biodiversidade e o restauro de habitats.

 

A Associação Internacional de Ecologia da Paisagem: uma rede de investigação sem fronteiras

 

A Associação Internacional de Ecologia da Paisagem visa desenvolver os estudos da paisagem, com especial enfoque na ecologia, mas estimulando a abordagem interdisciplinar, como base científica para a análise, planeamento e gestão das paisagens à escala mundial. A IALE promove a cooperação internacional e as sinergias interdisciplinares, através de atividades científicas, académicas, educacionais e de comunicação.

A IALE incentiva os investigadores de todo o mundo que se dedicam ao estudo da paisagem a uma cooperação global sem fronteiras na consolidação do corpo teórico, conceitos, metodologias e técnicas das ciências da paisagem, particularmente da área da ecologia, no aprofundamento do conhecimento sobre os padrões e processos da paisagem, no desenvolvimento de ferramentas integradoras, tornando-as aplicáveis a situações e necessidades reais ao nível da análise, monitorização e gestão da paisagem, aplicando-as à resolução de problemas concretos.

Em todo o mundo, as paisagens estão a atravessar a mais célere, extensa e profunda fase de mudança sofrida em todo o curso da história humana. O planeamento abrangente do uso do solo é ainda a exceção, mas deve tornar-se a regra. Os membros do IALE têm um papel crítico a desempenhar nesta missão, procurando constantemente oportunidades de ação.

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