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Sistelo será “Património Cultural Evolutivo Vivo”

Pertencente ao concelho dos Arcos de Valdevez, a freguesia de Sistelo tem vindo a destacar-se cada vez mais pela sua beleza icástica e ímpar. Os terrenos talhados pelo próprio homem ao longo das encostas, a presença de raças bovinas e caprinas autóctones, em conjunto com a riqueza ripícola junto ao Rio Vez, atribuem assim a esta aldeia o título de “Tibete de Portugal”. Sérgio Rodrigues, presidente da Junta de Sistelo, eleva esta ideia a outro patamar, candidatando a aldeia a “Património Evolutivo Vivo”. O Minho Digital testemunhou as características únicas de Sistelo e esteve à conversa com o Presidente Sérgio Rodrigues.

Fotos: Carlos Pontes

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 Minho Digital (MD) – Senhor Presidente, antes de mais, o Minho Digital gostaria de felicitar este novo passo para Sistelo, a candidatura a “Património Cultural Evolutivo Vivo”. Esta aldeia, é de facto, um cantinho especial de Portugal…

Sérgio Rodrigues (SR) – Sistelo é realmente um lugar único em Portugal. Quem visita sabe que fica apaixonado pela sua beleza e pelas suas gentes. Aliás, o reconhecimento vai além-fronteiras, inclusive com destaque a nível mundial, daí até ser rotulado como “O pequeno Tibete Português”.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

MD – Esta candidatura funciona então como mais uma conquista e/ou uma oportunidade? 

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SR – A Junta de Freguesia pretende com esta candidatura dar a esta terra o selo que bem merece, tornando-se assim no único local em Portugal com este tipo de classificação. Acima de tudo, pretendemos atingir um modo de preservação e conservação do património, combatendo ao mesmo tempo o despovoamento que nos tem afligido nas últimas décadas. Garantir população da freguesia é fundamental para um desenvolvimento sustentável, tanto a nível social como económico. Além disso, as gentes da terra são o motor da criação destas paisagens, que irão permitir também o aproveitamento turístico que esta candidatura nos irá trazer, ou mesmo, que já nos trás. Só será possível manter toda esta paisagem se mantivermos a atividade nos socalcos, e como o próprio nome indica, “Evolutiva Viva” significa intervenção humana, a interação das nossas gentes com natureza, através da agricultura, dando vida e riqueza à paisagem em socalcos. É aí que reside o futuro de Sistelo e só assim continuaremos a ter gente para cuidar desta beleza, por isso esta candidatura irá funcionar como ambos, é uma conquista, mas também uma grande oportunidade.

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MD – Quais são as características que considera mais marcantes de Sistelo?

SR – Sem dúvida, os socalcos e a relação da nossa gente com os mesmos. Desde há séculos que são trabalhados da mesma forma, com a forte particularidade de trabalho em comunidade e entreajuda. Além disso, contámos ainda com o rio Vez, as brandas, os espigueiros, os moinhos, e mais recentemente, a ecovia.

MD – Esta freguesia conta no total com quantos habitantes distribuídos por quantos lugares?

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SR – Neste momento Sistelo conta com cerca de 274 habitantes permanentes, distribuídos por 6 lugares distintos (Estrica, Igreja, Padrão, Portela de Alvite, Porto Cova, Quebrada). Este número cresce em algumas alturas do ano com emigrantes que passam cá alguns meses.

 

MD – De uma forma muito breve, qual foi o motivo que levou as pessoas a trabalhar a terra deste modo, dando origem aos socalcos? 

SR – O principal motivo foi o aproveitamento do solo, pois foi escavado na montanha para que fosse possível ter terra fértil para a cultura do milho e do feijão terreste. De outra forma seria impossível. Foi ainda tido em conta o declive, em conjunto com a localização, para o aproveitamento das águas do Rio Vez, criando canais de regadio que se estendem ao longo de quilómetros pelos socalcos. Como estes terrenos são planos, são perfeitos para o aproveitamento da pouca água que chega, essencial para estas culturas de verão.

 

 MD – Quanto ao gado, quais são as raças características da zona?

 SR – Sistelo sempre foi ligado à pastorícia, pois antes da chegada do milho e do feijão, era o único sustento. Prova disso são as muitas brandas que possuímos. Para além da raça cachena, temos a ovelha raça churra, a cabra bravia e os garranos. Todas estas raças tem um importantíssimo trabalho na moldagem da paisagem de Sistelo, pois todo este património é fruto da relação do homem com este animais. No futuro é de elevada importância manter a existência destas raças, para assegurar a conservação destas paisagens e de toda a biodiversidade.

MD – Atualmente, a população ainda trabalha os campos como antigamente, de modo a preservar a sua estrutura?

SR – Sim, ainda trabalha como antigamente. Temos também poucas possibilidades de trabalhar de outra forma, derivado à área dos socalcos e aos acessos para lá chegar. Essencialmente, toda a estrutura se mantém assim, com as principais culturas, o milho e o feijão terreste. As pessoas continuam a estrumar os socalcos, a cavar a terra e a lavrar, sempre com recurso aos animais. Mas a intensidade destes trabalhados tem vindo a diminuir, e isso preocupa-nos, pois afeta a preservação deste património. O pastoreio do gado no inverno é importantíssimo na limpeza dos socalcos, mesmo naqueles que não são cultivados. Ao longo destes séculos, ambos formaram a relação perfeita para o sustento da gente de Sistelo.

MD – Em Sistelo, também existiu a tradição, dos pastores subirem a serra no verão com o gado vivendo nas brandas. Essa tradição ainda permanece?

SR – Sim, essa tradição sempre existiu e ainda predomina. No inverno o pastoreio do gado era feito nos socalcos, pela abundância de pasto e pelo clima menos agreste, e também por ser mais fácil proteger os animais dos ataques contra o lobo. No verão, os socalcos eram cultivados, e por sua vez os animais não podiam lá pastar, e por isso eram obrigados a subir a serra, pernoitando durante vários meses ao ar livre. Os pastores nesse período do ano também moravam lá, nas brandas, cuidando dos animais, e cultivando lá o seu sustento. Em Sistelo ainda existem 7 brandas e mais algumas casinhas com terreno de cultivo espalhadas pela serra.

 

MD – Que riquezas tradicionais e culturais possui Sistelo?

SR – Sistelo é abundante em riquezas tradicionais e culturais, destacando-se as festas populares. Em todos os lugares se faz uma festa religiosa, com arraiais, as cavadas, as desfolhadas, as danças populares e os jogos tradicionais. Temos ainda uma feira de gado todos os dias 12 e 28 de cada mês, na Portela de Alvite, e a Feira de Santiago, no lugar da Igreja. A nível gastronómico, a carne cachena é uma delícia, para além do cabrito, da broa de milho, com farinha de milho exclusiva dos nossos socalcos, o bolo da pedra, e a água d`unto.

MD – Hoje em dia as caminhadas estão na moda, principalmente em meios rurais. Sistelo oferece também uma série de trilhos, que nos permitem conhecer um pouco mais a sua natureza. Como é que olha para este tipo de oferta ao público?

SR – As caminhadas estão mesmo na moda, e com a ecovia, Sistelo tem tido uma enormíssima procura. São centenas as pessoas que passam aqui por fim de semana, fruto da oferta que proporcionamos a quem nos visita. Recentemente, com a colaboração da Câmara Municipal, procedemos a toda a reorganização dos trilhos que tínhamos marcados e críamos outros de elevado interesse paisagístico e interpretativo. Temos neste momento trilhos marcados e sinalizados para todo o tipo de caminhantes, desde trilhos com cerca de 1 km até cerca de 25 km. Ao todo são 7 trilhos bem sinalizados, incluindo com o trilho do Glaciar, que tem uma duração aproximada de 3 dias, com a passagem de 1 dia por Sistelo. A freguesia consegue, deste modo, aproveitar estas atividades para a dinamização da economia local, criando riqueza e por sua vez melhorar as condições de vida da nossa gente.

MD – Embora a dinamização turística seja uma forte aposta, a calma deste lugar com certeza contrasta com a agitação provocada pelos mais curiosos. Como se sente a população face a estas visitas?

SR – Certamente que para algumas pessoas não é o mais agradável, pois estão habituadas a viver no seu cantinho sem que ninguém as venha “chatear”. Embora se tenham de privar de algumas rotinas, por não se sentirem muito à vontade na presença de tanta gente, compreendem que é por uma boa causa, em prol do futuro de Sistelo. Mas a maioria até fica agradada com a presença de gente nova na freguesia, diminui um pouco o isolamento.

 

MD – Considera que através dos trilhos, Sistelo tem ganho mais destaque, contando com a presença de cada vez mais turistas?

SR – Sem dúvida que com os trilhos Sistelo tem ganho muito mais destaque e mais turistas. É uma potencialidade e poderá ser o nosso “petróleo” se a nossa gente souber aproveitar. E aqui a iniciativa privada é muito importante, a Junta de Freguesia tem sabido tirar o melhor aproveitamento, e o resultado tem sido ótimo! Temos até na freguesia um guia turístico credenciado para estas atividades.

 

MD – No conjunto de todas estas características, e com a candidatura em cima da mesa, Sistelo encontra-se deveras numa etapa de grande progresso. Como encara este acréscimo de responsabilidade?

SR – As responsabilidades serão enormes, nem tudo serão rosas, nomeadamente ao nível da salvaguarda do património, mas vale a pena. Sistelo merece e é um orgulho vermos a nossa freguesia no panorama nacional. Esta Junta de Freguesia tem trilhado o caminho certo e a satisfação da população com esta candidatura é o reflexo disso.

 

MD – Expectativas para o futuro de Sistelo?

SR – Esta classificação abrirá portas ao financiamento de muitos investimentos quer públicos quer privados, como por exemplo, o Centro da Biodiversidade do Alto Vez, o Museu da Água ao Ar Livre, promovido pela Câmara Municipal, e ainda com alojamentos locais, espaços de restauração, entre outros. Só por isso o futuro só pode ser risonho, com mais gente, mais economia e melhores condições de vida para a população.

 

 O Minho Digital (MD) agradece a disponibilidade e amabilidade do Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Sistelo e deseja as maiores felicidades na concretização da candidatura. Sistelo é de um facto um lugar especial no nosso Alto Minho. Fica ainda aqui o link de um vídeo alusivo à divulgação de Sistelo, com argumento de Eduardo Rego.

O MD estende ainda o agradecimento a Carlos Pontes, que através da sua perspetiva única, nos cedeu imagens que refletem a natureza de Sistelo, reservando-lhe assim todos os direitos de autor. 

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