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“Sou deficiente, e daí?” A história dum guerreiro barquense!

armindo

A historia do Armindo Cerqueira é impressionante. Apesar de não conseguir falar, transmite muitas mensagens, e o facto de estar “acorrentado” à cadeira de rodas, não o faz perder a vontade de viver e de sonhar. O Armindo é de Ponte da Barca, residente na freguesia de Nogueira e o MD foi ter com ele para percorrer o caminho que faz todos os dias desde casa até à vila. E neste percurso, sentimos as dificuldades que tem para se deslocar, mas também a força que o acompanha e a simpatia que transmite nos sorrisos rasgados que oferece. Esta é a história do Armindo!

 

A hora marcada para o encontro: 14h30. Quando chegamos, ele já estava à nossa espera! Recebeu-nos com um sorriso e alegria contagiantes. O Armindo já tinha alertado que não consegue falar fluentemente, mas ainda assim, transmite tudo aquilo que quer. Depois das apresentações iniciais, começou o percurso. Enquanto andávamos, o Armindo ia respondendo às perguntas com lucidez. Porque apesar da sua condição, o Armindo é um homem inteligente, com um raciocínio rápido e um sentido de humor fantástico, surpreendente.

 

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A distância que separa a freguesia de Nogueira da sede do Concelho é, sensivelmente, três quilómetros. Não é muito, pensará o leitor que está a ler-nos! Provavelmente já percorreu essa distância, de carro ou a pé. Muito bem! Agora imagine que tinha de guiar por uma estrada cheia de buracos, paralelos levantados, obstáculos na via que o impedem de passar, e que só podia guiar o volante do seu carro com o queixo, sem utilizar as mãos. Parece-lhe impossível? Mas é isto que o Armindo faz, todos os dias, desde casa até chegar à vila. Três quilómetros na sua cadeira de rodas. Pela estrada, porque são poucos os sítios onde tem ciclovia. Três quilómetros arriscando a sua segurança. Quando lhe perguntámos se não tem medo, ele reponde que não, que “já está habituado!” E nós constatámos que assim é.

 

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O Armindo já está habituado a lidar com as dificuldades. Infelizmente, teve de aprender a adaptar-se a um mundo que não está preparado para pessoas como ele, que, deficiências à parte, também querem viver, passear, descontrair! Mas ele não se queixa! Apesar da sua condição, é um homem de força. “Eu tenho sonhos. Gostaria de ser engenheiro de informática. Ter uma namorada ou mulher. Ter filhos, construir um lar! Mas, infelizmente, são só sonhos que nunca se vão tornar realidade”. Ele, é uma pessoa normal, que tem sentimentos, desejos. Durante o percurso viam-se os olhares, ouviam-se os murmúrios, e o Armindo já nos tinha confessado que é isto o que mais dói. “As pessoas olham, murmuram, comentam. Não se querem aproximar. Eu estou numa cadeira de rodas, mas a minha condição não é contagiosa. Mas as pessoas têm medo de se aproximarem. Ficam a olhar. E esses olhares doem muito”.

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Aqueles três quilómetros que separam Nogueira de Ponte da Barca pareciam mais longos do que nunca. Armindo tem de fazer várias paragens ao longo do trajeto. Há poucos passeios e, muitos deles, são demasiado estreitos e a cadeira ou não passa, ou fica com o espaço muito justo para passar. Quase todo o percurso é feito pelo estrada. Muitas vezes tem de parar porque os carros passam a alta velocidade e não é seguro. Ele já conhece todos os caminhos. Sabe perfeitamente como se deslocar. Sabe que as rampas que estão nos passeios não são para a cadeira de rodas dele. “Se eu tentar subir nas rampas posso capotar. A rampa é muito estreita e a cadeira não sobe. Se eu tentar subir a cadeira pode cair para trás”. Quando encontra uma rampa que poderia fazer o seu percurso mais curto, tem de andar às voltas para encontrar um sítio plano onde a cadeira possa subir em segurança e, assim, continuar o seu percurso.

 

Armindo é um homem jovem, tem 39 anos e como qualquer adulto jovem “gosto de estar com os amigos. De conviver, comer, beber. Adoro passear, ouvir música e conhecer pessoas novas”. Também adora visitar as margens do rio Lima. Aos domingos, gosta de ir ver as pessoas a dançar rancho e enquanto passeia, vê, respira e sonha. Confessa que gostaria de poder um dia entrar nas águas do rio, ou então, das piscinas. Mas é uma tarefa quase impossível; aqueles lugares também não têm as condições necessárias para o Armindo entrar. E assim, conforma-se com ver as pessoas a nadar, a correr, a andar. A lucidez de que é detentor permite-lhe ver com clareza que se as condições das estradas, dos espaços públicos melhorassem, a sua vida poderia ser bastante mais amena. “Eu tenho sorte de viver muito perto da estrada nacional. E consigo sair de casa para ir passear. Mas há quem não consiga. Porque os acessos para pessoas como nós são escassos. Ninguém se lembra de nós. Só quem vive esta realidade é que percebe as nossas dificuldades”.

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Todo este percurso a pé, lado a lado com o Armindo, é uma lição de vida. E o MD aceitou o desafio lançado pelo próprio Armindo nas redes sociais .“Quem quiser entender o difícil que é passear numa cadeira de rodas, convido-o a fazer o percurso desde minha casa até Ponte da Barca, comigo. Pode ser que assim comece a perceber quais são as necessidades das pessoas como eu”. Nós aceitámos o desafio e percebemos que o Armindo, e todos aqueles que partilham da sua condição, são uns verdadeiros guerreiros. Eles, todos os Armindos espalhados pelo nosso país fora, têm toda a legitimidade para se queixarem, para reivindicarem os seus direitos como cidadãos, para renegarem da vida que lhes tocou viver. No entanto sorriem, lutam, vivem e dão lições de vida a todos nós, que sem termos sequer o direito de nos queixarmos do que quer que seja, vivemos num queixume constante.

 

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O Armindo nasceu assim, paraplégico. “Só há catorze anos é que tive hipótese de ter uma cadeira de rodas elétrica”. Apesar de não conseguir comunicar mediante a voz, é um comunicador nato, um poeta! Na historia dele conseguimos reconhecer uma vida de luta, de sacrifício, de não baixar os braços, apesar das dificuldades. Fica o apelo para todos, nas nossas mais diversas profissões, olharmos com bondade e admiração a todos aqueles que, como o Armindo, não têm uma vida fácil. Cabe-nos a todos contribuir para que o mundo onde vivemos seja melhor, mas muito mais para o Armindo e todos aqueles que, como ele, desejam uma oportunidade para ser feliz, apesar da sua condição. 

Sou deficiente e daí?
Foi Deus quem quis assim. 
Devo desistir de viver?
Só porque não gostam de mim!?
Sou gente igual a todos vocês!
Porquê tanto preconceito? 
E tanto nojo?
Será que eu não mereço respeito? 
Eu sei que tenho muitas limitações.
E sou movido por uma cadeira de rodas.
Mas podem-se chegar perto de mim!
E fazer-me festinhas.
Porque a deficiência não se contrai assim.
E em antes de me julgarem pela aparência.
Limitem-se a ver o meu coração.
E façam um exame de consciência.
Porquê me excluir da sociedade? 
Ao invés disso vamos ser amigos de verdade.
E pensem antes de falar…
Este mundo não é um conto de fadas mas sim realidade.
Pois as suas palavras poderão me magoar!
E a minha vida torna-se um tormento.
Por vocês não respeitarem os meus sentimentos.
Há meu Deus como isto tudo eu lamento…
Lembrem-se que eu tenho um coração a pulsar.
E também como todos vocês sou capaz de amar.
Por isso peço-lhes por favor…
Que parem de maneira diferente de me olhar!

Armindo Cerqueira

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