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Sou orgulhosamente mulher, mas não quero ser mãe!

Mulheres…para muitos o pilar da família, a imagem da fertilidade, da vida. Dotadas à nascença com o dom de serem mães, de perpetuar a humanidade. E o que dizer quando o relógio biológico não dá horas? o que pensar quando o desejo de formar uma família não é opção? 

Estas mulheres existem, e muitas vezes, são alvo de duras críticas, não são compreendidas. A opção de vida que fizeram é vista como uma demonstração de egoísmo. O Minho Digital obteve o testemunho de duas mulheres que decidiram não serem mães expondo as suas razões e também os seus sentimentos

 Maria, natural de Arcos de Valdevez, é o testemunho de uma mulher em paz com a vida, e acima de tudo, com a decisão que tomou. Ela, no seu interior, jamais sentiu o desejo de ser mãe. “Confesso que nunca ouvi comentários diretos acerca da minha opção, porque as pessoas sabem que estou bem resolvida com aquilo que sou e que quero, mas sei que todas nós, que decidimos não sermos mães, somos vistas acima de tudo, como egoístas”. Maria chegou a engravidar, mas não correu bem, e o aborto sucedeu-se. “Reconheço que jamais senti a vontade de ser mãe. Adoro crianças, mas não me via com uma. Na altura engravidei, não por pressão, mas sim porque o meu marido queria muito ser pai, e eu queria-lhe dar esse gosto”.

Depois da gravidez não ter ido avante Maria confirmou o seu desejo de não voltar a engravidar, de não ser mãe. “A minha opção não se prende com o facto de não querer estragar o corpo, ou ser egoísta. Eu sou uma mulher muito ansiosa, sofro muito por antecipação…e angustia-me muito a ideia de ter alguém constantemente a depender de mim. Se eu pudesse ter filhos e viver a vida por eles seria diferente, mas chega a um ponto que não podes prever o que se irá passar e eu não seria capaz de viver assim”, confessa.

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Esta opção de vida, apesar de não constituir um tema de discriminação, ainda é um tabu na sociedade. “Eu não consigo perceber essas mulheres que não querem ter filhos. Então para que casam? Se não querem filhos, que fiquem solteiras. A finalidade do casamento é ter filhos e formar uma família. Quando não querem faz-me imensa confusão”, declara Azevedo, empresário em Ponte da Barca. E é baseado neste testemunho que se desenvolve a tese do que significa ser mãe: a maternidade é transversal e inerente ao facto de terem nascido mulheres? É um direito, ou um dever? E se não demonstrarem essa vontade de formar família, de serem mães, devem ser vistas como antinaturais?

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Como explica Flávia Piovesan, jurista e advogada especializada em Direitos Humanos. “O conceito de direitos reprodutivos refere-se a um conjunto de normas e leis referentes à autonomia de homens e mulheres para decidir se querem ou não ter filhos, o tamanho de sua descendência, bem como quando desejam reproduzir”.  No fundo são decisões responsáveis e conscientes que cada ser humano deve tomar, segundo aquilo que deseja e espera conseguir na vida. Maria relata um episodio que lhe causou alguma confusão. “Há pouco tive uma discussão com uma amiga. Ela tem um familiar que deseja muito ser mãe. Mas tem uma doença congénita, hereditária e transmissível. A minha amiga ficou chocada comigo por eu lhe dizer que achava essa vontade uma demonstração de egoísmo e irresponsabilidade. Sabes que tens uma doença transmissível e que -provavelmente- o teu filho irá sofrer também essa doença…então, por quê é que queres ser mãe, não será esta opção um reflexo de egoísmo e falta de senso comum?”

Para muitas mães a ideia de terem filhos as conforta quando pensam na chegada da velhice, pensam e sentem que os filhos estarão lá para eles, que farão pelos pais aquilo que os pais fizeram por eles: protege-los e cuida-los quando eles mais precisavam, mas nem sempre é assim. “Confesso que quando diagnosticaram ao meu marido uma doença grave cheguei a pensar o que seria de mim se ele me faltasse.  Mas rapidamente essa ideia me abandonou; o facto de termos filhos não significa que estaremos acompanhados, que teremos alguém a olhar por nós. Quantos filhos há que simplesmente não querem saber dos pais e -praticamente- os abandonam?” pergunta Maria.

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Teresa, natural de Ponte da Barca também não quer ser mãe e nunca engravidou. “As pessoas ainda hoje pensam que a minha opção de não querer ser mãe prende-se ao facto de eu estar a esconder alguma coisa. Muitas até inventam que só posso ter essa ideia por causa de eu, ou o meu marido, sermos estéreis e não querermos assumir. Não conseguem perceber que é uma escolha muito pessoal, que nada tem a ver com problemas de fertilidade ou saúde” e confessa: “não consigo perceber por quê as pessoas acham que há algo de muito errado em mim -por não querer ser mãe- mas se calhar jamais pensaram que eu, com a minha opção, sou muito mais responsável do que aquelas mães que decidem sê-lo porque acham que ser mãe é um dever e depois abandonam os filhos, ou então maltratam-os”.

Teresa assegura que esta opção que tomou constitui, acima de tudo, um ato de responsabilidade. “Prefiro estar consciente da minha vontade de não ser mãe do que sê-lo, por imposição ou pressão, e depois não conseguir dar a esse ser humano tudo aquilo que merece. A final as crianças não pedem para nascer, e uma vez que nascem, merecem todo o tempo e cuidado”.  

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Maria e Teresa, orgulham-se de terem nascido mulheres e nada têm contra aquelas mulheres que desejam muito serem mães: “ainda bem que há mulheres a pensar diferente e que querem muito ser mães…elas, garantem a continuidade da humanidade e são felizes com a sua escolha. Bem-haja para elas. Espero um dia que nós, e todas aquelas que vierem atrás de nós, também possamos ser compreendidas. Nós também somos mulheres, que amamos, que sentimos e que, acima de tudo, queremos ser felizes”, culmina Teresa. 

“- Ela é tão livre que um dia será presa

– Presa, por quê?

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-Por excesso de liberdade

– Mas essa liberdade é inocente?

– É. Até mesmo ingênua

-Então, por quê a prisão?

– ………..porque a liberdade ofende” .

Clarice Lispector

Para esta reportagem foram utilizados os pseudónimos Maria e Teresa porque as entrevistadas assim o pediram. Não pelo facto de não se quererem mostrar, mas sim porque o tema envolve, incontornavelmente, os seus companheiros e restante familia, e é por eles que desejam salvaguardar as suas identidades.

 

 

 

 

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