«Sou um fazedor de bonecos» – assim se identifica o artista Mário Rebelo

Mário Rebelo

 

A sua forma de estar na arte é sobejamente conhecida e Mário Rebelo simplifica ao  classificar-se como «um fazedor de bonecos». Mas é com eles que pretende que as pessoas pensem e tirem sempre a sua ilação, pois eles tem sempre algo a dizer quanto às vivências desta sociedade sempre em mutação.

 

Entre a ironia e a sátira move-se este artista, mas com recados que vão sendo dados através dos seus bonecos, com quem ele «conversa» e tenta encontrar algumas explicações.

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Mário Rebelo não deixa de se fazer ouvir em relação ao que pensa da cultura e da forma madrasta em que, e não por poucas vezes, é tratada. E exemplifica deixando um recado à Câmara Municipal de Caminha: «não é o caminho correcto, e em nada beneficia os artistas do concelho em  proporcionar-lhes uma exposição na galeria por um tempo de seis dias, é muito pouco», salienta. E assim aconteceu com este artista que teve patente na Galeria Caminhense, apenas entre os dias 11 e 17 de Setembro, uma exposição e intitulada «colagens e apêndices».

Minho Digital, numa conversa que teve tanto de informal como enriquecedora, falou com Mário Rebelo.

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Minho Digital (MD) – Onde e quando surgiu a arte na vida de Mário Rebelo?

Como surge? Não sei…quando? Ainda tenho memória…

Nas brincadeiras de rapaz pequeno e, também, na vivência multi-cultural que envolvia a família. Com um ambiente  em que se ouvia música clássica; um pai que fazia bonecos; uma irmã que também brinca um pouco com eles;  mais uma irmã e um irmão que pegavam no lápis; e, por fim, eu que desde muito novinho tive a oportunidade de recriar, um pouco por este contacto cultural e da grande parte do tempo que estava com o meu grande amigo, meu pai.

E na história, um rapaz que na turma até sabia fazer umas coisas diferentes, era bom até para ter umas namoradinhas… era uma virtude… ( ri-se)

Depois começam os bonecos mais ligados à minha personalidade. Desde muito cedo que me assumi e defino que não sou artista, mas um fazedor de coisas ou um fazedor de bonecos . Sou um pensador, um indíviduo sonhador e já por isso sou surrealista.

Tive a felicidade de os meus pais me terem proporcionado a oportunidade de me enviarem para a cidade grande para estudar e trabalhar. Mas, também, tive a felicidade de entrar naquele mundo da música e das artes, e apanho o antes e pós-revolução.

Fui e continuo a ser um lutador, não em questões políticas mas em Causas. E o fazedor de bonecos assim se explica. É nós assumirmos a nossa responsabilidade do que pensamos e dizemos e «vomitá-lo» através dos bonecos, mostrando a nossa poesia, beleza.

Quem olha para os meus bonecos tem diversas interpretações: o gajo é um louco, e que eu aceito; e o gajo faz uns riscos ou o tipo faz uns bonecos, e isso é que me interessa. Mas eles têm significado. Por outro lado, o importante para mim é não copiar mas recriar …

O movimento num boneco pode até ser um insulto, mas as pessoas compram e levam para casa e nem sabem que é um insulto.

MD – Mas o «fazedor de bonecos» é um autodidacta?

Sim, sim! E com um percurso maravilhoso e a conhecer pessoas também maravilhosas.

MD – E nesse mundo o Mário Rebelo encontrou um mentor?

Todos nós bebemos de fontes. Por exemplo, não vou esconder, mas eu sou um estudioso de Salvador Dali.

Mas eu, a partir de determinada altura, comecei a fazer a minhas coisas e a assumi-las, amores e desamores e paixões. Mentores… não vou falar de ninguém, até para não defraudar e tenho imenso respeito por todos. Mas, ficou uma linha e eu peguei nela, e essa linha é interminável.

MD – Mas o «fazedor de bonecos» também é um sonhador. Quando recria não pretende também despertar consciências?

Sim, e algumas vezes com imensa agressividade e gozação.

Exemplo: a menina e o menino são identificados com um pénis e uma vagina, e isso surge nos bonecos, mas de forma diferente, com movimento e formas próprias. Nos meus bonecos aparecem sempre com uma cabeça, orelhas, nariz e boca, mas já há algum tempo me perguntaram: alguns dos seus bonecos não tem olhos nem sobrancelhas, porquê? E eu respondo: muito simples, porque perante a realidade desse boneco o que não quero ver também não permito que os meus bonecos vejam. Existem bonecos que são por mim tão organizados  que eles próprios não iriam querer ver. Existe esta permissa que me permite esta liberdade e lutar por ela num todo.

Eu quero que olhem para os meus bonecos e pensem…         

MD – E Mário Rebelo porquê a temática das «colagens e apêndices»?

Para mim tem imensa piada!

Peguei em imensos recortes e fotocópias que tenho  no meu acervo. Entretanto, comecei a fazer umas colagens  e dei-lhe uns apêndices, ou seja, eu criei à minha volta mais do que já tinha criado e dei uma nova roupagem.

Apêndice é como um emplastro, pois assim se não gostam ficam só com a colagem e rasguem o resto…

 MD – Mário Rebelo como vê a Cultura?

Quero que fique bem gravado que vejo a cultura como o filho pobre que pertence a uma família ainda mais miserável. Porque neste país ninguém a avalia …

Eu, neste momento, estou num espaço camarário, mas as Câmaras Municipais têm mais onde investir além da Cultura.

Infelizmente, nos dias de hoje não é possível fazer muitas exposições individuais porque fica caríssimo. Assim, surge uma colectiva e lá vamos …

Para mim, a Câmara Municipal de Caminha está a errar no caminho que assume para a Cultura. Vejamos: o período que me foi destinado é de seis dias, curtíssimo!… Somos muitos para um curto espaço de tempo. Era preferível reavaliar as coisas, e que seja eu o primeiro que não valho, e dar mais tempo aos que merecem, por exemplo, 15 dias.

Isto é desprezismo …passem o crivo, e coloquem menos gente e mais tempo… respeitem-nos porque merecemos!

MD – Esta exposição é composta por 30 trabalhos e o Mário Rebelo refere que é a 1ª série. Para quando a 2ª?

Pois, a 2ª será mais barulhenta…

Eu dialogo consigo sobre cada um destes bonecos e conto-lhe a sua história, e aí é um virar de página.

Após fazer cada um destes bonecos eu falo com eles e é muito, muito agradável!

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