Editorial

AS TECNOLOGIAS NO ENVELHECIMENTO ATIVO E SAUDÁVEL
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Sara Filipa

Sara Filipa Fernandes

Médica

 

“Saber envelhecer é a obra-prima da sabedoria e uma das mais difíceis tarefas na grande arte de viver” (Henri Amiel)

 

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O envelhecimento ativo alterou o paradigma de que o envelhecimento seria uma sequência inexorável e condutora ao declínio. Há uma nova perspetiva, que o envelhecimento poderá também ser entendido como um processo de otimização a todos os níveis: físico, mental e social.

No âmbito de tecnologias de apoio ao envelhecimento ativo e saudável, poderá dizer-se que representam um meio de reforço a atividades de realização significativas para o idoso, um potenciador da sua autonomia e que trarão um impacto relevante na sua qualidade de vida.

As tecnologias poderão constituir um suporte para dar um papel pró-ativo do idoso, envolvendo-o em programas de saúde e formação educacional. Serão ferramenta útil para a capacitação do idoso e para aumentar a sua literacia em saúde.

A socialização digital possibilita manter a vida social à distância. Tornou-se muito útil em contexto pandémico, permitindo inclusive contacto com maior número de pessoas e assim, enriquecimento pessoal.

O uso de tecnologias na área da saúde implicará redes de comunicação independentes da comunicação em massa, mais focadas no indivíduo; presta um apoio direto aos idosos e melhora a imagem que estes têm dos cuidados de saúde. Assim, consegue-se um diagnóstico e tratamento mais precoce dos doentes idosos.

A título exemplificativo, a teleconsulta tornou-se na pandemia COVID-19, a primeira forma de contacto entre o utente idoso e os cuidados de saúde. Houve lugar para ouvir as suas preocupações e ansiedades. Permitiu resolver muitas situações clínicas, evitando deslocações desnecessárias aos centros de saúde e hospitais.

Relativamente ao apoio social e aos cuidados de saúde, considero que trará ganhos em saúde. Poderá ser mais facilmente implementada uma lógica preventiva, que, por conseguinte, é muito mais eficiente que a lógica reparadora.

O recurso às tecnologias poderá facilitar e ampliar o acesso aos cuidados de saúde. Como menos recursos é possível chegar a mais indivíduos.

Ferramentas de apoio à saúde como a “Linha Saúde 24”, o acompanhamento das recomendações de saúde no site da Direção Geral de Saúde, o eventual contacto com outras linhas de apoio de cariz social ou de saúde revela-se uma enorme mais-valia à concretização das necessidades do doente idoso e ao seu correto acompanhamento. Destaco aqui, a título exemplificativo, modernas linhas de apoio telefónico, como a linha de apoio à vítima para pessoas que estão a ser agredidas física ou psicologicamente, a “SOS Voz Amiga” que ajuda a afastar ideias de suicídio e a linha “Voz de Apoio” que confere apoio emocional gratuito, entre muitas outras. 

As tecnologias contemplam um meio de contacto à distância entre o utente idoso e os cuidados de saúde. É possível, por exemplo, utilizar dispositivos móveis que recolhem dados como: tensão arterial, glicemia capilar, temperatura e peso. Estas informações serão comunicadas rapidamente ao profissional de saúde. No seguimento, haverá lugar a uma atuação mais célere, que provavelmente prevenirá futuras complicações.

Um exemplo prático é o projeto de telemonitorização aplicado à insuficiência cardíaca avançada. Há uma recolha de sinais diariamente, são aplicados questionários clínicos, feito o seguimento farmacoterapêutico e recurso à videochamada/chamada. São utilizados vários dispositivos, alguns dos quais invasivos, como por exemplo, o CardioMEMS que é implantado diretamente na artéria coronária. Quando ocorrem alterações significativas é emitido um alerta e são prestados os devidos cuidados de saúde.

O pleno conhecimento do doente, da sua doença e do tratamento é um elemento essencial na adesão terapêutica, com vantagens na sua relação com os cuidados de saúde e no seu estilo de vida.

Recorrer a sistemas de monitorização remota de saúde poderá fornecer informações valiosas para melhor abordar as patologias do idoso e estar inteirado das suas necessidades.

O acesso ao sistema de mensagens eletrónicas permite um contacto facilitado com os cuidados de saúde, como é exemplo a renovação do receituário.

É evidente que este recurso às tecnologias tem duas facetas. A vertente mais positiva supracitada e a vertente das competências, aprendizagens e exigências para adaptação às mudanças tecnológicas. Necessitarão de aplicar competências operatórias e de descodificação de uma grande quantidade de informação.

Cada vez mais a medicina centrada no doente exige maior literacia em saúde. A internet fornece um meio muito enriquecedor e esclarecedor a um cidadão dotado de boas capacidades de pesquisa e análise. Tornou-se assim importante conseguir filtrar informação de vários meios e adquirir informação credível.

Devemos ter atenção para que o contacto por meios tecnológicos, seja ele com recurso unicamente à voz ou voz/vídeo, não desvirtue a relação humana.

O exame físico, os aspetos psicológicos implícitos à entrevista clínica como a linguagem não-verbal, a confidencialidade e, em última análise, a relação médico-doente veem-se claramente comprometidos pelos meios digitais. Sendo a relação médico-doente baseada na empatia e na confiança adquirida, a relação presencial deve estar sempre salvaguarda.

No entanto, em determinadas situações e tendo atualmente, disponíveis recursos digitais que facilitam o contacto entre os cuidados de saúde e o idoso, estes podem ser aproveitados, com grande proveito, principalmente se uma forte confiança no profissional de saúde tiver sido criada a priori.

A digitalização de processos administrativos de apoio social exclui os idosos com menor literacia digital, pelo que apostar em ações de formação contribui, em muito, para a plenitude dos direitos pessoais.

Os idosos com menos conhecimentos tecnológicos poderão ter dificuldades de acesso aos meios tecnológicos de acesso aos cuidados de saúde. É possível que se sintam limitados e, de certa forma, excluídos. Este é um problema evidente na nossa população e será um desafio selecionar as melhores medidas para o solucionar.

A telemonitorização poderá ser invasiva no que diz respeito à privacidade do doente e também é possível que haja menor equidade, uma vez que os doentes que entram nestes projetos têm sido cuidadosamente selecionados. 

As tecnologias podem trazer inovação e criatividade no cuidado aos idosos, mas dependerá do seu entusiasmo em aderir e da sua disponibilidade para uma aprendizagem contínua. Ao avançar com iniciativas que incluam o uso de tecnologias, devemos ter em conta diversos fatores para ultrapassar situações de menor equidade ou humanização.

Em suma, devemos encarar o futuro com otimismo, existe muito potencial para melhorar os nossos cuidados de saúde. Podemos considerar que estamos numa nova época de abordagem à saúde e são muitas as possibilidades de concretizar a aplicação das tecnologias nesta área.

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