Tempo de Natal

Armando Caldas

Médico

E pronto, cá estamos nós uma vez mais de novo no Natal, talvez a festividade mais relevante da nossa sociedade ocidental, herdeira de uma tradição baseada no Cristianismo que lhe moldou os valores e forma de vida, mas que também serviu de alavanca para uma descoberta do resto do mundo, permitindo acrescentar novos mundos ao mundo, os quais foram moldados de acordo com a escala de valores que os seus novos habitantes, saídos do velho mundo, lhes impuseram.

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A evolução de Ciência tem procurado destronar Deus da hierarquia da criação, tentando impor essencialmente através das ciências sociais um mundo formalmente laico, no entanto, Deus continua a resistir ao decreto da sua morte e se a religiões Cristãs se esvaem, outras pretendem ocupar o seu lugar, resistindo à colocação do Homem no centro do Universo.

Propõe-se que a celebração que se aproxima tendo por base o nascimento de Jesus Cristo tenha sido enxertada nas celebrações pagãs do Solstício de Inverno, a exemplo de outras festividades onde os calendários religiosos e pagãos se entrecruzam, mas o certo é que, independentemente da sua origem, ela está aí, para animar miúdos e graúdos.

Das tradicionais celebrações religiosas muito pouco resta, sendo essencialmente o Natal dos princípios do século XXI uma festa consumista do mundo ocidental, onde se aposta na troca de presentes como forma de dinamizar o comércio e conseguir dividendos resultantes do esvaziar das prateleiras das grandes superfícies comerciais de objectos de desejo, os quais às vezes acabam por passar de moda no próprio dia seguinte.

Reduzidos a meros adereços cada vez mais insignificantes, os motivos cristãos da celebração são substituídos por imensos painéis luminosos e por decorações que visam tornar mais atractivos os produtos a comercializar, bem como as superfícies comerciais – grandes ou nem por isso – onde os mesmos são vendidos.

 

O Natal tornou-se sinónimo de iluminações de Natal, de decorações de Natal, de promoções de Natal, a que recentemente se acrescentou entre nós o Black Friday como ponto de partida para as compras de Natal, um pouco à semelhança de outras tradições importadas dos Estados Unidos, como o Halloween ou o dia de São Valentim, marcas registadas do Império centrado em Wall Street. atestando uma subserviente globalização dos seus valores.

Por todo o mundo ocidental, relativamente próspero e convertido a um consumismo capitalista e burguês que progressivamente se afasta dos princípios e valores que tornaram possível a sua hegemonia,  a festa vai-se fazendo, tentando esquecer as dificuldades do dia-a-dia, empurrando para a frente as fissuras que ameaçam o ruir do mundo como o idealizamos, ou as dificuldades dos que não têm Natal ou que o têm de passar em teatros de guerra, em embarcações perdidas no Mediterrâneo, em condições consideradas indignas e sub-humanas, bem como esquecendo a falta de direitos daqueles que os propiciam o nosso direito a um Natal Feliz, seja trabalhando em regime de escravatura para conseguirmos o melhor preço nas promoções, seja trabalhando nos dias em que é suposto estarmos todos em casa a festejar com a família, de modo a nos proporcionar o conforto de saber que temos alguém capaz de nos ajudar  resolver qualquer fatalidade que possa ensombrar as nossas celebrações.

Talvez por isso, tempo de Natal também costuma ser tempo de apelo a uma maior solidariedade e generosidade numa sociedade cada vez mais egoísta, com forte apelo ao individualismo burguês, à ostentação, ao fausto e à majestosidade, cada vez a preços supostamente mais populares, de modo a induzir a noção de um enganador sentimento de universalidade da excelência.

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Deixando de lado as pieguices que me assolam cada ano por esta quadra, resta-me desejar a todos um bom Natal e que, se possível, evitem os excessos, apreendam a sobriedade e, sobretudo, não deixem morrer os valores do Natal como nos foi apresentado, ou seja, o nascimento de um tempo de esperança para toda a Humanidade.

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