Depois de três anos a trabalhar num Banco vestido de fato e gravata, decidi (por razões que agora não interessa explicar) vestir-me de forma casual em que a gravata deixou de fazer parte da vestimenta.
Apesar de todos no trabalho acharem que era obrigatório vestir assim, o ACTB (Acordo Coletivo do Trabalhador Bancário) apenas exigia que os funcionários se vestissem de forma idónea. Associar roupa à idoneidade de alguém é altamente vago e subjetivo, o que me abriu um leque de diferentes formas de vestir, para além do tradicional fato e gravata.
Um dia, o diretor regional visitou a agência onde eu trabalhava e, farto de saber que eu não ia trabalhar aprumadinho como todos os outros funcionários, tentou sanar aquilo que para ele era um problema. Exibiu a sua autoridade e, diante de todos, num tom áspero e olhar intimidador, chamou-me à atenção, dizendo que eu não podia trabalhar assim vestido. Como conhecia de cor as normas do trabalho, abri o livro do ACTB na página certa e apontei para a frase “vestir de forma idónea”, realçando que não havia qualquer alusão ao uso obrigatório do fato e gravata. Entretanto, talvez por mostrar desconhecer as normas em vigor e verificar que não ia atingir os seus objetivos, a conversa subiu de tom. Ao que lhe respondi: “Eu sou mais idóneo nu do que o senhor de fato e gravata”. A conversa ficou por ali, e nunca mais me abordou sobre o assunto. O tipo era uma peste, tinha sido um sacana comigo e com inúmeros colegas meus muito antes deste incidente e continuou a sê-lo depois. Fez tanto mal a tanta gente que se já morreu espero que tenha encontrado o destino que merece.
Quando JD Vance criticou Zelensky por não usar fato e gravata, lembrei-me deste episódio que ocorreu há 30 anos. Há muito tempo que se confunde aparência com caráter, e alguns usam essa perceção para construir uma falsa aura de respeito e credibilidade. É, no entanto, inegável que a roupa que escolhemos vestir comunica algo sobre nós. Pode refletir personalidade, estado de espírito ou até intenções. O próprio contraste entre o Papa Francisco, que anda de sandálias, e o Papa Bento XVI, que usava sapatos Prada, mostra como o vestuário pode simbolizar diferentes abordagens à liderança e à humildade. Mas a questão central é que, por mais que o vestuário possa transmitir uma imagem, nunca será suficiente para definir a idoneidade de uma pessoa, muito menos ser motivo para a humilhar em publico, como fez Vance a Zelensky na Sala Oval, com o mundo a assistir. Desde quando a roupa, por si só, define a seriedade ou a integridade de um líder? O que vale mais: um governante que age com responsabilidade ou um que apenas se veste como tal? O caso de Donald Trump ilustra bem esta contradição. Durante a sua presidência, sempre se apresentou de fato e gravata, projetando uma imagem de autoridade e sucesso. No entanto, essa aparência formal não impediu que fosse condenado por 34 crimes de falsificação de registos financeiros no caso Stormy Daniels, tornando-se no primeiro presidente dos EUA com cadastro criminal. Além disso, enfrentou dois processos de impeachment, um por abuso de poder e outro por incitamento à insurreição, embora tenha sido absolvido pelo Senado. Estes exemplos demonstram como uma roupa convencional não reflete, de forma alguma, a idoneidade moral e ética de um líder. Enquanto Trump, com a sua aparência impecável, esteve envolvido em escândalos e ilegalidades, Zelensky, mesmo vestindo roupa simples e funcional, demonstrou coragem e compromisso com o seu país numa guerra desigual e devastadora.
De facto, o mundo hoje poderia ser um lugar bem melhor se muitos engravatados como Trump e Vance fossem impedidos de decidir pelo próprio nó da gravata que usam ao pescoço!