BICADAS DO MEU APARO: Ambiente fraudatório

Artur Soares

Escritor d’ Aldeia

 

Desde pequeno, aprendi que a justiça morava e praticava-se nos Tribunais. Umas vezes convencido de que assim era e outras não, concluo actualmente que a justiça nem sempre mora nem sempre se pratica nos Tribunais. Então, de há uns anos a esta parte, de justiça muito pouca, e a que se faz é só contra aqueles que não têm onde cair mortos.

Num panfleto, “A CORJA” – que tenho – de 26 de Abril de 1924, ano 1 e nº 1, pode ler-se: “A canalha” pretende que os cidadãos acreditem na justiça e nos políticos, mas todos nos dão razão de sobra para a não acreditar nem respeitar nenhum deles. Como é possível que não haja legislação clara e rigorosa sobre o enriquecimento ilícito? Como é possível que as relações pessoais entre juízes ou entre instituições contaminem (impunemente!) o funcionamento da justiça”? Repare-se que estas perguntas já são feitas no ano de 1924!

Quem não conhece no país, após o 25/A/74, o enriquecimento ilícito de certos trutas políticos, empresários, autarcas e banqueiros? São “às resmas”! Assiduamente os portugueses são informados dos “golpes” praticados desde o Minho ao Algarve, quer nos centros urbanos quer nos rurais.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Presentemente temos o caso José Sócrates, ex-primeiro ministro de Portugal que fez do país uma sua coutada em termos económicos e de fraudatório. Acusado de mais de três dezenas de crimes enquanto chefe do Governo, este cidadão consegue substituir o juiz Carlos Alexandre a analisar o seu processo pelo juiz Ivo Rosa, e só passados quase uma dezena de anos se chega à conclusão de que Sócrates foi corrupto e deixou-se corromper, mas muito disso prescreveu. Finalmente vai ser julgado por arrecadar indevidamente alguma comida de pardais. Mas, mesmo só por isso, vai recorrer, pois está inocente, diz.

O senhor juiz Ivo Rosa, indirectamente disse que a acusação a Sócrates não pode ser considerada válida; se fosse válida não havia provas; se as houvesse teriam sido obtidas de forma imprópria; se não fosse imprópria também não eram suficientes e se tudo é legal e suficiente, o crime já prescreveu. Que fez o Conselho de Prevenção da Corrupção, que não conseguiu “recolher e organizar” informações sobre o comportamento fraudatório de Sócrates?

O juiz Ivo Rosa – escolhido para analisar os crimes de Sócrates – concluindo que o acusado apenas deve responder por milho roubado a pardais, pôs em causa concretamente a Justiça, o Ministério Público e a democracia em Portugal. Sendo assim, ou é um mau intérprete da Lei, ou é um facilitista da Lei ou anulou a sua personalidade ou competência profissional, perante o caso Operação Marquês. Tudo isto, toda esta pessegada de crimes, parece ter no ar o bailar de muitos milhões de euros que poderão cair nos bolsos de muitos.

Ivo Rosa já mandou devolver “de imediato” cerca de trinta milhões de euros e bens imóveis dos arguidos. De imediato, qualquer português conclui que o crime compensou, que a Justiça não julga, que a democracia rasteja e que os portugueses não acreditam nesta “canalha” que o panfleto “A CORJA” já denunciava em 1924. Interessante é analisar a notícia de há dias na TV – que ouvi – de que o Manel-da-Micas “tentou matar a sua mulher e por isso apanhou oito anos de prisão”. Não matou, mas “tentou matar” e, pumba, toma lá oito anos de grelha!

Estes corruptos, esta canalhada do pós 25/A/74, passam-lhe milhões pelos bolsos vindos de bolsos conspurcados e ainda ficam habilitados a serem indemnizados. Com tanto silêncio do partido socialista em relação ao seu militante Sócrates, parece ler-se nesse silêncio político, de que estão mais próximos de provar a inocência do ricaço que vendeu cabritos sem ter cabras para os parir, e de dizerem que foi o povo que roubou Sócrates. Como é sabido, este caso durará mais uma década a ser resolvido e socialistas a par da maçonaria, terão tempo de moldar o caso, de o branquear e de plantar no ricaço – “que deverá ter vendido a sua personalidade” – uma dignidade, uma honra e um carácter que nunca fizeram parte do seu ser. Falta saber, isso sim, se o Estado for obrigado a indemnizar José Sócrates daqui por dez anos, se o dinheiro a pagar-lhe vai ser depositado na conta dele ou na conta do seu amigo que o apetrechava de dinheiro emprestado/dado ou da herança da mãe.

Vive o país, em ambiente fraudatório. Aquela máxima entre nós, de que “quem tem dinheiro compra a Justiça”, tem sido sempre verdade. Estes criminosos fazem dos portugueses estúpidos e, os pequenos, os que roubam o pouco da manhã para comerem à noite é que estão tramados. A canalhada não dorme e as sombras são os seus anjos diabólicos.

* O autor não segue o acordo ortográfico de 1990

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