Contrabando e emigração ilegal em Melgaço nos anos 20 do século passado

Valter Alves

Professor

 

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Posto da Posto da Guarda Fiscal de Melgaço (edifício caiado) no início do século XX

 

No jornal “A Capital – Diário Republicano da Noite”, na sua edição de 24 de Setembro de 1924, podemos ler uma reportagem acerca do contrabando, da emigração ilegal e da corrupção generalizada entre a Guarda Fiscal nas fronteiras de Melgaço:

 

“O CONTRABANDO, NA FRONTEIRA DO RIO MINHO, EXERCE-SE EM LARGA ESCALA DEIXANDO LUCROS MAGNÍFICOS E A GUARDA FISCAL, OU RECEBE GRATIFICAÇÕES, OU TEM NELE PARTICIPAÇÃO DIRECTA

 

Como já tive ocasião de dizer, a fronteira do Minho é porta aberta, para a saída de vários géneros para Espanha, o que está causando grandes prejuízos ás classes menos abastadas, que têem de os adquirir por preços iguais áqueles por que os pagam os contrabandistas.

No nosso regresso de Vigo o acaso deparou-nos o encontro com um desses contrabandistas, com quem trocámos impressões.

Devido ao adiantado da hora o nosso informador prometeu-nos várias informações assim como ensinar-nos os locais mais próprios para a passagem do contrabando, marcando-nos um encontro às Portas do Sol, em Monção para ontem.

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À hora combinada lá estávamos, dispostos a saber como era possível a sahida diária para Espanha dos produtos  que aparecem nos mercados.

O nosso cicerone convida-nos a acompanhá-lo para a beira do rio, indicando-nos, aqui e ali, os locais onde, pela calada da noite, atracam os barcos galegos que vêem buscar o contrabando.

— E a vigilância da Guarda Fiscal? – interrogamos.

— A fronteira está muito mal guarnecida de guarda fiscal. Além disso muitos guardas também trazem as mulheres e os filhos no negócio. Como vê, estão comprometidos e têm receio de serem denunciados.

Imagine que não são só os soldados os implicados na passagem do contrabando; são também sargentos e oficiais. Mas estes não se dedicam ao contrabando baixo; andam mais alto e recebem grossas luvas.

— ! ?

— Sim. Porque, por aqui, não se passam só ovos, galinhas, carnes e outros géneros de passagem fácil; passam-se também sacas de cacau, gado etc.

E compreende que estas coisas não se fazem sem prévio acordo com quem está encarregado de vigiar a fronteira.

Mas isto por aqui ainda não é nada. Vá até Melgaço, onde o rio se atravessa a pé e começa a raia seca, e então terá ocasião de ver o que é passar contrabando em pleno dia e nas barbas da autoridade.

— Qual é o negocio mais rentoso do contrabando?

— Tem épocas. Nesta ocasião são os ovos e as carnes secas. Em Portugal, a dúzia de ovos custa 5$50 a 6$00, e nós vendemos em Espanha cada duas dúzias por um duro, que ao cambio do dia regula entre 24$00 a 25$00, deixando-nos assim um lucro de 12$00 a 13$00 em cada duas dúzias.

É verdade que muitas vezes temos que gratificar os guardas, mas quando isso acontece é nos dias de grande passagem. Depois, não há apalpadeiras para as mulheres que se dedicam ao negócio, sendo-lhe assim fácil fazer a passagem.

— Quando é o melhor dia para o contrabando?

— O dia das feiras. Como sabe, nesse dia é que nós adquirimos maior quantidade de géneros. A fronteira fica também completamente desguarnecida, porque a Guarda Fiscal vai prestar serviços à Companhia dos Fósforos.

— À Companhia dos Fósforos?

— Sim. É nos dias de feira que os aldeões vêem às vilas fazer o seu negocio, e a guarda fiscal, em vez de estar a vigiar a fronteira, vai para as estradas que dão para as aldeias apalpar os tranzeuntes, a fim de lhes caçar a isca e os isqueiros prendendo e autuando aqueles que os trazem, devido a terem metade da multa.

— Mas não têem eles também participação no contrabando apreendido?

— Têem, mas como já lhe disse, falta-lhes autoridade para procederem, devido a viverem do contrabando, alegando que o Estado não lhes paga o suficiente para se sustentarem e sustentarem as famílias.

— E as autoridades administrativas?

— Ainda o ano passado a imprensa local e várias entidades fizeram ver ao administrador do concelho as irregularidades que se davam na fronteira. Foi então ordenado um inquérito que deu o resultado de todos os outros: negligência, falta de capacidade, terminando com a transferência de alguns guardas.

Mas há ainda outro contrabando, também importante, e com o qual a guarda fiscal nada tem.

— Qual é?

— A emigração clandestina.

Quisemos averiguar o que se passa com a emigração e os agentes encarregados de velarem na fronteira para que ela não se faça. Mas o nosso informador marca-nos outro encontro, em que nos explicará  quem são os responsáveis pela saída diária de centenas de emigrantes sem documentos, para a América, França e Brasil.”

 

 

Extraído de: Jornal “A Capital”, diário republicano da noite, edição de 24 de Setembro de 1924.

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