A Ditadura do Politicamente Correcto

João Cerqueira

Escritor

Depois de, em 1981, Mitterrand ter falhado na aplicação do socialismo em França, acabando por ter de liberalizar a economia, a Esquerda ficou desacreditada. Se o socialismo falhara em França, não poderia resultar em mais lado nenhum. Eis então que a Esquerda se agarra à causa do politicamente correcto para se poder diferenciar da Direita.

 

O politicamente correcto é a ditadura do século XXI. E não é por acaso que se transformou numa das causas da Esquerda. Tendo sido criado nos EUA em meados no século XX com o objectivo de proteger as minorias raciais, o politicamente correcto encontrou na Esquerda europeia a causa que lhe deu novo fôlego. Depois de, em 1981, Mitterrand ter falhado na aplicação do socialismo em França, acabando por ter de liberalizar a economia, a Esquerda ficou desacreditada. Se o socialismo falhara em França, não poderia resultar em mais lado nenhum. Eis então que a Esquerda se agarra à causa do politicamente correcto para se poder diferenciar da Direita. O politicamente correcto significava os altos valores humanistas que a Direita, diziam, rejeitava. Doravante, criticar as minorias raciais, os homossexuais e os islâmicos passava a ser uma heresia. Ao mesmo tempo, criticar o Ocidente, a Igreja e a família tradicional passava a ser sinal de avanço cultural.

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É neste contexto que surge o caso da censura do Governo ao livro de actividades da Porto Editora, um escândalo em qualquer país civilizado, que viola o artigo 37º da Constituição:

«Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.»

E o caso torna-se ridículo quando se descobre que, afinal, o tal livro não apresentava os preconceitos de que fora acusado. Porém, ainda que fosse sexista, reaccionário e imbecil, numa sociedade livre não seria objecto de censura. A «censura» seria feita pelos consumidores que não concordassem com o conteúdo da obra e nunca por um governo. Os pais e as escolas teriam a liberdade de rejeitar o tal livro. Ao mesmo tempo, famílias com valores conservadores teriam igualmente o direito de o usar  para educar os seus filhos. Este é um princípio basilar da democracia: a liberdade de escolha. Já quando um governo pretende impor uma verdade suprema e inquestionável a uma editora privada, partindo do princípio de que os cidadãos não têm discernimento para saber o que é melhor para os seus filhos, então estamos no domínio da ditadura. O cidadão é tratado como a criança que é suposto proteger. Foi o que aconteceu durante o regime de Salazar e é o que acontece na China onde o governo impede que temas políticos, religiosos e sexuais sejam discutidos.

 

A discussão sobre a igualdade dos sexos é fundamental para o avanço da humanidade. Mas uma discussão implica a existência de duas partes contraditórias. Se uma das partes impede a outra de apresentar os seus argumentos, estamos perante o pensamento único. E é tão nocivo para a sociedade o pensamento único reaccionário quanto o pensamento único supostamente progressista. São as duas faces da moeda totalitária. O espírito crítico desaparece. A diversidade deixa de existir. O medo instala-se. No fim, a sociedade fica intelectualmente empobrecida.

Existe uma corrente de pensamento enquadrada no pós-modernismo, no relativismo cultural e no feminismo que se insurge contra a diferenciação entre os sexos. Estes defendem que a diferença entre os sexos é uma construção social, o que os leva a entrar em contradição quando também dizem que os homossexuais, apesar da educação que tiveram, sempre souberam ser homossexuais. Mas há também inúmeros filósofos, sociólogos e psicólogos que pensam o contrário. Estes argumentam que as diferenças existem na natureza, são inatas, sendo o homem e a mulher um prolongamento dessa mesma natureza.

Pessoalmente, sendo a favor da igualdade dos sexos e dos direitos dos homossexuais, considero um dos maiores disparates de sempre a tese da realidade não passar de uma construção social. Quem tiver cães e gatos, percebe logo que não há construção social que explique o comportamento distinto de machos e fêmeas, por exemplo na busca de parceiros sexuais ou na agressividade. Felizmente, ainda não apareceram gatas feministas ou cães machistas.

 

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No mundo das ideias haverá sempre duas – ou mais – partes em oposição. Ora é deste debate de ideias permanente que uma sociedade se enriquece. A história está cheia de exemplos de proclamadores de verdades supremas – religiosas ou políticas – e dos resultados trágicos sequentes. A perseguição aos heréticos e o Index dos livros proibidos da Igreja Católica é um exemplo. A Revolução Cultural chinesa, com a perseguição aos intelectuais reaccionários e a queima de livros, outro. Em ambos os casos, se afirmou que se tratava do bem da humanidade ou do povo. Em ambos os casos, a civilização deu lugar à barbárie.

Séculos depois da Inquisição e décadas depois de Mao Tse Tung, parece que não se aprendeu nada. A censura continua a ser justificada com os mesmos argumentos infantis. Depois da pureza religiosa e da pureza revolucionária, vem agora a pureza do politicamente correcto. Isto só dá razão aos que afirmam que marxismo e socialismo são transposições da religião para a política. A mesma vontade de salvar a humanidade e criar o paraíso na terra, a mesma fé inabalável ante os fracassos, a mesma sanha na perseguição aos infiéis que não creiam neste novo messianismo salvífico. Sobre este assunto, convido o leitor a ler Outubro, de Rui Bebiano, ‘Breve historia de la utopia’ de Rafael Herrera Guíllen ou ainda as memórias de Vitor Kravechenko ‘Escolhi a liberdade’.

 

Eis o ponto a que chegámos. O Big Brother progressista está atento e não permite desvios da ortodoxia. Tenha cuidado se é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, se é contra a despenalização das drogas e do aborto, se considera que as migrações islâmicas ameaçam a identidade europeia, se gosta de touradas ou se se atreveu a ensinar a sua filha a cozinhar. A sua liberdade de escolha e o seu direito de se expressar livremente estão sob ameaça. Pessoas que defendem regimes como o da Coreia do Norte ou da Venezuela irão dar-lhe lições de democracia e de respeito pelos direitos humanos. Admiradores de José Sócrates invocarão princípios éticos. Outros ainda, insultá-lo-ão.

Por outro lado, a maioria dos jornalistas colabora com o Big Brother quando se lança contra o livro da Porto Editora, ao mesmo tempo que omite a notícia de que o líder da comunidade islâmica agrediu à cotovelada uma das suas mulheres. Chegará pois o dia em que os livros do Tintim, da Anita e do Bolinha (menina não entra) serão banidos, ao mesmo tempo que se silencia os abusos sobre as mulheres nas comunidades islâmicas e se apelida de islamofobia a denúncia dessas práticas.

Uma única coisa positiva resulta disto: fica bem claro quem defende a liberdade de expressão e quem acredita no controlo do pensamento.  

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