Era uma vez uma sereia de cauda de baleia…

Paula Teixeira de Queiroz

Escritora

“As histórias de sereias são todas iguais…”, disse o menino enfadado. “Quero uma história de verdade!”, gritou com os olhos muito abertos prestes a debulharem-se em lágrimas de frustração. E saltou pela janela baixa que dava para a praia, deixando a mãe sem reacção, triste por aquele filho sempre insatisfeito.

O menino correu sem tino praia fora, até cair sem forças nem respirar. 
“Quero morrer, quero morrer, assim não vale a pena. Não existe nada de novo, já tudo foi inventado. As mães são todas iguais. Os filhos são todos iguais. As sereias são todas iguais. O mundo é todo igual. Quero morrer.”

Adormeceu de exaustão e desgosto e sonhou que morrera.

As pessoas de Cap Ferret morriam no mar. Os pais eram marinheiros e o mar chamava-os quando tinha fome. Depois disfarçava-se de sereia boazinha – as tais todas iguais -, e chamava as mães que entravam nele para encontrar os maridos. Por lá ficavam deixando os filhos a aprender a ser marinheiros e as filhas a irem-nos procurar quando o mar tinha fome.

Passavam-se anos sem o mar dar sinal e dizia-se que procurava alimento por outras bandas. Os marinheiros e as mulheres começavam a ficar inquietos, o peixe rareava, e sentiam-se abandonados. Tinham nascido para lançar as redes e pescar grandes e gordos peixes que vendiam para os ricos de Bordeaux e Saint Émilion. Para os “chateaux” onde se produzia o bom vinho de que eles ouviam falar mas nunca tinham provado.

O menino ficava contente com a quietude do mar, aguçava-lhe o espírito e na sua curta vida já presenciara essa loucura que se apoderava dos marinheiros e das suas mulheres, quando o mar não reclamava alimento. Não sabia se era um menino bom ou mau, não sabia se o mar os devia comer ou não. Não gostava era das sereias, eram traiçoeiras e levavam as mães que deixavam os filhos abandonados. Por isso não queria ouvir mais histórias de sereias malvadas, histéricas e delambidas. Não se contentavam em ser meias mulheres e queriam as outras, as inteiras, para lhes roubar as pernas e trocá-las pelas suas caudas de peixe, de escamas prateadas e pérolas escondidas. Depois da troca, em noites de luar, abandonavam o mar num contínuo desfile, com os longos cabelos ainda ensarilhados de algas e pérolas. O chamamento para os chateaux era feito por um corneteiro de serviço que lançava o alerta: as belas mulheres sereias estavam a chegar! Os senhores dos chateaux aperaltavam-se para desposar as mais belas e enigmáticas mulheres do mundo.

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Por isso o menino as odiava, odiava e se não podia vencê-las porque ainda era pequenino, preferia morrer. Morreria, então! Não queria ficar sem mãe.

 

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