MEMÓRIAS DO FUTURO (6): É de bradar aos céus!

Manuel José Ribeiro

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Já toquei, numa crónica anterior, na grande incomodidade com que é vista a ação da Câmara Municipal de Viana do Castelo, na área ”obras particulares”.

Na verdade, com este elenco camarário ou outro, antes ou depois do “25 de Abril”, embora tendo em consideração que, antes da revolução, o sector da construção civil era reduzidíssimo. Mas com a chegada da livre iniciativa individual, da abertura, mesmo que supercautelosa, do crédito bancário e também da necessidade de serem recebidas as poupanças dos emigrantes (nos anos 80 – lembram-se? – até usufruíam de condições especiais quer nas taxas de juro, mais altas, do dinheiro depositado e, por outro lado, das taxas, mais baixas, do que pagavam no crédito), o “boom” da construção atingiu números até então nunca vistos. Tudo isto foi natural que tivesse acontecido.

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A carência habitacional, em qualquer parte do nosso país, era gritante. Assim, a classe média (da mais alta à mais baixa) desatou a adquirir apartamentos nas cidades e, conforme a viabilidade de construção, a edificar vivendas ou a socorrer-se de cooperativas, as quais – mas isso verificou-se posteriormente – se limitaram a um mero estratagema (legal, acrescente-se) para facilitar, de forma menos dispendiosa e menos burocrática, a aquisição de habitação própria. Na realidade, creio que das cooperativas de habitação, quanto à sua filosofia ou objetivos, apenas resistiu o nome de “cooperativa” e nada mais. Muitas não passam, hoje, de condomínios fechados, com o normal direito individual à propriedade.

Perante isto, por que não copiam as câmaras municipais este modelo de aquisição de casas em condomínios, fomentando a criação de grupos de munícipes e atribuindo-lhes o direito/dever de contribuírem com trabalho administrativo ou contabilístico ou especializado ou técnico, etc, e a respetiva responsabilidade? É profundamente lamentável que uma autarquia local, que tem por principal função (para não dizer a única em conformidade com tamanha importância) se limite a ser um verbo de encher em matéria de iniciativa. “Aqui estou. Apareçam”. É a filosofia de uma qualquer vulgaríssima câmara municipal. Há que ser proactivo!

Mas, não esquecendo o título destas crónicas “É de bradar aos céus”, nunca pensei que o azedume dos munícipes fosse tanto e tão ácido para com a área camarária da “construção das obras particulares” e que, espontaneamente, muita gente me tenha contactado para confessar a sua revolta e me tenha pedido para tratar deste assunto, aproveitando a maré das eleições autárquicas.

Só que, para o espaço destas crónicas, compreensivelmente muito limitado, não posso nem devo alongar-me, pelo que lamento não me referir, direta ou indiretamente, a muitos casos que são interessantes, mas pela negativa. Sempre se ouviu, na nossa terra ou noutras mais, expressões como “o senhor 10 por centos” ou “o autarca dono do último andar” ou o vereador “do jipe para a filha” e por aí fora. A verdade é que a quase totalidade dos casos “ouvidos” com frequência não chegaram a juízo, porque, em matéria de criminalidade económica, os corruptores, passivos ou ativos, não têm qualquer interesse pessoal ou empresarial em denunciarem ou confessarem o possível delito.

Perto estamos de chegar ao meio século de Democracia, um regime político-social e económico considerado o mais vantajoso para os Povos. No governo (central e local) era o momento de varrermos da nossa mente as filosofias pérfidas de antanho: a cultura da fiscalização – e até da perseguição!!! – em vez da ajuda ao munícipe; a cultura do poder administrativo, em vez do reconhecimento dos direitos de cidadania; a cultura do autoritarismo, em vez da promoção da atitude natural de serviço aos outros; a cultura do “quero, posso e mando”, em vez do cumprimento criterioso do “Código de Procedimento Administrativo” e, sobretudo, da moderna filosofia em que assenta; a cultura da corrupção e das manigâncias, em vez da transparência e da justiça para todos.

E isto quer dizer claramente o seguinte: os serviços camarários (e muitos outros públicos) existem porque existem cidadãos; uma licença de habitabilidade é passada pelas autarquias (como função mais que primordial) porque os munícipes necessitam disso para satisfação de uma necessidade primeira.

Infelizmente ainda há quem pense de maneira contrária. Até quando?

NOTA: Este tema vai continuar

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