Policialmente: violência doméstica

Vitor Bandeira

Inspector-Chefe da Polícia Judiciária (aposentado)

Com uma frequência que nos preocupa, quase diariamente chegam ao nosso conhecimento, através da Imprensa diária e Telejornais, casos de violência doméstica, sendo o seu desfecho infelizmente, quase sempre a morte de um dos intervenientes, na maioria dos casos mulheres.

Perguntamo-nos quais os motivos que levam os homens a ter estas atitudes irracionais para com as suas companheiras.

O ciúme, parece ser um dos grandes argumentos, associado ao consumo de álcool e drogas, porquanto o seu consumo torna a pessoa mais irritável e agressiva. Nestes casos o agressor pode apresentar inclusive um comportamento absolutamente normal e até mesmo amável enquanto sóbrio, o que pode dificultar a decisão da parceira em denunciá-lo, ou até iluda os amigos e vizinhos atrasando a sua actuação e ou denuncia.

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Mas julgamos que existe hoje um outro factor externo que denominamos genericamente como a crise social em que vivemos. Esta leva a desentendimentos domésticos que se referem às discussões ligadas à convivência entre a vítima e o agressor, rendimentos parcos ou reduzidos drástica e ultimamente, com o desemprego de um dos intervenientes, surgindo subjacente a alimentação e educação dos filhos. O desemprego provoca um maior convívio diário dos intervenientes e daí resultam maiores perigos para o desencadear das crises domésticas.

Aí começará aquilo que se considera o ciclo da violência domestica (APAV):

1-      Aumento de tensão – as tensões acumuladas no quotidiano, as injurias e as ameaças tecidas pelo agressor, criam, na vítima uma sensação de perigo eminente.

2-      Ataque violente – o agressor mal trata física e psicologicamente a vítima; estes maus-tratos tendem a escalar na sua frequência e intensidade.

3-      Lua-de-mel – o agressor envolve agora a vítima de carinho e atenções desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar (nunca mais voltará à violência).

Este ciclo leva a que muitas das vítimas iludidas e comprometidas com ligações conjugais de anos e com o sentido de defesa da família, não denunciem os casos de violência e os deixem chegar ao extremo e por vezes já de forma irremediável.

O interior do lar é o local de maior ocorrência das agressões. Para muitos autores, são os factos corriqueiros e banais os responsáveis pela conversão de agressividade em agressão. Complementa-se ainda que o sentimento de posse do homem em relação à mulher e filhos, bem como a impunidade, são factores que generalizam a violência. Em Portugal este sentimento de posse do homem, perante a mulher e os filhos, é facilmente verificável nas regiões menos cultas e mais tradicionalistas do interior, pressupondo-se assim, que a maioria dos casos de violência doméstica são de classes financeiras mais baixas. A classe média e alta também têm casos, mas as mulheres denunciam menos por vergonha e medo de se exporem e à sua família. No caso das famílias menos estruturadas e culturalmente de nível inferior, a falta de conhecimento da Lei e da protecção que a mesma hoje oferece às vitimas, leva-as a tomar como sacrifício o aguentarem até à exaustão a violência do conjugue/ companheiro.

Há quem afirme que, em geral, os homens que batem nas mulheres o fazem entre quatro paredes para que não sejam vistos por amigos, familiares e colegas. A cultura popular diz “ entre marido e mulher não metas a colher”. Assim, propõe-se que os amigos e vizinhos mesmo tendo conhecimento da violência a ignorem. Ora actualmente e felizmente este dogma encontra-se ultrapassado, pelo menos nos meios urbanos mais evoluídos, não sendo poucos os processos que têm início em denúncias de outrem que não a vítima. 

Notamos no entanto, que esta rejeição e luta contra a violência doméstica se situa numa faixa etária que nos parece estreita (30/50 anos), talvez compreensível devido ao facto de terem sido na sua geração que casos trágicos estão a ocorrer, ou terão tido oportunidade de verificar “in loco” a sua ocorrência no tempo dos seus progenitores. Também começou a ser dado maior ênfase à violência doméstica quando os movimentos feministas começaram a ter como seu principal tema este tipo de violência. O primeiro abrigo para mulheres violentadas foi fundado por Erin Pizzey em 1960, nas proximidades de Londres.

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A juventude/adolescentes de hoje, não está muito preocupada/alertada para este tipo de fenómeno e seu combate. E por isso é com muita preocupação que tivemos conhecimento dos resultados de um inquérito efectuado aos jovens sobre a violência no namoro. Urge alterarmos a educação nas Escolas sobre este tema.

Mas não julguemos que a violência domestica só existe tendo como vitima as mulheres; também existe violência doméstica contra homens. Esta violência pode ter como autor a própria mulher, seus familiares ou amigos, convencidos a espancar ou a humilhar o companheiro. Vale a pena ressaltar que os homens vítimas de violência doméstica, em função de se encontrarem inseridos numa sociedade sexista, acabam por não denunciar a violência que sofrem no âmbito familiar, tanto por vergonha, quanto pelo facto de que a sociedade e as autoridades darem pouca atenção e auxilio a homens que a denunciam. A situação de violência doméstica contra homens pode, então, chegar aos extremos de graves mutilações ou de homicídio, onde a vitima nem ao menos tem tempo ou oportunidade de ser ouvida.

Segundo estatísticas da APAV, em 2014, ocorreram 48 homicídios no contexto da violência doméstica, sendo 24 praticados na residência comum do agressor e da vítima.

Numa próxima cronica, aprofundaremos e lançaremos à discussão o tema sobre a ocorrência de homicídios em Portugal e a sua incidência territorial.

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