Ter boa imprensa

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José Venade *

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No passado dia 6 de Setembro muitos órgãos noticiosos parabenizaram a personalidade de Adriano Moreira, pelo seu centésimo aniversário, dando-lhe grande e merecida ênfase, por uma longa vida bem recheada, destacando os seus inegáveis méritos, contributos, e virtudes, em diversos sectores da sua longa vida civil e política.

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Quer nível do Direito, sua primeira profissão, mas também na área do ensino, como professor catedrático, ou na escrita com vasta obra publicada, ou como grande pensador.

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Nada de negativo, ou censurável, parece ter feito, ou suscitado curiosidade nesta personagem, para acolher tanto unanimismo.

Os factos não dizem o mesmo. Li, de modo fugidio, aqui e ali, as suas antigas ligações, ao Estado Novo, que sabia existirem, mas em poucas publicações constavam. E à socapa.

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Passados que estão 48 anos sobre o 25 de Abril de 1974, já não há matéria criminal que lhe seja imputável. Ficam, apenas, os factos e a parte moral dos mesmos. E esses, existem, jamais prescreverão porque é, e sempre será, reprovável ocultá-los. Mesmo tendo boa imprensa.

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A César o que é de César e a Adriano Moreira aquilo que lhe compete.

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O facto de ter uma filha deputada pelo PS na Assembleia da República, há muitos anos, com certo destaque, influente, terá contribuído, por certo, para este “esquecimento”. A tal boa imprensa.

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Mas a vida das pessoas, “ditas importantes”, deve ser contada de forma linear, sem acrescentar nada, mas também sem retirar ou ocultar factos. Não nos devemos mover pêlos interesses imediatos ou fretes políticos, ou do politicamente correcto. A verdade, tem que que ser dita e nunca disfarçada. No restante e no essencial, caberá aos historiadores fazerem e esmiuçarem, melhor, todos os pormenores.

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Adriano Moreira, nasceu a 6/09/1922, em Grijó de Vale Benfeito, Concelho de Macedo de Cavaleiros, no seio de uma família modesta.Com poucos meses, vai para a grande Lisboa onde o Pai trabalha como policia.

Estuda e licencia-se em direito, mas começa a sua vida profissional ao serviço do Estado, como jurista no Arquivo Geral do Registo Criminal e Policial.

Com efeito a sua longa vida e a sua lucidez, permitiram-lhe chegar até aos nossos dias com um relativo discernimento.

Ao nível político, o golpe militar do 25 de Abril de 1974, levou-o a refugiar-se no Brasil, onde leccionou na Universidade Católica até 1980.

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No regresso a Portugal aderiu ao CDS, onde seu Presidente entre 1986/88.Deputado da Assembleia da República onde ocupou o cargo de vice-Presidente da mesma, tendo à época 73 anos. Foi ainda Conselheiro de Estado entre 2015/2019, terminando já com 93 anos.

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Mas esta foi a sua segunda incursão na vida politica. Anteriormente, com a ditadura de Salazar e do Estado Novo, acedeu ao convite deste para participar no governo, primeiro como sub-secretário de Estado da Administração Interna e de seguida, 1961, foi promovido a ministro do Ultramar ao mesmo tempo que deflagrou a guerra colonial.

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E, foi pelo seu punho que em Abril de 1961, enquanto ministro do Ultramar, foi reactivado o “Campo de Trabalho de Chão de Bom”, na então colónia portuguesa de Cabo Verde e que, para todos, ficou conhecida como o Tarrafal, ou Campo da Morte Lenta.

O Tarrafal, campo de tortura, teve início de construção em 1936 na ilha de Santiago- Cabo Verde, pêlos próprios detidos. Sob administração geral da PVDE/PIDE.

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Destinou-se a todos aqueles que se atreveram a pensar em desacordo com a ditadura salazarista. Na recepção aos primeiros prisioneiros o então director do campo terá afirmado: “ quem vem para o Tarrafal vem para morrer”! Depois de detidos e sem julgamento, (?) eram enviados para esse campo de concentração. Ali, os mais “perigosos” eram metidos no interior das “frigideiras”, construções e cimento acima do solo com o tamanho médio de 1.70X0.60X1.70, sem janelas e com um mínimo de ventilação, onde eram enclausurados, e lhes eram aplicados, castigos brutais, torturas, debaixo de temperaturas dos trópicos, que oscilavam entre os 50 e os 60 graus. Inimaginável a resistência de muitos homens.

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O fim da segunda grande guerra que ditou a derrota do nazismo pressionou, de certa maneira Salazar que, para não ficar mal na fotografia, decidiu pelo encerramento temporário em 1954. Pura cosmética e táctica política do ditador.

Mas, o Tarrafal só foi encerrado e os detidos libertados definitivamente, a 01 de Maio de 1974. Hoje é um museu da jovem nação Cabo – Verdiana.

Tarrafal, essa nódoa horrorosa que, jamais se apagará na história de Portugal e de todos aqueles que amam e têm memoria, que prezam a liberdade e todos os direitos consignados numa democracia livre e moderna.

Ocultar esta nódoa no currículo de Adriano Moreira, é um atentado a todos aqueles que ali pereceram, que perderam anos da sua vida, ou que ficaram estropiados para sempre.

Talvez a selectividade dos prisioneiros, constituída apenas pela arraia-miúda lá foi parar, tenha criado um certo silenciamento sobre o tema. Em Portugal, quem não é doutor, é de segunda, mesmo em pleno século XXI. É apenas um parêntesis, uma divagação, para meditação.

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Não há nada que apague ou lave a consciência a quem, na sua vida, tomou decisões desta índole, por mais créditos, comendas e prebendas que tenha.

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Nem que tenha (e tem) uma boa imprensa.

* O autor não segue o actual acordo ortográfico em vigor.

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