Bicadas do Meu Aparo: Iates e jangadas

Artur Soares

Escritor d’ Aldeia

 

Os portugueses da minha idade ou ligeiramente mais novos, viveram os tempos da II República e creio não terem saudades dela. Liberdade de expressão e escrita, era zero, cultura e ensino, só os filhos dos abastados eram inteligentes e, serviços de saúde existiam os habilidosos das farmácias e as parteiras de ocasião.

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Se podemos afirmar que – mais de quatro dezenas de anos depois do fim do Estado Novo – actualmente vamos beneficiando de algo que não havia então, longe estamos ainda dos benefícios de uma democracia, como direitos humanos, igualdades sociais ou igualdade de oportunidades, etc.

Ouve-se assiduamente pela voz de políticos, de lideres de instituições, de pessoas responsáveis na vida nacional, que há planos para…, é preciso fazer planos…, temos de dar seguimento aos planos… temos de reunir para planear… – entre outros. Somos o país dos planos, das reuniões para planos, não saímos dos planos e reúne-se para ver se os planos não caducaram.

O 25 de Abril há mais de quarenta anos foi bem recebido! E aos solavancos, com promessas de tudo, entramos na fase da esperança e na alegria do fim da guerra do Ultramar. Só que começou a sentir-se que a esperança se ia desvanecendo e que a democracia era de “dê” pequeno, quando deveria ser Democracia de “Dê” grande. Quero com isto dizer, que o Abril de 1974 apenas trouxe benefícios para os políticos que se foram acantonando na política, para chefias bancárias, directores empresariais, partidos políticos, os respectivos falsificadores económicos e os rapaces atentos a todas as horas do dia. O povo, aqueles que gostam de comer um naco de pão como fruto do seu suor, continua, não a comer migalhas caídas, mas a ruminá-las para durarem mais tempo.

Os políticos de hoje e de ontem, continuam a contar com os bancos alimentares, com a caridade dos portugueses, com a acção social da Igreja e com aqueles que em horas de desgraça nacional se solidarizam com o pouco que têm, uma vez que os governantes fomentam a política da desgraça. Isto é, defendem os seus potes, as suas pias.

Analisemos certas realidades que a pandemia desmascarou, ainda sem planos: maior pobreza; guetos em bairros sociais, bairros clandestinos como o bairro da Jamaica ou a Cova da Moura, barracas que António Guterres em 1990, planeou acabar e tantos problemas sociais do género, nunca tiveram planos e a respectiva concretização, quer de presidentes de câmara, quer de Governos. Logo, parece não ser exagero afirmar-se que só políticos e os respectivos habilidosos têm direito a uma cama limpa e a uma mensalidade substancial, nesta democracia de “dê” pequeno.

Assim, nesta política volátil e baralhada que os políticos testemunham, com uma oposição incapaz de conduzir o barco nacional a porto correcto e seguro, preparam-se todos para agasalhar 26 mil milhões de euros que a Comissão Europeia pensar entregar a Portugal, devido aos estragos do covid-19. Como se sabe, não é certo receber-se esse dinheiro, pois ainda não passou de plano; embora seja muito dinheiro, este, está aquém do que seria necessário para haver normalidade económica; e terrível, terrível, é saber-se que tal torrão de mel a cair nos cofres portugueses tem a grande possibilidade de ser mal gasto ou mesmo mal distribuído.

Recordemos os trinta milhões de euros ofertados pelos portugueses para os incêndios de 2017: só foi distribuído um terço do dinheiro para alguns e o resto foi para fins que nada tinham a ver com os incêndios referidos.

Pelo que se afirma, por aquilo que os nossos políticos são capazes, pela falta de transparência na acção política e económica que nos têm dado, pelo amiguismo e compadrios evidentes, pela desonestidade que reina no país…, a cair em Portugal o torrão de mel (os 26 mil milhões) vindos da Comissão Europeia, serão o sangue fresco da manada, o encher de barrigas para a costumada bicharada dos amigalhaços que rabeiam por vários palcos da vida nacional, pelos queridos que roçam as calças e brilho dão às cadeiras da Assembleia da República e, como não podia deixar de ser, para atenuar a fome nos cofres dos Partidos políticos. Eis o bem que o covid-19 proporcionou, poderá proporcionar aos possuidores dos potes e das pias pessoais.

Com santas intenções recordava o Papa Francisco: “estamos todos no mesmo barco” (covid-19) e por isso cuidemo-nos. Todos somos o mar, todos nos sentimos fustigados – digo eu – pela mesma tempestade. Só que uns encontram-se em iates e a grandessíssima maioria em simples jangadas: sem colectes de salvação e, se calhar, prestes a afogarem-se.

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(O autor não segue o novo Acordo Ortográfico) 

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