BICADAS DO MEU APARO: A sorte e o azar

Artur Soares

Escritor d’ Aldeia 

Segundo o que se ouve na televisão, oitenta e sete por cento dos portugueses aceitam que o Primeiro-Ministro António Costa tem estado à altura dos acontecimentos provocados pela actual pandemia no nosso país, que já vitimizou no mundo duzentos mil mortos e três milhões de infectados, por esse cognominado “inimigo invisível”.

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Não posso discordar dos portugueses que assim vêem o chefe do Governo. Ele tem-se mostrado capaz pela resolução da saúde dos seus concidadãos: conhecedor de como tudo se vai desenrolando, sempre pronto a esclarecer o país da evolução/ataque ao inimigo invisível e atento principalmente às datas e às actividades que têm de voltar à normalidade.

Sabe-se que em todo o mundo, noventa por cento das empresas estão paradas. São biliões e biliões de euros/dólares a menos que vão colocando em coma a economia mundial. Os postos de trabalho esfumam-se, a fome mundial nunca foi tão evidente como nestes três meses de peste, onde se calcula que por falta de alimentação existam cerca de quarenta milhões de pessoas. Pelo que se ouve, pelas notícias que prolongam os tempos noticiosos, pelos traumas que esta peste está a causar ao mundo, este mesmo Mundo vai ter de aprender a viver e a conviver de maneiras bem diferentes, dos tempos anteriores ao presente ano.

Nós por cá, os outros países também, além de termos de normalizar os serviços de saúde, da educação e da economia, muito trabalho haverá de ser feito. O Papa Francisco já fez disso o respectivo aviso. “Há que pensar, organizar todo o resto e não ficar-se virados unicamente para o problema do covid-19”, dizia o Papa.

As pessoas vivem em medo absoluto. Pode dizer-se que já há quem viva coronavirado-da-cabeça e nunca como agora os psiquiatras e os psicólogos terão tanto trabalho no futuro próximo. Os hospitais têm de pensar como reencontrarem-se com os seus doentes e o Estado tem de saber educar politica e socialmente o povo, para o relançamento da economia e para descomplexar todos aqueles que possam transportar o garrote cerebral.

Portugal tem feito muito pelo bem-estar do povo e para que tudo – embora cautelosamente – se vá normalizando. Mas ainda muitíssimos problemas estão por resolver. Os hospitais ainda não estão devidamente apetrechados para que os profissionais de saúde possam trabalhar com segurança. E fala-se inclusivamente de que há fortes possibilidades de haver uma segundo ataque virológico pelo fim do ano. Sabe-se que os pontos mais frágeis em Portugal têm sido os residentes dos lares donde a maioria dos mortos apanharam a doença. Sabe-se que em residências chamadas “Hostels”, o aparecimento de infectados tem sido enorme. Sabe-se que há milhares de pessoas que têm necessidade de fazer testes – confirmação  ou não de infectados – e certos serviços pouco fizeram para resolver o que tem de ser resolvido.

Como é evidente, em acontecimentos sociais, bons ou maus, cabe sempre neles a política. É claro que este Governo, para além de estar a trabalhar bem contra a pandemia, entroniza a política, a publicidade, e aproveita o acontecimento para subir no número de eleitores.

O caso mais claro de quererem pontuar politicamente, foi o caso daqueles 200 jovens hospedados na Rua Morais Soares em Lisboa – pagos com o dinheiro de todos nós – onde um deles foi confirmado com o coronavírus e três horas depois – tudo muito rápido – confirma-se que estão 138 com resultados positivos. Mas antes dos testes, houve alarme total: zona interdita, Polícia à porta, Protecção Civil em riste, Bombeiros agitados, Pessoal médico, Paramédico, Enfermeiros, Cruz Vermelha, Jornalistas, Televisões em directo e finalmente tudo evacuado com a supervisão da Câmara Municipal de Lisboa, para finalmente serem levados para a Base Aérea da Ota, onde foram recebidos pelas altas patentes militares, com todos os requisitos médico sanitários e de logística.

Enquanto isto, ao contrário disto, temos e tivemos os lares onde a morte chegou depressa, onde se conheceu o nulo ou pouco dedicado serviço de saúde pública num lar de Vila Real, que foram praticamente abandonados pelo Serviço Nacional de Saúde, bem como aquelas dezenas de utentes em Vila Nova de Gaia que tiveram como primeira intervenção directa a Câmara Municipal. Muitos dos idosos que morreram, que foram infectados e outros que não foram analisados a tempo e horas – caso do Lar do Comércio em Matosinhos –  não tiveram a sorte dos refugiados da Rua Morais Soares em Lisboa.

Assim, poder-se concluir que todos os idosos não socorridos a tempo tiveram azar, e os refugiados, gente entre os vinte e trinta anos, tiveram sorte. Logo, a sorte de uns é o azar de outros.

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(O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico).

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